Josué de Souza

Cientista social e professor, é autor do livro Religião, Política e Poder, pela EdiFurb.

“Moro justiceiro era o nosso velho e bom sebastianismo”

Colunista compara a narrativa de Sérgio Moro com a lenda do retorno do rei português

Desde o dia 9, a esfera pública brasileira tem sido pautada pelas matérias publicadas pelo site Intercept. As matérias tem escancarado, não somente a delicada relação existente entre agentes da Operação Lava Jato, como também tem colocado em cheque todo nosso arcabouço institucional.

É inegável que pela primeira vez tivemos esperança que nossas estruturas estavam mudando. Com a operação Lava Jato, pela primeira vez na história assistimos corruptos e corruptores sendo presos.

A operação também escancarou o funcionamento do capitalismo brasileiro, demonstrando que, por essas terras, o púbico e o privado confundem-se em um patrimonialismo institucionalizado.

Moro e a Lava Jato se tornaram nos últimos anos padrões de ética e honestidade. Para sustentar essa narrativa, contaram com a mídia e muitas vezes se valeram de vazamentos ilegais. Um super-herói com disposição e instrumentos necessários capazes de fazer valer que a lei e a justiça fossem para todos.

Assim, o país mergulhou em uma espécie de trailer policial perfeito. Infelizmente nem tão novo, como também perfeito. Aos poucos o juiz tornou-se justiceiro. Era o nosso velho e bom sebastianismo.

O termo tem origem em uma lenda portuguesa que remonta ao século XVI com o desaparecimento de D. Sebastião na Batalha de Alcácer-Quibir. Com o desaparecimento do rei e a ausência de um corpo para enterrar, criou-se a lenda do retorno do rei que livraria o povo de suas opressões iniciando um ciclo de glória e prosperidade.

No Brasil, o mito do sebastianismo teria sido iniciado em Canudos. Uma revolta popular iniciada por Antônio Conselheiro e narrada em “Os Sertões” de Euclides da Cunha. Em seu discurso, Conselheiro pregava contra a república recém-instaurada e louvava a monarquia. Conselheiro e Canudo foram destruídos pelo poder central.

O esvaziamento de Moro não precisou do poder central. Até porque, as revelações dos últimos dias mostraram que ele confabulou para participar do poder central. Foi imparcial e desrespeitou as instituições da república. Suas relações fora dos Autos, portanto ilegais e imorais, influenciaram nos destinos do país. Não só provocam agora um descrédito na justiça, como na época, o levaram ao poder.

Em defesa de seu Ministro da Justiça, Bolsonaro afirmou que “Moro é um patrimônio nacional”. Errou Presidente, nosso patrimônio é a Constituição Federal. A ela todos nós devemos obediência.

A nós, moradores do país de Canudos, precisamos aprender que, na república, os super-heróis não existem. Que nossa república e suas já desgastadas instituições devem ser preservadas. E é por elas, somente por elas, que virá a saída para a atual crise.

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