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Reencontro dos irmãos: “Minha vida nunca foi completa, sempre faltaram dois pedaços”

Zula Nunes é a mãe biológica de Antonio, Jefferson e Maicon, os irmãos blumenauenses que se reencontraram após 30 anos separados. A história deles, revelada por O Município Blumenau na última quinta-feira, emocionou Santa Catarina e vai ser exibida até no programa Fantástico, da TV Globo.

No centro da história está a mãe dos três. Na década de 1980, sem condições para criar os filhos, dois deles foram entregues para a adoção. O mais velho cresceu com a avó.

A família só voltaria a ficar completa há uma semana, quando o último irmão, Maicon, foi identificado por um acaso: ele era funcionário da empresa de Antonio.

Em entrevista a O Município Blumenau, Zula desabafou. Falou sobre a tristeza do passado e a alegria do presente. Entre lágrimas, parecia estar com a sua versão da história presa na garganta. Confira como foi a conversa:

Como você reagiu à notícia do reencontro?

Me impressionei com a dimensão da reportagem. Mais pessoas se identificaram com a história, gente procurando irmãos e parentes. Mas fiquei magoada que não fui procurada por outros repórteres. Também é difícil para mim dar entrevistas. Sou muito emotiva, só de conversar contigo já estou chorando. Eu jamais quis dar eles, mas eu não tinha condições de cuidar. Eu já tinha o Antonio. E foi praticamente uma gravidez depois da outra. Eles me perguntam sobre o pai. Mas que homem é esse que fez o filho e sumiu? Para que saber deles? Passei por poucas e boas para criar o Tonho. Ele estava aqui na terça, ele que paga o aluguel de onde eu moro. Eu vendo gás do lado de cá [na região Norte de Blumenau]. Sou a única mulher que entrega gás em Santa Catarina.

E como foi saber que os irmãos se encontraram?

Na verdade, quem encontrou o Jefferson fui eu. Eu entrei no Facebook e encontrei a madrinha dele e comecei a fazer perguntas. Eu nunca esqueci nenhum dos dois. Natal, aniversário deles, sempre vinham na minha cabeça… A cada rosto que eu via onde eu passava eu imaginava: “Será que é esse meu filho? Como ele é?”. Em novembro do ano retrasado, eu fiquei imaginando como queria uma foto do Jefferson de presente de Natal. Ela me contou que ele estava casado e tinha um filho. Em dezembro eu via ela online, mas não tinha coragem de cobrar fotos. Em uma quinta-feira eu estava vendendo gás na rua e recebi uma mensagem que dizia: “Olá, Zula. Meu nome é Jefferson e sou o filho de sangue que você está procurando”. O telefone não parava na minha mão. Ele disse que já tinha entrado em contato com o Antonio. Começamos a conversar pelo WhatsApp e duas ou três semanas depois ele veio me conhecer pessoalmente. O Jefferson é uma pessoa maravilhosa. O que o Tonho é pimenta, ele é capilé. [risos] O Tonho é que nem eu, mas acho que é só uma armadura dele. Mas eu amo os três demais. Eu brigo com eles pra caramba, entende? É fósforo e gás. Mas eu amo muito. Assim como os filhos do Tonho. A filha mais velha dele é minha vida. Ela é a neta que eu sempre sonhei. Olha, já estou chorando de novo…

E depois do que aconteceu na semana passada, você já conseguiu conversar com o Maicon?

A gente está conversando pelo WhatsApp, mas ele diz que ainda não tem coragem de me encontrar. Ele precisa de um tempo para entender o que está acontecendo.

Realmente foi um susto muito grande, né?

Imagina você levantar às 6h30, abrir o Facebook e encontrar a história do Tonho. Para ele também foi um choque grande, porque procuramos muito.

E o Tonho e o Maicon também sempre moraram perto, né? Os dois são tão parecidos que é até engraçado pensar que nunca se encontraram.

E tu já viu o Jefferson? Para mim ele é mais parecido ainda com o Antonio. E acho que o Antonio nem comentou contigo, né? Quando o Maicon entrou ali na Tonho Gás outro funcionário falou assim “Ô, Tonho, não é teu irmão? É a cara de um, focinho do outro”. E o Antonio só deu uma risadinha e não levou a sério. Eu estou muito feliz, mas também muito magoada. Hoje de manhã liguei para minha mãe e pedi: “A mãe contou a verdade? Que foram vocês que não me deixaram ficar com eles?”. Eu também não tinha condições. Não tinha juízo. Quando tive o Maicon, tinha 24 anos. Já passei por poucas e boas. Há 13 anos tive câncer na tireoide e fiz uma promessa para mim mesma. Já que eu nunca pude dar presente para os dois, e mal para o Tonho, eu faria Papai Noel quando tivesse dinheiro. Agora faço todo ano.

Realmente, a repercussão está trazendo muitas reações das pessoas…

Quando minha avó morreu, com 99 anos, acompanhei ela por cinco anos no fundo da cama. Um dia eu perguntei assim: “Vó, será que algum dia eu vou encontrar meus filhos que eu dei?” E ela disse: “As pedras tanto rolam que um dia se encontram”. E minha mãe falou essa mesma frase ontem (quinta). Era pra ser, nosso destino estava traçado. Todos os dias eu passava na frente da casa do Jefferson vendendo gás na rua. Todos os dias eu olhava e lembro do número da casa, 1.388. Agora quero ver meu encontro com o Maicon. Eu acho ele muito parecido comigo, a maneira de falar. Para mim está sendo maravilhoso poder desabafar e conversar sobre isso. Ontem eu travei. Não consegui digerir a história. E ainda por cima meu computador deu problema, pensa meu desespero querendo ler a história.

Agora é uma nova vida, né?

Com certeza. Não tenho nem como me abrir com eles ou explicar para eles. Eu pedi perdão para o Maicon, mas ele pediu um tempo para ele colocar a cabeça no lugar. O Tonho conta que não dormiu por dois dias tentando colocar a cabeça em ordem depois de perceber que conhecia o Maicon há tanto tempo e não sabia que era irmão. O Maicon sabia meu nome e sabia que tinha irmãos, mas ele tinha medo de procurar. O Jefferson também tinha o mesmo medo. E tu não imaginas o que eu sentia a cada Natal, cada Páscoa, cada aniversário… Minha vida nunca foi completa, sempre faltaram dois pedaços.