“É frustrante viver essa situação”; feirantes desabafam sobre fim da Feirinha da Servidão de Blumenau

Após nove anos, Feirinha da Servidão se prepara para seu último evento

Prestes a completar nove anos reunindo marcas e artistas locais no Centro de Blumenau, a Feirinha da Servidão irá encerrar. Devido a obras e a dificuldade de articulação com a Prefeitura de Blumenau, que não informava sobre a possibilidade de realizar eventos em seu entorno, o evento se prepara para sua última edição.

Organizada pela Microponto Produções, a Feirinha da Servidão teve um papel muito importante no auxílio, criação e evolução de diversas marcas de moradores de Blumenau, além de proporcionar muitos espaços públicos de lazer durante os fins de semana. 

“A feirinha começou ocupando a rua, gerou entretenimento para a cidade e espaço de lazer gratuito público onde qualquer pessoa tinha acesso, além de gerar oportunidades para outras feirinhas. Não havia restrições de idade, não tinha preconceitos com nenhum tipo de público, era um espaço muito plural e muito democrático”, comenta Ana Letícia Knuth, arquiteta e criadora da marca de roupas BeCult.

Evolução de marcas

Ana Knuth, de 30 anos, começou a participar da Feirinha da Servidão em agosto de 2015, quando criou uma marca de roupa que reaproveitava sobras de tecidos e de malhas para criar roupas, junto com seus pais. Naquela época, Blumenau não possuía outras feiras, e por ter uma proposta sustentável e diferente, a família viu na Feirinha, um espaço para vender os produtos direto para o público e apresentar a marca para os consumidores.

Além disso, a proposta da marca era vender produtos diferentes e exclusivos, e por conta disso, o objetivo da marca acabou encaixando muito bem com o espaço da Feirinha, assim como o público que frequentava. “Nossa marca foi crescendo com a feirinha, crescemos de forma unida e paralelamente. Acabamos criando um público muito fiel, que sempre iam à feirinha e compravam conosco ou até pessoas que fizeram amizades e apareciam por lá só para conversar”, comenta. 

Ana relata que seu mestrado foi sobre intervenções urbanas, e que utilizou a Feirinha da Servidão como material de estudo, no qual contou como o evento ocupou espaços na cidade, a história dele e quais benefícios ele trouxe para a cidade. 

Ana e sua mãe em frente a tenda de vendas/Créditos: Arquivo Pessoal

Por ter essa relação próxima e de muitos anos, Ana relata que presenciar o fim do evento deixa uma sensação de frustração. Além de afetar seus negócios e diminuir seus pontos de venda e de contato com os clientes, como arquiteta, ela entende esse fim como uma perda muito grande da cidade, pois era um dos únicos eventos que possibilitavam ter um espaço público com várias opções de lazer e entretenimento gratuito.

“A feirinha abriu portas para tantas outras feiras que hoje existem em Blumenau, então fico muito chateada. Acompanhei o crescimento da feirinha e cresci junto, vi ela ocupar espaços, estive com eles como cidadã e arquiteta. A cidade ganhava com aquele evento, não eram só os feirantes que se beneficiavam pela feira, mas a cidade toda”.

Arlete Maria Hermes, de 59 anos, é uma microempreendedora e tecnóloga em vestuário que compartilha dos mesmos sentimentos de Ana. Por ter trabalhado em várias empresas têxteis e ter dificuldade de se inserir no mercado de trabalho novamente, ela criou  a marca SoulFlor, uma linha de roupas que produz de forma consciente e artesanal, ressignificando resíduos têxteis e produzindo menos lixo.

A partir disso, ela começou a participar da Feirinha em dezembro de 2018 por pensar que as ideias de seu trabalho e o objetivo do evento eram parecidos. “Eu estava em uma grande depressão e acabei me encontrando no meio da costura e do empreendedorismo, encontrei nesse ramo forças para me reerguer e continuar caminhando. A SoulFlor nasceu na Feirinha da Servidão e é frustrante viver essa situação”.

Com um trabalho focado em produzir roupas femininas que valorizassem as mulheres, Arlete comenta que ganhou muita visibilidade após começar a participar da Feirinha da Servidão, de forma que não havia conseguindo participar de outras feiras. Além disso, com os anos participando, fez muitas amizades, conheceu muitas histórias, viu dificuldades do município e conseguiu contribuir para melhorias.

Arlete em frente a sua tenda de venda/Créditos: Arquivo Pessoal

Por conta disso, sente uma profunda tristeza por estar vivendo o fim da Feirinha, já que foi lá que conquistou muitas coisas, se encontrou, conseguiu evoluir a marca SoulFlor e, o principal, tinha uma renda para sustentar sua casa.

“A Feirinha dava a liberdade de você ser você mesma, nem que fosse por algumas horas. Sinto um buraco no coração por estar vendo esse fim, ainda mais que agora preciso ir para outras cidades para conseguir vender e com isso tenho muitos mais gastos”, relata.

