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Encontrada por cão em matagal quando bebê, blumenauense usa trajetória para auxiliar famílias

Deitada em uma fralda de pano, sem roupas, com um cadarço amarrado no cordão umbilical. Foi assim que Ana Paula Franz foi encontrada em um matagal em uma manhã gelada de setembro no Oeste catarinense. Recém-nascida, ela só não estava chorando por conta da hipotermia.

Para sorte da catarinense, que recentemente completou 35 anos, um cão farejou ela logo cedo naquela manhã de segunda-feira. Eram cerca de 8h do dia 3 de setembro de 1984 e o dono do terreno tinha ido ao local para capinar o mato que já estava alto. Os médicos calculam que ela havia nascido no máximo duas horas antes, ou não teria sobrevivido.

A história de Ana Paula chama a atenção não apenas pelas adversidades que envolveram o nascimento dela. Ou pelo risco de vida que ela passou nos primeiros dias. Mas sim porque levou 21 anos para ela descobrir a verdade.

Segredo de família

Depois de alguns dias de recuperação no hospital, os pais de Ana Paula foram contatados. Após criarem três filhos biológicos, eles queriam adotar mais uma criança. Mas o dia 8 de setembro não ficou marcado apenas pela garantia da sobrevivência da recém-nascida ou pela ligação para os futuros pais adotivos. Mas também porque aquele era o aniversário de morte da primeira filha do casal.

A pequena, que faleceu nos braços da mãe aos dois anos, tinha Síndrome de Down. Pelo que a família conta a Ana Paula, ela vivia mais no hospital do que em casa. Até hoje, ninguém sabe o que acabou com a vida da primogênita. Mas 15 anos após o falecimento dela, Ana Paula chegou.

Primeiro encontro de Ana Paula com a mãe. Ao lado, o irmão mais velho. Foto: Arquivo pessoal

Os dois irmãos mais velhos já tinham 12 e 10 anos. Toda a família ficou sabendo da história da recém-nascida encontrada abandonada no matagal. Até mesmo os padrinhos e vizinhos. Porém, concordaram que seria melhor esconder de Ana Paula a verdade para protegê-la. Apenas uma pessoa queria que ela soubesse sua verdadeira origem: o pai dela.

“Minha mãe tinha medo que eu pudesse me revoltar. Minha madrinha era psicóloga e também aconselhou ela a não contar. Me disseram que eu tinha sido deixada no hospital pela minha mãe”, conta.

A viagem que mudou tudo

Aos 17, Ana Paula se mudou para Balneário Camboriú para cursar Fisioterapia. Entretanto, continuou sendo muito próxima do pai. A distância fazia com que eles passassem muito tempo juntos dentro do carro, onde podiam conversar.

Após o patriarca da família desenvolver um câncer, a família acabou se mudando para Blumenau. Parte do tratamento dele era aqui e o restante em Florianópolis, o que facilitou o deslocamento e reaproximou Ana Paula deles.

“Na minha formatura ele resolver interromper a quimioterapia para poder participar da festa e estar se sentindo bem. A formatura foi no sábado e na segunda-feira fomos para Curitiba visitar o médico dele. Na volta, descendo a serra, ele me contou tudo”, relata.

Como havia descoberto que teria que passar por um transplante de medula, ele percebeu que não queria morrer sem compartilhar a verdade com a filha. Felizmente, ele ainda sobreviveu por sete anos, que aproveitou como pôde.

“Meu pai dizia ‘eu vou viver’. Dois meses antes de falecer ele passou 45 dias na África do Sul fazendo intercâmbio como se tivesse 18 anos. Mergulhou com tubarão, voou de balão. Foi isso que fez ele viver tanto tempo”, conta Ana Paula com orgulho.

Entretanto, aquela viagem de carro em 2006 foi uma grande transformação para Ana Paula. “Imagina por 21 anos você acreditar numa história e perceber que sua vida é totalmente diferente daquilo que tu imaginava”, desabafa.

Após descobrir a verdade, ela começou a nutrir um sentimento negativo muito forte contra a mãe biológica. Entretanto, não culpou a família por guardar segredo.

“Depois eu descobri que ele já tinha tentando me contar antes, mas eu nem percebia. Ele sempre falava ‘eu sei por que você gosta tanto de cachorro’ e minha mãe cutucava ele. Meu pai me contou tudo de uma forma muito tranquila e sábado, chamando de ‘uma linda história de amor'”, relata.

Superação e cura

Ana Paula só começou a falar publicamente sobre sua história há cerca de um ano. Ela vê isso como uma oportunidade de dialogar com as pessoas sobre a importância do auto conhecimento e confiança.

“Pensei muito antes de vir a público. Me questionaram ‘e se ela resolver aparecer?’, mas eu duvido. Ela cometeu um crime, acho que não teria coragem. Mas prefiro esconder a cidade em que cresci para evitar que isso aconteça”, explica Ana Paula.

Entretanto, levou muito tempo para que ela aprendesse a lidar com o que sentia pela mãe biológica. Foi apenas após a morte do pai, em 2013, que ela resolveu buscar terapia. O caminho de auto descoberta mudou a vida dela.

“Precisei de muito auto conhecimento, inteligência emocional e terapia para conseguir me curar e perdoar ela. E é um processo contínuo, especialmente lidar com meu medo de rejeição”, conta.

A rejeição acompanhou Ana Paula durante toda sua vida. Era uma criança explosiva, intolerante e fechada, que raramente fazia amigos. Ela sempre achava que as pessoas não gostavam verdadeiramente dela.

“Antes de correr o risco de ser rejeitada, eu rejeitava antes. Anos depois, com a terapia, percebi esses comportamentos. Mesmo sem conhecer minha história, estava gravado no meu inconsciente. E você só consegue curar algo que sabe o que é”, relata.

Uma surpresa ainda maior

Recentemente, Ana Paula passou por um choque que conseguiu superar o da sua história: ela se tornou mãe. Desde criança, ela tinha aversão à ideia. “Não gostava de brincar de boneca nem de casinha”, conta.

Entretanto, ao casar com alguém que sonhava em ser pai, ela sabia havia apenas dois caminhos: engravidar ou se separar. “Eu melhorei muito em todos os aspectos, mas a parte de ser mãe não rolava. Depois de enrolar ele por anos, decidi me preparar psicologicamente para engravidar”, conta.

E, no primeiro descuido após largar o anticoncepcional, aconteceu. A gravidez que ela planejava para daqui um ano havia chegado. Ela parou no meio da rua e ficou chorando dentro do carro. “Minha sorte foi que um anjo, uma amiga que tinha acabado de ter filho, me encontrou. Ela me acalmou”, lembra.

 

Ana Paula encontrou na maternidade um dos seus maiores desafios pessoais. Foto: Arquivo pessoal

Mesmo após ter passado por tantas reviravoltas com a adoção, a descoberta de sua origem e a morte do pai, se tornar mãe ainda foi o maior choque da vida de Ana Paula. Ela vendeu a clínica de estética que tinha e se dedicou a estudar tudo sobre o assunto.

Hoje o pequeno Miguel está com dois anos e meio. Já Ana Paula decidiu se especializar em sono infantil e disciplina positiva. Ela usa a história dela, como filha e como mãe, para apresentar as palestras e workshops.

“Não existe coincidência. Não existe acaso. Eu vejo que Deus me manda essas missões para eu poder levar adiante as mensagens. Então eu abraço e agradeço tudo que eu passei e vivendo essa missão”, comenta.