Idosa abandonada em Brusque é acolhida em novo lar, em Tijucas

Familiares foram alvos de denúncia de abusos psicológicos e financeiros em junho

Por Marcelo Gouvêa

O início da semana da idosa abandonada em Brusque é de recomeço. A senhora de 63 anos está morando na casa de uma amiga da família, em Tijucas, após ter sido deixada em frente ao Lar dos Idosos Lions Clube, no Cedrinho, na noite de quarta-feira, 11.

Ela foi deixada no local pelo sobrinho e pela esposa dele, e precisou ser abrigada no alojamento do 18º Batalhão de Polícia Militar para passar a noite. Os mesmos familiares buscaram ela na manhã de quinta-feira.

Ao voltar para Tijucas, ela foi atendida pela equipe do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas). Segundo a secretária de Ação Social de Tijucas, Bianca Machado, a idosa chorava e estava debilitada. O humor dela mudou com a definição de transferência para um lar temporário.

Depois de visita de profissional do Creas, quando a família não mostrou interesse em ficar com a idosa, o órgão passou a procurar outra alternativa de abrigo. “Surgiu a possibilidade com uma amiga que frequenta a mesma igreja que ela, já a conhece e também é cuidadora de idosos. Fizemos um termo de responsabilidade e ela foi feliz da vida, pois já conhecia a pessoa”.

De acordo com Bianca, os contatos com a cuidadora são frequentes e a idosa passa bem. Antes dela ser encaminhada para a casa da amiga, houve contatos para abrigar a senhora no Lar Santa Maria da Paz, também em Tijucas, mas não havia vagas. Nos próximos dias, afirma, o caso será comunicado ao Ministério Público.

Paralelo à medida, as equipes manterão a procura de uma instituição com vagas disponíveis para receber a idosa. Também a partir desta semana, o Creas de Tijucas estuda a adoção de medidas em relação à família que cuidava dela. A forma como o poder público local agirá ainda está sendo analisada internamente, segundo a secretária.

Denúncia de abuso

Segundo ela, o órgão não acompanhava a idosa e a família há muito tempo, mas a relação entre eles já havia exigido atuação dos profissionais. Antes do abandono, o setor precisou apurar uma denúncia anônima de abuso psicológico e financeiro. Na época, visitas chegaram a ser feitas, ela negou ser vítima das acusações e o caso foi dado por encerrado.

A repercussão do abandono e a maneira como ocorreu causou espanto na gestora. Ela afirma que o órgão costuma atender situações críticas, mas que acabam não recebendo holofotes por sigilo do setor. Entre as ocorrências mais comuns, indica os casos de maus tratos, violência psicológica e negligência.

Arrependimento

Em entrevista ao jornal Notícias do Dia, a esposa do sobrinho contou que a família está com muitas dívidas e não conseguia cuidar da idosa e dos quatro filhos. “Erramos muito de ter deixado ela lá, mas não tem como voltar atrás. Já foi feito”.

Ela afirma que a ideia de abandoná-la veio de conhecidos. “Foi o que sugeriram para a gente, largar ela lá, porque lá eles iam acolher ela. O que a gente errou é que a gente não procurou ajuda de alguém para botar ela lá. A gente simplesmente deixou ela lá”. De acordo com ela, a idosa morava com a família há três anos e a convivência era difícil.

Área nebulosa

O início das investigações do caso pela Delegacia de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso (Dpcami) de Brusque, já na sexta-feira passada, e as ações avaliadas em Tijucas têm como principal obstáculo as definições jurídicas de família.

Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – Subseção de Brusque, Ricardo Vianna Hoffmann, classifica o campo como uma “área nebulosa” nos debates da categoria.

Ele afirma ter recebido com tristeza a notícia do abandono. O tema será acompanhado internamente pela comissão. Durante sua carreira como advogado, já atuou em três casos de abandono de idosos. “Por mais que você tente ser racional e, como profissional, se distanciar, a emoção está sempre presente”.

O motivo das indefinições ocorrem pelo fato dela ser cuidada pelo sobrinho. O parentesco é classificado como “parente colateral de terceiro grau” no Código Civil, fato que divide os juristas quanto às responsabilidades. Hoffmann destaca a impossibilidade de se analisar os dispositivos legais de forma isolada, e a necessidade de levar em conta todo o campo jurídico envolvendo o caso.

Além do Estatuto do Idoso, destaca a amplitude gerada pela Constituição Federal e o Código Civil sobre a proteção. Nos dispositivos legais, a família é indicada como parte essencial da proteção do idoso, assim como a sociedade e o poder público. Para Hoffmann, pela abrangência, tanto a postura dos familiares, quanto do Lar dos Idosos, pode ser questionada ética e juridicamente.

Na avaliação do advogado, o ideal seria ter ocorrido o acolhimento da idosa pelo Lar dos Idosos, antes da comunicação à Polícia Militar e o registro de boletim de ocorrência. “Estamos falando de uma entidade, que apesar de ser uma instituição particular, recebe apoio da comunidade brusquense, de seus cidadãos e cidadãs. O ser humano deve ser prioridade. No caso tratava-se de uma excepcionalidade.”

Além do abandono de idoso, que pode gerar de seis meses a três anos de detenção e multa, o fato da senhora ter tido a integridade da saúde, física ou psíquica exposta já configuram outro crime. Para casos como este, a pena varia de dois meses a um ano de prisão, além de multa.

Necessidade de avanços

Mesmo com a existência do estatuto e de regramentos internacionais sobre a terceira idade, Hoffmann acredita ser preciso avançar nos debates envolvendo o tema. Segundo ele, a proteção e o direito do idoso acabam não recebendo a mesma atenção de outras agendas, como às voltadas às mulheres, pessoas com deficiências, às crianças e aos adolescentes.

O Estatuto do Idoso está em vigor desde janeiro de 2004. De acordo com o advogado, é preciso mais divulgação e conhecimento sobre a lei, com o trabalho de órgãos governamentais e instituições civis organizadas nesta direção. A ideia de que só a existência do documento é suficiente para evitar casos de violência aos direitos, afirma, é um erro.

Na visão do presidente da comissão da OAB, é imprescindível a atuação do Estado nos casos de famílias que vivem em situação de pobreza e miséria, além do investimento na conscientização. Nos demais casos, acredita ser preciso “apoio da comunidade e da sociedade para adoção de medidas positivas e concretas para garantir o respeito aos direitos dos idosos”.

Pelo estatuto vigente, família, comunidade e poder público devem se responsabilizar e priorizar os direitos dos idosos. “Nossa sociedade ainda vive de forma muito intensa de que só vale ou interessa ou é importante o que produz, e, os idosos com o processo natural de envelhecimento acabam sendo ‘descartados’. Que não tenhamos no Brasil o Monte de Narayama, no Japão, onde num período de grande miséria, os idosos eram levados e abandonados, onde morriam de fome e em solidão”.

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