Das Kino - Um olhar crítico sobre o cinema

Jéssica Frazão é doutoranda na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP) e escreve sobre cinema, artes e produção audiovisual.

“Inicialmente desprezada e ridicularizada pela crítica, obra de Zé do Caixão deixa legado internacional”

Colunista fala sobre cineastas nacionais e internacionais que se inspiraram na obra de José Mojica Marins

O legado de José Mojica Marins para o cinema de horror

Na última quarta-feira, 19, tivemos a triste notícia de que José Mojica Marins, mais conhecido como Zé do Caixão, morreu aos 83 anos. Muita gente já ouviu falar dos seus filmes, principalmente da clássica trilogia do Zé do Caixão, composta por “À meia-noite levarei sua alma” (1964), “Esta noite encarnarei no teu cadáver” (1967) e “Encarnação do demônio” (2008). Para quem desconhece o trabalho do diretor, a trilogia é uma ótima forma de começar.

O que nem todo mundo sabe é da importância do conjunto da obra de Mojica para o cinema de horror, dentro e fora do Brasil. Com poucos recursos, o diretor desenvolveu um estilo próprio de filmar, e estas dificuldades financeiras fizeram dele um cineasta transgressor, pioneiro, original e inventivo.

Foto: Divulgação

Dentro dos padrões estilísticos mais utilizados na obra de Mojica está o uso da improvisação, as angulações pouco usuais, os cenários pouco iluminados, o uso de atores não profissionais, os close-ups dos rostos e a utilização gráfica da violência.

Como consequência, Mojica serviu de inspiração para o movimento cinematográfico conhecido como cinema marginal. Não sem motivo era tão admirado por cineastas como Glauber Rocha, Rogério Sganzerla, Carlos Reichenbach e Luís Sérgio Person.

Sua obra, inicialmente desprezada e ridicularizada pela crítica nacional, foi consagrada no exterior, a partir da década de 1990. Fora, ficou conhecido como Coffin Joe. Entre os fãs internacionais, está o cineasta Tim Burton. No Brasil, os títulos ficaram mais conhecidos após serem considerados cults. Dentro de uma estética um tanto suja e ríspida, seu cinema fala de violência, morte, autoridade e opressão.

Durante sua vida, foram mais de 40 títulos produzidos, entre curtas, médias e longas-metragens. Ele não apenas fazia filmes, mas era um assíduo espectador de cinema. Com apenas 18 anos, já havia assistido a mais de 80 filmes.

Com esse repertório, começou então a fazer filmes de forma improvisada, sem nunca sequer ter estudado cinema formalmente. Antes de se dedicar ao terror, passou por outros gêneros cinematográficos, como o western, o melodrama e a pornochanchada. De 1996 a 1997, também foi apresentador do Cine Trash, um programa que trazia o que de mais horripilante estava sendo produzido no cinema de baixo orçamento.

Os filmes do Zé do Caixão, personagem icônico de cartola e unhas grandes que trouxe sucesso internacional para Mojica, tiveram sua exibição proibida no Brasil durante a ditadura civil-militar. Como representava no personagem do coveiro do interior a mesma sensação de perda da liberdade e opressão daqueles dias, causando medo nas pessoas, havia ali uma explícita afronta, ao ponto de Mojica ser o cineasta mais censurado durante a ditadura, situação que prejudicou enormemente sua carreira.

Este tom de denúncia, presente no seu cinema, constituiu-se em uma característica fundamental do gênero horror no Brasil. Nos filmes contemporâneos, temos muitas críticas sociais, com reforço, pela linguagem, da originalidade e experimentalismo que as obras de terror proporcionam. Já comentei mais sobre isso em outra coluna.

Para toda uma geração, o personagem maldito ficou marcado no imaginário coletivo. Com a morte de Mojica, perde o cinema brasileiro, perdem os brasileiros. Que descanse em paz, grande mestre do horror. Agradecemos por toda profanação, susto, medo e desconforto proporcionados ao longo de décadas.

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