Vivenciamos uma “nostalgia” do futuro. Com um presente desolador, nos conforta mais pensar no que ainda está por vir. Por conta de uma série de mudanças que a pandemia do coronavírus bruscamente nos trouxe, parece inevitável tentar fazer previsões. Mas o futuro não é previsível. Podemos, quando muito, trabalhar com certos indicadores.

Quando Renato Russo cantava que o futuro não é mais como era antigamente, quando o filme Metrópolis, de Fritz Lang, lá em 1927, já representava uma cidade de 100 anos à frente ou quando o pintor Edward Hopper, quiçá um profeta do isolamento social, há muitas décadas pintava pessoas solitárias em suas casas, compreendemos como a arte sempre nos falou de futuro.

Em 2020, o cinema é um caso análogo às incertezas que a pandemia traz. Para dimensionar a crise no setor, exponho abaixo as situações que nos servem de parâmetro e de reflexão sobre essa nova fase da indústria cinematográfica e dos novos modos de fazer, ver e consumir audiovisual.

Em relação ao parque exibidor, hoje, 3.600 salas de exibição no Brasil estão fechadas pela pandemia. Por conta disso, nosso país registrou, pela primeira vez na história, faturamento zero de bilheteria. Não frequentar as salas de cinema significa, na prática, interferir na vida de 40 mil trabalhadores diretos, como os lanterninhas, os bilheteiros, os pipoqueiros, os atendentes de bomboniere, entre outros

Para compreender o tamanho do impacto, geralmente, o faturamento das exibidoras vem de 50% da bilheteria e 50% da venda de produtos alimentícios. Sem público e sem produções novas sendo feitas, é praticamente impossível seguir pagando o aluguel e o salário dos funcionários.

Grandes exibidoras nos Estados Unidos, como a rede de cinema AMX e Cineworld, já passam por complicações sem precedentes, podendo não sobreviver à crise. Se estas gigantes exibidoras passam por problemas substanciais, o que dizer das salas pequenas?

Em Santa Catarina, cito os exemplos da Cineramabc Arthouse, em Balneário Camboriú, e do Paradigma Cine Arte, em Florianópolis, que em muito necessitam do público para sobreviver. No momento, ambos os espaços tentam amenizar a situação com programação de cinema virtual.

Não bastasse isso, o grande período de confinamento também preocupa os donos dos cinemas, no sentido da situação incentivar novos hábitos dos espectadores, que agora estão cada mais adeptos ao mundo do streaming, podendo não mais apreciar à ida ao cinema.

Por falar em streaming, a demanda por serviços desse tipo cresceu em 20% em todo o mundo desde o começo da pandemia. Só na Netflix, o número de assinantes aumentou em 15,7 milhões. Aproveitando-se do comportamento de mercado, a Universal Studios lançou o filme Trolls 2 diretamente nos serviços de streaming dos Estados Unidos.

O que para muitos pareceu genial, para outros causou um desconforto, como o caso da Universal com as exibidoras. Exemplo é a própria AMX, já mencionada, que pretende fazer um boicote ao estúdio de cinema daqui em diante. Em outras palavras, a Universal está dizendo ao mundo e às exibidoras que as salas de cinema não são mais uma preocupação.

A Disney não ficou atrás e lançou seu último filme no dia 12 de junho, Artemis Fowl: O Mundo Secreto, diretamente na sua Plataforma de streaming Disney+, disponível apenas nos Estados Unidos. Aos filmes brasileiros, esta questão também já é uma realidade. A Amazon, por exemplo, lançou o longa Vou nadar até você, protagonizado por Bruna Marquezine, em várias plataformas, como a NET Now, Vivo, Oi, bem como no iTunes, Google Play, Looke e Filme Filme.

Outra questão importante que sofre a indústria cinematográfica é a alteração no calendário de produção dos filmes. As produções que seriam produzidas este ano estão congeladas, sem data para voltar. Normalmente, o sucesso da obra fílmica nas salas de cinema estipula sua continuidade em sistemas de VoD ou na TV.

Como vimos, essa lógica foi alterada, pulando a etapa das salas de cinema e buscando uma audiência diretamente no streaming.

É grave para Hollywood saber que a temporada de verão nos Estados Unidos, que inicia agora em junho e é responsável por 40% do seu faturamento anual, está ameaçada. Sem produções, o prejuízo será gigantesco.

Vários filmes foram reagendados para 2021 e 2022, como Missão Impossível 7 e 8 e Matrix 4. Alguns ainda seguem mantidos para o calendário de 2020, mas sem muita certeza quanto ao lançamento, como é o caso de Mulan, já finalizado, mas com nova data para estrear em 21 de agosto de 2020.

A grande maioria dos filmes da Marvel Studios também foi reagendada, a começar por “Viúva Negra”. Essa decisão é necessária porque os filmes da franquia fazem parte de um universo compartilhado, e alterações precisam ser pensadas pelo conjunto da obra. Um questionamento que fica é: Será que ainda cabe pensar, nestes tempos pandêmicos, em sequências, remakes ou adaptações em ritmo louco como fazem os produtores dos blockbusters?

O Oscar também anunciou alterações para sua 93ª edição, em 2021. Dada a situação, a Academia aceitará filmes com estreia apenas em streaming. Até a edição anterior, as produções tinham, obrigatoriamente, que passar pelas salas de cinema. A decisão foi comentada pelo presidente da Academy of Motion Picture Arts and Sciences, David Rubin: “A Academia acredita firmemente que não existe um melhor jeito de experenciar a mágica dos filmes do que os assistir nas salas de cinema. Entretanto, a pandemia trágica e histórica da COVID-19 necessita-nos fazer esta exceção temporária nas nossas regras de elegibilidade”.

Além disso, a Cerimônia foi adiada para o dia 25 de abril. Originalmente, ela ocorreria no dia 28 de fevereiro. Essa alteração já ocorreu três vezes ao longo da história do Oscar. Primeiro, em 1938, devido a uma inundação em Los Angeles. Depois, em 1968, dado o assassinato de Martin Luther King Jr. E, finalmente, em 1981, após a tentativa de assassinato do presidente Ronald Reagan.

Diferentemente da Europa, que já reabre seus cinemas respeitando rígidos protocolos de saúde, por aqui, nem tão cedo teremos condições de almejar o mesmo, e sabemos que isso é o certo a se fazer.

Mas, como fica nossa indústria cinematográfica nacional? Somente dia 24.06 é que foi aprovado um pacote de medidas emergenciais de apoio ao setor audiovisual. Organizado pelo Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), uma primeira reunião, há muito almejada, foi concedida junto ao atual ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, responsável pelo setor. A situação da Cinemateca Nacional também continua difícil, conforme abordei em uma coluna recente.

Crise no cinema não é uma novidade. Quando tivemos o advento do som sincronizado, no final da década de 1920, houve crise. “O som aniquila a grande beleza do silêncio”, dizia Charles Chaplin, bastante relutante à novidade. Quando surgiu a TV aberta, houve crise.

Agora, passamos por isso novamente, com uma pandemia que só reforça um movimento ligado a uma revolução tecnológica que já vinha ocorrendo, fortemente marcada pela adesão ao digital. Sempre nos adaptamos, agora não será diferente. O cinema seguirá resistindo, ainda mais em um momento em que a demanda por audiovisual nunca esteve tão alta.

É hora que pensarmos sobre o futuro do audiovisual brasileiro, não como previsão, mas a partir de um horizonte de expectativas. Nem apocalípticos e nem integrados, mas, sabendo que, ao que tudo indica, o cinema não é mais como era antigamente.


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