Josué de Souza

Cientista social e professor, é autor do livro Religião, Política e Poder, pela EdiFurb.

Crônica de uma morte anunciada

O título acima, apesar de transformado em clichê, é um dos mais belos da literatura mundial. Nomina um livro do escritor latino-americano e Nobel de literatura, Gabriel Garcia Marques. Gabo narra o assassinato do personagem Santiago Nasar, pelos gêmeos Pedro e Pablo. Durante toda a história, todos do lugarejo, inclusive o leitor, já saibam do final, mesmo que o crime ainda não teria acontecido.

No dia 28 de outubro de 2018 eu estava no estúdio de uma rádio em Blumenau, comentando as eleições para governador e presidente da república daquele ano. Já no final da noite, quando já conhecíamos o resultado, fui perguntado pelo apresentador da programação o que eu esperava dos governos que se iniciavam.

Na resposta, além de desejar sorte, apontei as dificuldades de governanças, uma vez que tanto o governador do Estado, como o presidente da República, foram eleitos por um partido pequeno, sem identificação ideológica, sem organicidade interna e dependente da liderança carismática de Jair Bolsonaro.

Naquele momento, sequer sabíamos quem era Carlos Moisés, governador eleito no Estado que garantiu maior votação ao presidente. Jair Bolsonaro recebeu 76% dos votos úteis de Santa Catarina.

Apontei também a preocupação com as liberdades democráticas, pois a força política vencedora naquele dia, na última vez que tinha estado no poder, chegou por um golpe militar e controlou o país por meio de uma sangrenta ditadura que durou 21 anos.

No meio da resposta, fui abruptamente interrompido por uma líder empresarial que naquele momento apresentava-se como interlocutor do governador recém eleito e entusiasta do Bolsonarismo. Apontou que minha análise era leviana e que as liberdades democráticas estavam garantidas pelas instituições.

Hoje, vinte meses depois, infelizmente o cenário de declínio é muito pior do que o antevido. O presidente da República abandonou seu partido. Na tentativa de fazer o filho líder partidário, implodiu o PSL e jogou no colo da oposição. Elegeu-se com uma base de apoio de quase 400 deputados e conta hoje com pouco mais de uma dúzia. Gente do quilate político como Hélio Bolsonaro, Bia Kicis e Carla Zambelli.

Há contra ele, na mesa do presidente da Câmara dos Deputados, cerca de 30 pedidos de impeachment. Para tentar salvar-se, o mito ressuscitou Roberto Jefferson e Valdemar da Costa Neto. Transformaram-se agora em parâmetros de ética e moralidade pelas fileiras bolsonaristas.

Aqui em Santa Catarina, o encaramujado Carlos Moisés, luta contra seis pedidos de impeachment, enquanto tem que se defender de uma CPI que investiga as compra de respiradores. Os pedidos de impeachment e CPI que foram encaminhados por Deputados Estaduais, eram antigos aliados, atualmente, convertidos em adversários imortais, muitos destes ainda titubeantes, fiéis ao bolsonarismo.

Uma pesquisa na empresa de marketing Lupi & Associados divulgada pela imprensa nacional, aponta que Bolsonaro conta hoje com a rejeição de 73% dos catarinenses.

Enquanto despenca na popularidade, o presidente enrubesce o cenário político com participações dominicais em manifestações contra a democracia. Em eventos que aparece hora de helicóptero, hora montado em cavalo apunhala a democracia com suas declarações em louvor a ditadura, pelo fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal. Adiciona também os ataques a imprensa, que muitos desses, transformam-se em ameaças a jornalistas e intelectuais. Exibição típica de um populista latino americano.

Em meio a quarentena, assistimos o que já fora anunciado. Uma história que parece ser tirada de um obra de literatura fantástica. Um melancólico ocaso. Só não sabemos se é do bolsonarismo ou na nossa já ferida democracia. Um detalhe importante na obra de Gabriel Garcia Marques é que Santiago Nasar morre de vítima de facadas.

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