Das Kino - Um olhar crítico sobre o cinema

Jéssica Frazão é doutoranda na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP) e escreve sobre cinema, artes e produção audiovisual.

Blumenau como Plataforma Audiovisual: propostas para os partidos

Por conta da repercussão da última coluna, escrevo apontando propostas para a área do cinema e audiovisual na cidade, de fácil, médio e difícil implementação, que ainda podem ser acrescidas aos planos de governo.

Sei que há variados grupos com demandas políticas específicas, isso só na área da cultura, um dentre os vários eixos com os quais uma candidatura deve se preocupar. Algumas proposições abaixo, porém, podem ser levadas em consideração, pensando uma Blumenau mais inclusiva no segmento audiovisual.

Implementação de cineclubes:  um espaço político, pedagógico e de formação de público:

Até o início da pandemia, contávamos com apenas dois espaços principais na cidade para exibição cinematográfica, para além dos cinemas dos shoppings: O CineArte, na Secretaria de Cultura, e o Cinesesc, no espaço de Cinema e Vídeo da Furb, uma parceria entre Sesc e Furb. Nenhum, no entanto, com debates especializados. Pela tradição do CineArte, por muitos anos organizado pelo seo Holetz, é inacreditável que as sessões não disponibilizem um debate posterior ao filme. As sessões na universidade tampouco o fazem.

Debates não podem ser pontuais, mas pensados a longo prazo, como um importante exercício de formação de público. Os horários e dias em que estas sessões ocorrem também precisam ser repensados, uma vez que até o começo da pandemia, os horários e dias eram pouco atrativos para a maioria da população, não ocorriam aos finais de semana, por exemplo.

Para além das estruturas já existentes, criar cineclubes nos bairros ou cinemas itinerantes, possibilitando estes compartilhamentos para além dos bairros centrais de Blumenau, também deve ser considerado, aproveitando os espaços de associações, centros culturais, clubes de caça e tiro e escolas.

Ainda pensando estes espaços, parcerias com as escolas seriam muito bem-vindas, de forma muito parecida como faz a Argentina, desde 2016, com o programa “A Escola Vai Ao Cinema”. Esta iniciativa leva os alunos de sete províncias argentinas às salas de cinema para assistir filmes nacionais gratuitamente. Além de ver as produções, as crianças recebem aulas sobre contexto histórico dos filmes, sobre linguagem audiovisual e crítica, aprendendo a valorizar e compreender o cinema nacional e regional.

Aprendendo a ler, analisar e interpretar imagens: Uma proposta para as escolas de Blumenau:

Na era da pós-verdade, é importante e necessário aprender a ler imagens. É dessa forma que pessoas mal intencionadas, conhecendo as técnicas e artifícios da produção audiovisual, criam vídeos e imagens, cada vez mais bem elaborados. A leitura destas intenções, mensagens e manipulações imagéticas significaria um bloqueio, por meio dos estudantes, da popularização das crenças falsas. Uma das formas mais eficazes de aprender a ler imagens é fazendo-as e aprendendo suas técnicas.

Em Blumenau, já temos um excelente exemplo de aplicação do audiovisual nas escolas, por conta do “Festival de Cinema Elza Pacheco”, uma proposta incrível que deveria ser estendida para outras escolas da região. Por que a prefeitura não assume o projeto? O festival trabalha por temáticas, de forma multidisciplinar, a cada ano.

Em 2020, o tema seria ‘Meio Ambiente’, mas, por conta da pandemia, ficará para o ano que vem. O festival mobiliza os estudantes a participarem voluntariamente, considerando os compromissos internos e externos da escola por parte dos estudantes e até questões mais técnicas (como as dificuldades com edição de vídeos e de captação das imagens).

Pensando em melhorias, falta ao festival parcerias com profissionais da área, para que estes contribuam com os estudantes nas produções de seus filmes, além de oferecer cursos de linguagem audiovisual. Falta para várias escolas também um auditório ou pequeno teatro, ou seja, um espaço adequado para alunos e comunidade apresentarem e debaterem suas produções.

Festivais de cinema nas escolas são importantes no sentido de ensinar a produzir e compreender imagens, mas, principalmente, de valorizar a representação dos olhares, vivências e conhecimento dos estudantes na tela, a partir dos espaços que ocupam.

Entendendo o impacto do audiovisual na economia local e a importância de uma Film Commission (FC):

A indústria criativa cresceu, entre 2013 e 2017, a uma taxa anual média de 8,1%, enquanto a média de crescimento do PIB, em geral, foi negativa no mesmo período. O audiovisual é o setor mais bem estruturado da indústria criativa. Sozinho, ele apresentou uma taxa média de 8,8% ao ano de crescimento entre 2007 e 2014, segundo dados da ANCINE.

Um estudo lançado em 2016 pelo Sindicato da Indústria Audiovisual (Sindav) mostrou que o audiovisual superou o setor de turismo em geração de empregos, em cerca de 30%. Percebo que as pessoas, em geral, não tem a real noção de como a área do audiovisual é economicamente viável.

