Das Kino - Um olhar crítico sobre o cinema

Jéssica Frazão é doutoranda na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP) e escreve sobre cinema, artes e produção audiovisual.

O dia em que um filme gravado em Blumenau escandalizou a cidade

Colunista relembra a recepção do filme Férias no Sul, com grande parte gravada em Blumenau

Em 1966, o cineasta mato-grossense Reynaldo Paes de Barros decidiu que Blumenau seria o local ideal para realizar seu primeiro longa-metragem, chamado de “Férias no Sul”. Além da direção, ele assinou o roteiro e a fotografia do filme.

O interesse do diretor na região se deu pela pouca exploração até então, pelo cinema, do Vale do Itajaí. Segundo entrevista em 1967 para o jornal Mensageiro, de circulação interna dos empregados da “Artex S/A”, ele queria, a início, fazer um documentário. Mas como documentário não tem rentabilidade boa no Brasil, optou por fazer uma ficção.

Enredo e locações

Jornal Mensageiro, Publicação Mensal de circulação interna dos empregados da “Artex S/A” Fábrica de Artefatos Têxteis. Foto: Arquivo

O filme conta a história do carioca Celso, um estudante de Economia que decide passar suas férias em Blumenau, a convite do seu amigo Jorge. No dia seguinte a chegada de Celso, Jorge viaja para a Argentina, deixando seu amigo sozinho na cidade.

Nós acompanhamos, então, a adaptação de Celso em Blumenau: Conhece rapidamente tanto a jornalista carioca Isa, quanto a professora blumenauense Helga. Celso inicia uma relação amorosa com Isa e Helga, simultaneamente. A história, contrariando romances de final feliz, termina em tragédia.

As locações ocorreram, além de Blumenau, nas cidades de Balneário Camboriú, Caxias do Sul e Gramado, no Rio Grande do Sul. O filme teve 90% das cenas gravadas em terras blumenauenses, servindo, naquele instante, de vitrine para o resto do Brasil.

O filme apresenta, ainda segundo Carlos Braga Mueller, imagens da casa da família Peiter, na Alameda (hoje já demolida), da casa estilo “castelinho” do Sr. Antônio Reinert, na Rua Namy Deeke, do Tabajara Tênis Clube; do Morro do Aipim, da Caixa D’água, da Igreja Matriz São Paulo Apóstolo; da Alameda Rio Branco; da fachada do Cine Busch (com “Doutor Jivago” em cartaz); do Grande Hotel Blumenau; da reserva florestal aos fundos da Cia. Hering, e de várias ruas da cidade.

Público em choque

Outdoor na rodovia Jorge Lacerda, que dava as boas-vindas aos visitantes que chegavam no Verde Vale do Itajaí. Foto: Reprodução

O lançamento de “Férias no Sul” foi muito bem-sucedido no Brasil inteiro. Por aqui, o filme teve sua estreia no Cine Blumenau e levou para o cinema espectadores que aguardavam em grandes filas às sessões, com horários de 17h, 19h e 21h. Como havia muita gente, fizeram uma sessão extra às 23h. Por desentendimento com a direção do cinema, o filme passou a ser exibido no Cine Atlas, do bairro Vila Nova, e ficou em cartaz por um mês, lotando todas as sessões.

Na época, o filme gerou polêmicas. Muitos não gostaram do que viram, dizendo que a obra rebaixava a moral dos blumenauenses, trazendo insinuações maldosas das moças da região, que, segundo a narrativa, eram de “temperamento difícil, mas namoradeiras”. Alguns comentários afirmam que o filme foi “avançado para a época”, ainda mais se tratando da provinciana Blumenau. Todos falavam mal da produção, apesar de lotarem as sessões.

A cena que mais chocou a população blumenauense foi muito bem rememorada em crônica da escritora Urda Alice Krueger, que pode ser lida no blog do cientista social Adalberto Day: “O famoso Davi Cardoso, aquele mesmo das pornochanchadas, mas que nesse tempo ainda filmava de roupa, vive uma cena de amor com uma moça da nossa cidade. A cena é num baile dum clube de Caça e Tiro, onde os dois se paqueram dançando, e depois dão o fora. A cena seguinte é deles voltando ao salão, a nossa linda moça loira sugerindo que teve suas roupas descompostas, e, oh! o frenesi dos frenesis: nossa atriz de um dia arruma o ombro da sua roupa, e, supra-sumo da sem-vergonhice para a época, deixa ver a alça do seu sutiã!”. Ela conta que a moça, que trabalhava em uma loja de calçados, teve que ir embora da cidade, tamanha a agressão verbal contra ela.

Em 1967, em plena ditadura civil-militar, ainda que o filme seja um melodrama e nem de longe tivesse a intenção de ser uma afronta, sofreu censura nas seguintes passagens de texto: “milico”, “puxar o saco deles”, “eles estão por cima”, “quem gosta de milico é fuzil”, “sacanear é a frase” e “um presidente civil eleito pelo povo”. Por vezes, os cortes nas falas dos personagens, característica comum no período, atrapalhava a compreensão da narrativa.

Hoje, o filme é reconhecido pela sua importância histórica, configurando um registro imagético de Blumenau nos anos 1960. O filme desperta as memórias e sentimentos de muitos blumenauenses, principalmente daqueles que puderam presenciar este momento único para Blumenau, que é o de aparecer nas telas dos cinemas de todo o Brasil.

Urda comenta que, até hoje, para alguns senhores de mais idade, o filme lhes parece algo do que se envergonhar. “As pessoas de hoje deveriam rever o filme, para poderem rir de seus velhos preconceitos”, conclui.

Produção e elenco

Imagens em frente ao Grande Hotel Blumenau. Foto: Reprodução

Produzido pela RPB Filmes, o elenco contava com David Cardoso (Celso), ator conterrâneo do diretor, pouco conhecido do grande público. Ele havia trabalhado, até então, como ator, continuísta e diretor de produção em filmes de Mazzaropi. O ator tornou-se mais conhecido a partir da década de 1970, quando recebeu o título de Rei da Pornochanchada. A atriz paulista Elisabeth Hartmann (Isa), já na época bastante conhecida, faz um papel importante, e o ator Claudio Viana (Jorge), participa em uma ponta no filme.

O restante do elenco foi formado pela comunidade blumenauense, a começar por Dagmar Heidrich (Helga), miss Blumenau na época, que faz o papel de mocinha. Além dela, constam nos créditos os nomes de: Sheila Weyckert (que fez atuação, assistência de direção e continuidade do filme), Heins Tallamann, Marly Busch, Otília Kohlbach, Ruth Vieira, Hans Ruschvery, Elfriede Englet, Gunter Deeke, Franz Pult, Walmor Reis, Mara Heidrich, Eliana Pereira, Virginia Ramos, Carmen Krueger, Bernardete Cruz, Deocelia Cunha, Maria H. Pimenta, Maura Souza, Suely Weidgnant, Linda Schwab, Rosa A. Mosimann, Beatriz Schneider, Gertrude Knihs, Pedro Reis, Hélio Teles e Ingrid Heckemann.

Reynaldo contratou Geraldo Mohr para exercer a função de produtor executivo do filme. Segundo o jornalista Carlos Braga Mueller, como ele conhecia a região por ser casado com uma jovem do Vale do Itajaí, fez os trâmites necessários junto à prefeitura para receber auxílio nas filmagens, e hospedar a equipe técnica e os atores do filme.

O filme completo está disponível no Youtube:

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