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Conheça Arno, morador de rua de Blumenau que irá prestar o Enem neste domingo

Os olhos de Arno Muniz enchem de lágrimas quando ele exibe o comprovante de inscrição do Enem e os certificados de ensino fundamental e médio. Emociona-se porque sabe que não é um participante como a maioria dos outros. A começar pela idade. Fará o Exame Nacional do Ensino Médio aos 46 anos. Segundo, pela situação profissional. Está desempregado há quatro anos. E terceiro, pela condição de vida. Arno é morador de rua.

O curitibanense chegou a Blumenau com cinco anos. Aos 13, ficou órfão de mãe – e praticamente de pai, que o abandonou após a perda da esposa. Quatro anos depois se casou, teve dois filhos e um relacionamento de dez anos. Sempre trabalhou como auxiliar de expedição em indústrias, mas a crise econômica o fez ser demitido em 2015. Tentou novos empregos, mas sem sucesso.

“Meu grau de instrução era bem baixo, acho que isso ajudou para eu não conseguir trabalho. Fora que estou bem acabado, né? Não tenho todos os dentes…”, conta enquanto ajeita os cabelos cacheados que voam nos olhos.

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Apesar dos filhos morarem no bairro Itoupavazinha, o pai no Garcia, uma irmã no Passo Manso e outro irmão em Gaspar, Arno preferiu as ruas a ter de depender deles. Desde o começo permanece no mesmo lugar: a esquina da rua São Paulo com a Paraíba, no bairro Victor Konder. Diante das sinaleiras que coordenam o trânsito das duas ruas, pede dinheiro aos motoristas e, à noite, dorme sob a marquise de um prédio próximo ao local.

Os momentos mais quentes do dia ou que mais chove são os de estudo. Assim, Arno pode se preparar para a prova enquanto foge do sol ou da chuva. Um dos lugares preferidos é a loja de conveniência do posto de combustíveis Márcio, que fica na rua São Paulo. Em uma das pequenas mesas do ambiente, e com o frescor do ar-condicionado, ele lê livros e resolve questões.

“Acho que como ele mora na rua, aqui dentro se sente seguro. Tomara, tomara a Deus que ele vá bem na prova, porque estudar ele estuda!”, garante a gerente do estabelecimento, Sibele Araldi.

A pequena pilha de livros ele carrega para onde vai. Tem medo que o material seja roubado por outras pessoas em situação de rua como já ocorreu com alguns objetos, como colchão, coberta e um pequeno fogareiro que possuía.

A mochila com os pertences menores às vezes fica sob os cuidados da equipe do posto de combustíveis. Porém, os comprovantes de ensino fundamental e médio estão sempre com Arno, como um troféu que deve ser mantido próximo ao vencedor.

Ele concluiu os estudos entre 2017 e 2018 através do Exame Nacional para Certificação de Competência de Jovens e Adultos (Encceja), incentivado por assistentes sociais que perceberam seu potencial. Neste ano, decidiu ocupar a mente com a preparação para o Enem. O objetivo é tirar uma boa nota e buscar uma bolsa de estudo para cursar Direito.

“Quero defender os direitos dos moradores de rua. Você não tem ideia do que a gente passa, de todo o preconceito que sofremos”, lamenta.

Para pagar os R$ 85 da inscrição, Arno imprimiu o boleto em um Centro Especializado de Assistência Social (Creas) e o exibiu aos motoristas que paravam no semáforo. De real em real conseguiu, em um dia, a quantia. Neste domingo, 3, sairá às 10h para fazer o exame em uma escola do Centro, a poucos minutos de onde se abriga. Os portões abrirão às 12h e fecharão às 13h.

“Não faz mal que eu fique esperando. Aproveito para estudar sentado em algum ponto de ônibus. O que eu não quero é chegar atrasado”, diz, ansioso.

Arno faz parte dos quase 5,1 milhões de candidatos que estão inscritos na edição deste ano. O resultado das provas será divulgado no começo de 2020. Até lá, Arno voltará a buscar um emprego, agora com o ensino médio concluído, ao mesmo tempo em que procura por um local onde possa dormir diariamente.