Tantas outras feirinhas 

Por viverem das próprias marcas e venda de seus produtos, Ana e Arlete precisam frequentar diversas outras feirinhas, não só em Blumenau, mas em cidades da região. Ambas comentam que ao frequentar as outras cidades, percebem que o poder público tem um interesse muito maior por esses tipos de eventos gratuitos para o público, e que os outros feirantes, ao saberem sobre o fim da Feirinha da Servidão, têm dificuldade em acreditar. 

“Chegamos a ter mais de 100 feirantes participando. Pessoas de Florianópolis, de Curitiba, de cidades da região, vinham para expor em Blumenau, na Feirinha da Servidão, e a gente não consegue sequer explicar para essas pessoas como o evento teve esse fim. Percebemos haver um interesse maior em outras cidades, onde entendem a necessidade de acontecer esses tipos de eventos e de dar essa oportunidade da comunidade de se divertir”, expõe Arlete.

Ana comenta que a cidade sempre teve diversos eventos privados ou pagos, mas que a Feirinha da Servidão abriu muitas portas para eventos gratuitos na cidade, ocupando a rua e espaços públicos. Para ela, a feirinha teve um papel muito importante em criar um espaço diferente e de contracultura do estereótipo de “cidade alemã”, além de ser um espaço para que outros pequenos empreendedores pudessem comercializar seus produtos.

A feirante relata ainda que por ter participado de diversas feiras, percebe uma diferença de público muito grande, quando os eventos acontecem em locais públicos de quando acontecem em um espaço privados. Segundo ela, as pessoas acabam se sentindo intimidadas, mas que da forma como a Feirinha da Servidão acontecia, as pessoas tinham liberdade e mais espaços para frequentar. 

“Não consigo pensar em pontos positivos com o fim da Feirinha da Servidão. Isso não trará nenhuma vantagem para a cidade, para o poder público ou para os cidadãos. Me deixa desanimada ver como o nosso poder público não incentiva essas formas públicas de lazer”, finaliza.

O fim

Rafaela Duarte, de 29 anos, é publicitária e viu a Feirinha crescer. Tendo acompanhado desde o inicio e trabalhado na produção desde 2019 pela Microponto Produções, se sentiu muito abalada quando, junto com  Diego Lottin, produtor executivo da Microponto Produções e o resto da equipe, precisaram tomar a decisão de encerrar a Feirinha da Servidão. 

Contudo, para ela, fica a sensação de objetivo cumprido e de resultados positivos, já que por quase nove anos, a Feirinha auxiliou muitos empreendedores a iniciarem projetos, trouxe artistas da música e das artes visuais e teatrais para a rua. Além de alimentar o público com cultura local e abrir portas para novas feiras acontecerem na cidade, oferecendo ainda mais espaço para que os empreendedores viverem da produção criativa.

Apesar de todas essas conquistas, Rafaela comenta que é preciso entender os sinais, e que os últimos recebidos mostravam que o ciclo da Feirinha chegou ao fim. ”Ficamos felizes de realizar nosso propósito de incentivar o consumo da produção criativa local. Sempre tivemos um feedback positivo sobre todo o evento, principalmente sobre os cuidados na pré-produção, durante a feira e pós-evento. Sabemos, através dos feirantes, que participar da Feirinha da Servidão é diferente de participar de outras feiras”, relata. 

Com o fim, a impressão que ficou é de que a Prefeitura de Blumenau havia acabado com a Feirinha da Servidão, porém, Rafaela esclarece que houve vários fatores para que isso acontecesse. Segundo ela, a Feirinha da Servidão é o principal produto da produtora e a instabilidade de realização no espaço público que o evento ocupa, colocava a produtora numa posição complicada, e impactava diretamente na receita mensal.

“O fim do evento é uma decisão da produtora, afinal, poderíamos migrar a Feirinha da Servidão para outro espaço, seja público ou privado. Porém, a Microponto Produções, enquanto realizadora do evento, entende que são muitas questões logísticas, de comunicação, entre outras demandas inerentes à realização da feira que não são simples de resolver, ainda mais em um momento de retorno pós-pandemia”, aponta. 

Para encerrar de forma especial, um último evento será realizado nos dias 8 e 9 de outubro, no Vale Auto Shopping de Blumenau. Rafaela conta que, por estarem há dois anos e cinco meses sem realizar a Feirinha da Servidão, a produtora está preparando um encerramento especial, e afirma que todos os feirantes e produtores estão muito empolgados. 

“Nos sentimos tranquilos em dizer que o melhor a fazer agora é parar. Todos nós fizemos essa linda história acontecer e durar por todos estes anos. Sabemos que esta última edição será muito especial”, finaliza.

A Feirinha da Servidão durou quase nove anos, e só em 2019, com 10 edições, foram circulados pouco mais de R$ 990 mil em vendas através das 220 diferentes marcas da região que participaram do evento.

– Assista agora:

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