Além de empregar muita gente, direta ou indiretamente, porque o filme não é só o diretor e os atores, mas toda uma cadeia produtiva, a exemplo do pessoal de alimentos, da Hotelaria, do maquinário, do transporte, da iluminação, comercio local, dentre outros. No estudo do SINDAV, podemos destacar 4 dados importantes sobre o impacto que o audiovisual tem sobre a economia:

– Para cada emprego direto gerado no setor audiovisual, outros 1,94 empregos indiretos são gerados em outros setores da economia em decorrência do consumo de insumos do primeiro setor;

– Para cada R$ 1,00 adicionado diretamente na economia a partir do audiovisual, outro R$ 0,90 é adicionado indiretamente em outros setores movimentados pelo primeiro;

– Para cara R$ 1,00 arrecadado diretamente em tributos no setor audiovisual, outro R$ 0,63 será arrecadado em outros setores da economia movimentados pelo primeiro;

– O setor de audiovisual, sozinho, movimenta mais de 25 bilhões de reais por ano na economia do país.

A criação de uma Film Commission (FC) é fundamental para atrair e incentivar produções audiovisuais nas cidades, apoiando os produtores em relação às locações, logística e serviços. Além disso, a FC é responsável por dar suporte e fomentação ao desenvolvimento de uma indústria cinematográfica forte, trazendo possibilidades reais para que produções locais e regionais possam competir no mercado audiovisual.

Em Santa Catarina, as cidades de Joinville, Balneário Camboriú e Florianópolis possuem uma Film Commission municipal. É lamentável que uma cidade do porte de Blumenau não tenha ainda a sua, e pior, pouco se discutiu nas gestões sobre sua implementação. Como citado na última coluna, o PDT de Blumenau foi o único partido preocupado com esta questão, como consta em seu plano de governo.

Segundo Tammy Weiss, que participou da criação da Film Commission de Santos, a cidade paulista era locação de uma ou duas produções audiovisuais por ano. Com a criação da FC pela prefeitura, passou a sediar 50 produções por ano, gerando uma renda de R$ 10 milhões ao ano para a cidade. Segundo ela: “Atraímos novelas, minisséries, longas, curtas-metragens, uma universidade de cinema foi criada lá, projetos sociais com audiovisual aconteceram e acabamos ganhando o reconhecimento da Unesco como Cidade Cinema”.

Blumenau tem todas as condições para ter uma Film Commission eficiente: A marca Blumenau é fortíssima. A cidade é turística, conhecida internacionalmente, bem localizada e cinematograficamente interessante, temos lindas locações e um bom setor de serviços, graças à experiência adquirida com a Oktoberfest e outros eventos.

Continuidade do Festival de Cinema de Blumenau, criação de um curso de Cinema na Furb e facilitadores para artistas:

Blumenau já teve uma edição do Festival de Cinema, ocorrido no Teatro Carlos Gomes, em 2012, quando ocorreu também a 2ª Mostra de Cinema Infanto-juvenil. Na época, o festival contou com a presença do seo Holetz, que foi homenageado, palestras para o público e a exibição de filmes blumenauenses e catarinenses, entre curtas, longas, ficções, documentários e videoclipes.

Assim como o Fitub, o festival de cinema merece continuar existindo, uma vez que se mostrou sucesso de público e possibilitou com que os realizadores audiovisuais pudessem apresentar para os blumenauenses suas produções. A continuidade deste festival não deveria depender da boa vontade de um único edital de cultura, que seleciona um mísero projeto de audiovisual a cada dois anos.

Pensando além e tendo pujança, como blumenauense gosta de dizer, ambos, junto de outras atividades culturais, como festival de música sinfônica de concerto, o FUCCA - Festival Universitário da Canção, Cultura e Arte, o FESTFOLK, a Festitália, dentre outras, poderiam formar o Festival Blumenauense de Inverno, que, envolvendo Prefeitura, Teatro Carlos Gomes, Furb e outros espaços, movimentariam a cidade durante todo mês de Julho.

A criação de um curso de Cinema na Furb, uma autarquia municipal, também deveria ser levada em consideração, justamente pensando a formação de mão de obra especializada, que seria necessária para as futuras produções possibilitadas pela Film Commission, se criada, e as próprias demandas das produtoras locais, que, por vezes, necessitam de profissionais de fora.

O curso incentivaria a criação de novas produtoras na cidade, que, com boa vontade política, poderia perceber o potencial do município para implementação de novas estruturas, seguindo o exemplo da cidade de Santos, que citei acima. Hoje, não é possível estudar cinema nesta cidade.

É preciso se deslocar para Florianópolis, Itajaí ou Joinville. Aqui temos demanda para isso. A Furb já tem os cursos de Teatro, Dança, Artes Visuais, Música, Publicidade, Jornalismo, Ciências Sociais e História, além de estrutura de TV e Rádio. Criar um Bacharelado em Cinema e Audiovisual na Universidade de Blumenau é apenas uma questão de vontade política.

O Prêmio Hebert Holetz não é suficiente para suprir todas as demandas da área do audiovisual, como mencionei na coluna anterior. Aumentar o Fundo Municipal de Apoio à cultura (proposta do PT), destinar 5% dos lucros da Oktoberfest para ações de artistas locais (proposta do PSOL), implantar o Museu da Imagem e do Som (proposta do Podemos) e a volta da Fundação Cultural de Blumenau (proposta do PDT), dentre outras, são interessantes, porém ainda muito generalistas. O audiovisual precisa de maior atenção e cuidado.

Esta é minha contribuição para todas as candidaturas à Prefeitura de Blumenau, que tem potencial para se tornar a capital catarinense do audiovisual. Considerar o passado e as tradições é relevante, porém também olhar para o futuro, pois cultura é movimento. Até quando vamos ficar polarizando ao invés de abraçar ideias importantes para a cidade?


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