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Moradores de Blumenau fazem vigília para evitar demolição de casa de indígenas

As chamas de uma fogueira acesa no chão trepidavam enquanto um grupo de pessoas, aos poucos, se aglomerava próximo à casa de madeira construída por índios xokleng em Blumenau na noite desta quinta-feira, 5. O local – um terreno que margeia um dos acessos à Via Expressa – é conhecido pela presença dos índios, que ali fazem o artesanato a ser vendido em rodoviária, terminais e calçadas da cidade.

Este grupo, contudo, era diferente dos usuais frequentadores do território: acadêmicos, professores, pesquisadores, empresários e moradores das redondezas se reuniram ali. O objetivo é realizar uma vigília para que a casa e o rancho que ainda sobraram no terreno não fossem demolidos.

A ação é realizada porque, na última terça-feira, 3, a Prefeitura de Blumenau foi até o local e demoliu algumas das tendas e barracos. Conforme publicação em página oficial do prefeito Mário Hildebrandt, o objetivo era realizar uma limpeza dos terrenos próximos à Via Expressa. De acordo com a postagem, as demolições visavam evitar que, com uma possível saída dos índios do local, os espaços fossem ocupados por moradores de rua.

A vigília, portanto, seria para evitar a demolição das estruturas que sobraram, onde vive um casal indígena. Segundo membros do grupo, houve a informação de que, nessa sexta-feira, 6, pela manhã, o restante seria demolido.

Prefeitura afirma que há ponto de tráfico no local

A Assistência Social de Blumenau ainda está se atualizando sobre a situação da vigília. Contudo, o órgão afirma que um dos principais motivos que levaram a essa abordagem foi a presença do tráfico e do uso de drogas no local.

Conforme a pasta, durante a fiscalização do terreno não havia moradores, apenas o casal indígena que pretende permanecer no local. Os demais espaços, afirma a Assistência Social, seriam usados para o tráfico de drogas. Estaria havendo, inclusive, aluguel do espaço pelos traficantes.

A assistência explica ainda que foi procurada, inclusive, por clientes da rede atacadista localizada no outro lado da via. Eles teriam reclamado de ameaças proferidas pelas pessoas envolvidas com o tráfico de drogas que estariam no local.

“Antes era ponto de uso de drogas, agora não mais”

Entre o diversificado grupo de membros da vigília – que iniciou nesta quinta-feira, 5, e terminará na segunda-feira, 9 – estavam vizinhos dos indígenas. Rosa Gretter mora próximo do terreno, e diz que antes da presença ativa dos indígenas, o local era pior.

“Disseram que tinha grama aqui antes. Não é verdade. Vivia cheio de usuários de drogas e bagunceiros. Agora não, a gente tem segurança em passar por aqui, pois sabemos que são eles, pessoas trabalhadoras que estão aqui. Antes era ponto de uso de drogas, agora não mais. Tenho certeza que se eles forem mandados embora, vai voltar a ser como era antes”.

Marileia Crisanski também é vizinha, e explica que deseja muito a permanência de dona Roseli e seu Lili. “Eles são gente boa. Estamos torcendo para que eles fiquem aqui. Vou ficar e dar apoio pra eles. Se precisarem da minha casa, está aberta”.

“Nós não fazemos bagunça. Por que tirarem a gente daqui?”

Dona Roseli Fátima Dias Cornelio, de 55 anos, e senhor Lili Cornelio, 74, afirmam que moram há 20 anos no local. Segundo eles, é a primeira vez que isso acontece. Na última semana, Roseli explica que recebeu uma visita da Assistência Social. A profissional pediu para que eles saíssem dali. Ela diz que aceitou sair, mas que deveria ser após a Páscoa.

“Ela disse que depois da Páscoa seria muito tempo, e que nossa mudança deveria ser logo. Perguntei então se eles poderiam nos conseguir um caminhão para levar nossas coisas para o Rio Grande do Sul. Disseram que não”.

Uma das barracas, segundo Roseli, foi demolida com pertences, materiais e obras-primas para realização dos artesanatos. Com a passagem da retroescavadeira no solo, até a casa que restou teve problemas. A porta mal abria. Seu Lili afirma não compreender. “Se a gente fizesse arruaça, ficasse aqui bebendo ou aprontando, tudo bem. Nós não fazemos bagunça. Por que tirarem a gente daqui?”.

Nandja, indígena moradora de Blumenau, reforçou a vigília. “A prefeitura não nos recebe de maneira humana. Tentei algumas vezes falar com o prefeito, mas sempre seus assessores nos barram. Nunca tivemos diálogo. Nem fico surpresa com o que aconteceu. Foi o que ocorreu com a senhora das toalhas da rua XV, a senhora que vendia acarajés, então vejo que a prefeitura não trata bem as pessoas. Estão preocupados com a imagem da cidade e o que outras autoridades vão ver da cidade, não com o ser humano que tem aqui”.

Membros da vigília

Foto: Cristóvão Vieira

Grande parte do movimento presente, contudo, era de pessoas de diferentes setores da sociedade blumenauense. José Bonifácio Alves da Silva é estagiário pós-doutoral da área de Educação, e foi ao local após receber mensagem pelas redes sociais. “Fiquei sabendo pelo Whatsapp. Acredito que a população indígena blumenauense é marginalizada. Estão em lugares que a gente não vê”.

Carlos Fernando Plaster Junior é acadêmico de Engenharia Elétrica. Ele conversou também com amigos para que colaborassem, encaminhando mantimentos até o local. “Eu passo todo o dia aqui, é caminho do meu trabalho. Quando vi essa notícia, fiquei assustado e triste. Eles já são bastante injustiçado socialmente e ainda sofrem uma pressão dessas? Fiquei bastante chocado”.

Maria Elis Nunc-Nfôonro, indígena Laklãnõ/Xokleng e professora da rede municipal de ensino, veio prontamente fazer a vigília. “Historicamente, os povos indígenas estavam nesse local antes da colonização chegar. É uma injustiça o que se faz com a gente ainda hoje. É inadmissível que a cidade desconheça, ou se faça de desconhecida com os povos indígenas que estão aqui sabendo que esta é a nossa cultura, sabendo que nós transitamos pelo país”.

Situação foi levada ao Ministério Público

Para Soraia Leila Mual, uma das mais ativas dentro da vigília, houve falta de diálogo. “No meu pensamento isso não é certo. Simplesmente chegar com caçamba e destruir a casa deles? Existem trâmites legais para isso”.

A empresária diz que foi se informar com a Fundação Nacional do Índio (Funai) sobre o assunto. “Eles me disseram que deveria haver um documento assinado, coisa que não ocorreu”. A Funai orientou também que Soraia levasse o caso para o Ministério Público Federal (MPF). Ela levou a dona Roseli até o MPF para dar início ao processo.

Segundo explica Soraia, a vigília não terá presença de barracas. Serão divididos turnos para a permanência dos interessados. “Ninguém tem sono nesse momento. Vamos manter a fogueira, fazer mantimentos e revezar a vigília”.

Para reforçar a ação, são aguardados mais índios vindos de José Boiteux.