Ciclistas lutam por mais espaço nas ruas de Blumenau

As bicicletas têm conquistado cada vez mais adeptos nas ruas de Blumenau na medida em que os preços aumentam e encarecem o transporte por outros meios. A escalada no preço dos combustíveis em 2021 e o aumento nos custos de carros e motos estão desestimulando os usuários destes modais. 

Com este cenário de inflação em alta, alguns redescobriram as bikes que tinham em casa, enquanto outros passaram a investir neste meio de transporte para reduzir custos e ganhar em qualidade de vida. Blumenau tem ciclovias e ciclofaixas espalhadas pela cidade, com diversos trechos sem ligação entre si. Daí, surge a pergunta: o município estaria preparado para receber cada vez mais ciclistas nas suas vias? Quando estes usuários poderão contar com este meio de transporte integrado com outros modais?

No Brasil, e em Blumenau o cenário não é diferente, milhares de pessoas utilizam as bikes para ir e vir de casa até o trabalho ou os estudos – ou, em alguns casos, para ambos. Com a pandemia da Covid-19 chegando ao país em março de 2020, esses números só aumentaram. 

As pessoas não apenas buscaram, neste período, por economia nos gastos, mas por qualidade de vida e por um meio de transporte que evita a aglomeração de pessoas – e, consequentemente, reduz o risco de contágio do novo coronavírus. 

Apenas durante o ano de 2020, montadoras de bicicletas como a blumenauense Nathor chegaram a reportar até 50% de crescimento nas vendas. No polo industrial de Manaus, gigante da indústria das bikes no Brasil, o faturamento cresceu quase 24% quando comparado a 2019, mesmo com uma produção consideravelmente menor devido à paralisação das fábricas nos meses iniciais da pandemia.  E os números positivos seguiram em 2021. A Aliança Bike, uma associação de lojistas e empresas criada com o objetivo de fortalecer o setor da produção de bicicletas, estima que as vendas destes produtos no Brasil aumentaram em 34,17% na primeira metade deste ano, comparado ao mesmo período em 2020. 

Falta planejamento para interligar as vias criadas para os ciclistas

O uso das bikes para além da diversão e do estilo de vida saudável, como meio de transporte no dia a dia, não é exatamente uma novidade para quem vive em Blumenau. A Associação Blumenauense Pró-Ciclovias (ABC), por exemplo, existe desde os anos 1990 e luta por uma cidade preparada para o ciclismo em toda a extensão do município. 

Apesar de defender esta bandeira nos últimos 30 anos, a associação avalia que Blumenau ainda não se transformou em um exemplo de integração entre bikes e trânsito. Na avaliação de Sheila Henkemeyer, cicloativista integrante da ABC e da ONG Bike Anjo Blumenau, o município não está preparado para as bicicletas.

Um dos principais problemas para este modal na cidade, na avaliação de Sheila, está na falta de continuidade e de planejamento envolvendo as ciclovias e as ciclofaixas. “Costumamos dizer que temos ciclopedaços.

E isso já é um sinal de uma desconexão. Blumenau politicamente reproduz a lógica carrocrata vista em todo o país, priorizando o trânsito de veículos motorizados individuais. O planejamento urbano é em grande parte feito sem a participação da sociedade civil organizada, e quase sempre por quem não pedala. E nós temos inúmeros exemplos de desconexão da rede cicloviária”, comenta.

Fonte: Google Maps.

Mapa do Google Maps demonstra a falta de conexão entre ciclovias e ciclofaixas de Blumenau. As informações do mapa são fornecidas por ciclistas usuários do serviço

Essa desconexão entre as vias destinadas às bicicletas nas diferentes regiões de Blumenau é vivenciada diariamente por quem pedala pela cidade. Miguel Linhares, empresário e ciclista, utiliza a bicicleta diariamente para ir ao trabalho e afirma que as ruas estreitas e mal preparadas para o tráfego de bicicletas são um verdadeiro desafio na hora de pedalar. 

“Moro a uma distância do trabalho onde é muito longe para ir a pé e muito perto para ir de ônibus, então a bicicleta pareceu a opção mais óbvia de locomoção. Mesmo assim, apesar de melhoras claras de infraestrutura nos últimos anos, culturalmente ainda precisamos evoluir bastante. Temos várias ciclovias ao longo da cidade, mas elas não são conectadas, deixando ‘buracos’ na rede que dificultam a utilização”, observa Linhares. 

Foto: Pedro Museka

Por um fio – trecho de ciclofaixa na rua dos Caçadores, em frente à Omino Hering, possui menos de um metro de largura 

Empresas também sofrem com a falta de infraestrutura e de conscientização

As empresas que utilizam a bicicleta como meio de transporte também sofrem com a falta de segurança para os ciclistas na cidade. Juliano Carlos da Costa, dono da empresa Sprint Bike Delivery, que atua com a entrega de mercadorias utilizando bicicletas em Blumenau, também critica a falta de conexão das vias criadas para o uso dos ciclistas. Para ele, falta um esforço maior do poder público para integrar os trechos de ciclovias e ciclofaixas que existem na cidade. 

“O que é preciso fazer são ciclovias, e não ciclofaixas, (por)que diariamente (as ciclofaixas) são utilizadas por automóveis como estacionamento”, opina. A cultura do motorista blumenauense também é um problema a ser considerado, segundo o empresário. “O desrespeito e o não conhecimento da legislação por parte dos motoristas é gritante”, critica. 

