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Josué de Souza

Cientista social e professor, é autor do livro Religião, Política e Poder, pela EdiFurb.

“Antes todos eram liberais, agora ressurgem com Jonh Keynes embaixo do braço”

Colunista comenta sobre mudanças no cenário político durante a pandemia

O Covid-19 provocou alguns efeitos colaterais por onde passou. É certo que, quando a pandemia for embora, encontraremos um mundo diferente do que conhecemos. Esta afirmação viralizou nos últimos dias e lembra Heráclito de Éfeso quando diz que “nada é permanente, exceto a mudança”.

Na política, parece que a primeira repercussão foi o surgimento de dúvidas em relação a capacidade do mercado em mediar a vida social. Desde os anos 70, com a intensificação do processo de globalização e, consequentemente, da crise do petróleo em 1973, tivemos um cenário de maior competitividade entre os mercados e a redução do protagonismo do estado.

Passou-se também a questionar os custos das políticas de bem-estar social e hegemonizou-se a ideia de que o mercado sozinho é capaz de resolver todos os problemas da vida social. Segundo essa crença, para haver desenvolvimento econômico, é necessário garantir a fluidez do capital. Um mantra ideológico em que o Estado é demonizado e apontado como o principal empecilho para o desenvolvimento econômico e social.

Neste período, qualquer menção em relação à importância do Estado na construção de políticas públicas ou regulamentação da economia, passou a ser achacado como atrasado ou arcaico.

Então veio o Covid-19! Um parasita extremamente simples, sem metabolismo próprio, desprovido de célula que por isso é motivo controvérsia se deve ser considerado ser vivo ou não. Sim, parafraseando a poesia de Drummond e compartilhada por Luiz Mandetta na semana passada “havia um vírus no meio do caminho”.

O Covid-19 inicia em uma cidade do interior da China e se espalha por todo o globo. Muito rápido, em meses, um problema que é local, transforma-se em uma pandemia. Faz oxidar cadeias de produção no mundo inteiro. Derruba mercados no mundo todo. Nenhum país do mundo tem capacidade para atender sua população adoecida. É a própria existência humana que está em risco.

Desde então o que temos assistido é uma flagrante transformação no discurso e nos atos de políticos e lideranças empresariais. Se antes, o Estado era um empecilho a ser afastado, agora ele é o bote salva-vidas de uma economia em naufrágio. Antes todos eram liberais, agora ressurgem com Jonh Keynes embaixo do braço.

Abílio Diniz, segundo a revista Forbes é o 12° homem mais rico do Brasil e possui um patrimônio avaliado R$ 12,04 bilhões. Em vídeo, que ele mesmo gravou, afirma que “é preciso o Estado gastar dinheiro. Dinheiro mesmo. Muito dinheiro. Conversei hoje com Guedes. Ele é liberal, mas em momentos de crise somos todos keynesianos”.

O Covid-19 escancarou os limites do mercado como agente de promoção social, e junto, desnudou o neoliberalismo. Resta saber se a mudança de comportamento das lideranças políticas e econômicas é uma mutação, ou apenas uma febre resultante do vírus.

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