Josué de Souza

Cientista social e professor, é autor do livro Religião, Política e Poder, pela EdiFurb.

“A mensagem do menino que não tinha onde nascer baseia o princípio da fraternidade”

Colunista faz paralelo entre o Natal e o sofrimento de imigrantes no mundo atual

Então é Natal

Na tradição cristã acredita-se que José e Maria, os pais de Jesus de Nazaré, migraram da Galileia para Jerusalém em obediência a um decreto de Cirênio, um prôconsul do Império Romano. O casal fez a viagem com o objetivo de participar de um censo que era realizado pelo Império Romano.

O médico e escritor Lucas relata em seu livro uma cena que, acredita-se, aconteceu em torno do ano 3 a.C. José e Maria nas ruas de Jerusalém procurando um lugar para dormir. Não encontrando, hospedaram-se em um estábulo.

No dia 2 de setembro de 2015, o menino curdo Aylan Kurdi, de três anos de idade, viajava com um irmão de cinco anos, o pai e a mãe em um bote superlotado que tentava fazer a travessia entre a Turquia e a Grécia. A família que fugia da guerra civil na Síria estava em um barco que virou, matando 12 imigrantes. Da família de Aylan, somente o pai sobreviveu.

A cena do corpo do menino de bruços na praia de Turca sensibilizou o mundo, viralizou na internet e tornou-se símbolo da luta em defesa dos imigrantes.

Em novembro de 2016, contrariando pesquisas e previsões, os Estados Unidos elegeu Donald Trump. Com forte influência de evangélicos e de conservadores, no discurso dele estava a construção de um muro na fronteira com o México e o endurecimento das leis contra a imigração.

A eleição de Trump não foi um fato isolado. O referendo do Brexit, a ascensão da extrema direita da França e o crescimento do partido Alternativa para a Alemanha, mostraram que no Mundo, nos últimos anos, há uma crescente rejeição a imigrantes.

No Brasil, o presidente eleito Jair Bolsonaro nomeou para o cargo de Ministro das Relações Exteriores Ernesto Henrique de Araújo. O diplomata, que na época da eleição de Donald Trump, saudou a eleição do presidente americano como a ação de Deus na história, defendeu a saída do Brasil do pacto do Pacto Global de Migração, assinado por mais de 160 nações.

Para os cristãos, a cena do primeiro natal é simbólica. Mostra que sua mensagem cristã deveria estar comprometida com os empobrecidos, excluídos, fracos e doentes. A mensagem do menino que não tinha onde nascer foi a base do princípio da fraternidade universal que, séculos depois, influenciaria (juntamente com o liberalismo e o socialismo), a doutrina dos direitos humanos.

Os direitos humanos modernos são a secularização, uma tradução em termos não religiosos, da ideia de que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos, pois foram criados à imagem e semelhança de Deus, independentemente de identidade de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião”.

Parece que cristãos como Donald Trump, Jair Bolsonaro e Ernesto Araújo esqueceram-se que a primeira cena do cristianismo foi uma família de migrantes procurando lugar para dar à luz o seu rebento.

Mais de 2 mil anos depois, ele continua procurando um lugar para nascer, seja no corpo de um garoto sírio, na caravana de imigrantes hondurenhos que tentou chegar aos Estados Unidos ou na família haitiana que busca trabalho em Blumenau.

“E deu à luz o seu filho primogênito, e envolveu-o em panos, e deitou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na estalagem”.
Lucas 2:7.

Josué de Souza escreve sempre às terças-feiras.

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