O ciclista Miguel Linhares concorda com a observação feita pelo dono da Sprint Bike Delivery. “Os motoristas não têm paciência com os ciclistas, não costumam respeitar o espaço e isso deixa a experiência de andar de bicicleta em Blumenau não muito prazerosa”, observa.

Com a falta de interligação de vias destinadas para as bicicletas na cidade, resta aos ciclistas, muitas vezes, dividir espaço com carros, motos e ônibus em vias rápidas projetadas para estes outros veículos. O perigo para a parte frágil desta equação, ou seja, para os ciclistas, aumentou quando, no final de julho de 2020, terminou o contrato para a operação das lombadas eletrônicas na cidade. 

Antes das lombadas eletrônicas saírem de cena, os radares já tinham sido abolidos de Blumenau. Sem apoio da tecnologia para fiscalizar o trânsito da cidade, resta aos guardas municipais fazerem este controle de forma “analógica”.

Fonte: ABC

O Bicicletômetro instalado pela ABC em parceria com o SACIS – Soluções Ambientais com Inovação e Sustentabilidade indicou um aumento de 50% no número de viagens de bicicleta diárias na cidade em junho de 2020 

Este cenário, segundo quem utiliza as bicicletas para se locomover na cidade, permite que excessos sejam cometidos pelos motoristas, transformando a rua em um ambiente ainda mais hostil para os ciclistas.

“A velocidade mata. É inadmissível termos limites entre 50 km/h e 60 km/h em ruas com grande fluxo de pessoas, como na região central da cidade, e nas principais vias em bairros. Ao ser atropelado nessa velocidade, a chance de morte é de 85%. Agora se o limite for inferior a 40 km/h ou 30 km/h, temos entre 70% e 90% de chances de sobrevivência. O principal desmotivador do uso da bicicleta como transporte é o medo de atropelamento por conta do excesso de velocidade dos motorizados”, explica Sheila Henkemeyer, da ABC e da ONG Bike Anjo Blumenau.

O que está sendo feito e planejado para os ciclistas na cidade?

Apesar de tudo, podemos falar que a situação atual da malha cicloviária de Blumenau evolui muito. Segundo dados da prefeitura, em 2015 a cidade somava meros 78,92 quilômetros de faixas destinadas a ciclistas. Já em 2020, o município fechou o ano com a marca de 113 km. O intuito do poder público municipal é o de expandir essa malha para 138 km até o final de 2022. Ainda assim, estaremos longe das promessas de governos anteriores.

Foto: Pedro Museka

A ciclovia do recente prolongamento da rua Humberto de Campos é segregada dos carros e anexa à calçada para pedestres 

Em 2008, a administração pública da cidade lançou o projeto Blumenau 2050, um plano de diretrizes e projetos direcionados para o planejamento territorial urbano da cidade. Segundo aquele documento, estavam previstas ações que beneficiariam os ciclistas, como a implementação de um sistema de bicicletas públicas em terminais de ônibus, a construção de uma estrutura cicloviária integrada e segura que somaria 145 quilômetros, entre outros incentivos para o uso de bikes. 

A gestão atual, do prefeito Mário Hildebrandt, não segue o antigo projeto. As decisões estratégicas da prefeitura estão focadas, atualmente, no Plano de Mobilidade Urbana. Esse plano, que também adotou e adaptou medidas do Blumenau 2050 para a realidade atual, é revisado a cada 10 anos. Nesta revisão, as metas estipuladas são analisadas e novas ações são estabelecidas conforme a realidade da cidade.

Segundo a Prefeitura, a ampliação da malha viária atual é prioridade. Essa expansão pode ser observada nas diversas obras na cidade que incluem a implantação de ciclofaixas ou ciclovias, como é o caso das obras nas ruas Amazonas, Hermann Huscher, Gustavo Zimmermann, entre outras. Essas obras, assim como a expansão da malha cicloviária em geral, fazem parte do Plano de Mobilidade.

O sistema de aluguel de bicicletas chegou a ser implementado em Blumenau, através do Consórcio Siga, apenas para ser abandonado depois de alguns meses de operação. Segundo reportagem publicada pelo Jornal de Santa Catarina e produzida pela jornalista Daiane Costa, depois de quatro meses de operação do sistema, o número de usuários das bikes alugadas caía gradativamente. Com os resultados ruins, o serviço acabou sendo finalizado. 

Para a ABC, esse tipo de sistema deveria ser reimplantado na cidade, visto que o interesse por bicicletas está em uma alta histórica, sobretudo se houver intermodalidade – a combinação de diferentes modais como, por exemplo, bicicleta e ônibus. 

“A pessoa que usa transporte coletivo poderia ter desconto ou isenção de taxa se combinar o uso da bicicleta pública no mesmo trajeto, ou ainda garantirmos a possibilidade de levarmos nossas bicicletas particulares dentro do ônibus. Outro fator que deve ser considerado é o valor desse aluguel e o modo de acessar o serviço, ou seja, o mínimo de burocracias possíveis”, opina Sheila Henkemeyer, integrante da associação. 

Sheila também cita sistemas públicos de aluguéis de bicicleta em países como Equador e Colômbia, que são subsidiados pelo poder público como forma de incentivo ao uso das bicicletas em centros urbanos. “Isso contribui com a diminuição dos congestionamentos nas cidades e da poluição”, observa.

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