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Mulher surda que estaria trabalhando sem remuneração para desembargador blumenauense é destaque do Fantástico

Na última terça-feira, 6, foi revelado que o desembargador blumenauense Jorge Luiz de Borba, que atua no Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC), é suspeito de manter trabalhadora em condição análoga à escravidão em  sua casa em Florianópolis. A história repercutiu e ganhou visibilidade nacional, sendo destaque no programa Fantástico desse domingo, 11.

De acordo com a reportagem, Sônia nunca aprendeu libras, e portanto não consegue se comunicar para relatar sua história. Contudo, ela deverá aprender a língua brasileira de sinais para dar sua versão de tudo que aconteceu.

Trabalho análogo à escravidão

A reportagem do programa da Rede Globo conta a história de Sônia Maria de Jesus, de 49 anos. A trabalhadora é surda e não aprendeu a Língua Brasileira de Sinais, nunca teve instrução formal tampouco convívio social.

Segundo auditores fiscais, ela teria sido escravizada por 37 anos. O trabalho doméstico forçado, em condições degradantes, eram feitos para o desembargador e sua esposa, Ana Cristina Gayotto.

Conforme representação do Ministério Público Federal (MPF), Sônia residia na casa do magistrado, sem registro na carteira de trabalho, sem receber salário ou qualquer vantagem trabalhista. Além disso, a trabalhadora seria vítima de maus-tratos em decorrência das condições materiais em que vive e por não receber assistência à saúde.

Em depoimento, Borba afirmou que quando ela precisava de cuidados de saúde, amigos e a filha dele, que é médica, a atendiam. Ele ainda conta que em 2021 começou a pagar plano de saúde para Sônia. Além disso, o desembargador disse que somente há poucos anos tirou o CPF da trabalhadora, porque antes não via necessidade.

Borba é desembargador desde 2008. Ele é natural de Blumenau e é graduado em Direito na Universidade Regional de Blumenau (Furb). É graduado também em Direito do Trabalho na Furb.

O que diz o casal

A reportagem do Fantástico informa que o casal disse, em depoimento à Justiça, que Sônia foi agredida pelo pai na infância e que esse seria motivo da surdez. Segundo Borba, Sônia tinha entre 12 e 13 anos quando foi morar com ele e a esposa.

Na época, o casal havia acabado de ter o primeiro filho. Mais tarde, eles tiveram outros três. O desembargador diz que ela foi morar com eles pois “gostava de crianças”.

Em nota, Borba negou as acusações de trabalho análogo à escravidão e afirmou que irá ingressar com o pedido judicial para reconhecimento da filiação afetiva de Sônia, a fim de garantir a ela todos os direitos hereditários.

Ele também descreveu o caso como um “ato de amor”, afirmando que a mulher teria sido acolhida pela família. “Passou a conviver conosco, como membro da família, residindo em nossa casa há mais de 30 anos, que se juntou a nós já acometida de surdez bilateral e muda, tendo recebido sempre tratamento igual ao dado aos nossos filhos”, afirmou.

Leia também: “Ato de amor”: desembargador de Blumenau se manifesta sobre denúncias de manter funcionária em condição análoga à escravidão

Denúncia anônima

Em novembro de 2022, as autoridades receberam uma denúncia anônima relatando o caso. O Fantástico entrevistou o auditor-fiscal do Trabalho Humberto Camasmie, que explicou um pouco mais sobre a denúncia.

“Era uma denúncia que reportava uma trabalhadora sem algum direito trabalhista garantido. Houve algumas diligências preliminares do Ministério Público do Trabalho que confirmaram o teor da denúncia. Trabalhadores que estiveram no domicílio em tempos diferentes, cujos relatos iam ao encontro um do outro”, relatou ao programa.

Ele ainda complementa: “Existia uma relação de emprego, sem quaisquer direitos garantidos, sob o manto de uma pessoa que era quase da família”, explica o auditor-fiscal.

Relatos de testemunhas

O Fantástico teve acesso aos depoimentos das testemunhas e, segundo a reportagem, uma cuidadora, contratada para trabalhar na casa de 2020 a 2021, afirmou que Sônia fazia as refeições com os funcionários sempre depois dos patrões e que dormia em um quarto nos fundos da casa.

Ela ainda relatou que Sônia era uma “escravinha” e que os cachorros da casa eram mais bem tratados do que ela. A cuidadora ainda disse chegou a dar banho nela, quando Sônia estava com assaduras embaixo dos seios, por não possuir sutiã.

Uma faxineira, que trabalhou na casa entre 2015 e 2016, definiu Sônia como “mucama”, uma palavra usada para definir as escravas encarregadas dos serviços domésticos.

Depoimentos contrários

Três mulheres que trabalham atualmente na casa de Borba também foram ouvidas. No entanto, tiveram depoimentos contrários aos dados pelas ex-funcionárias. Elas garantiram que Sônia não era obrigada a fazer trabalhos domésticos, tinha quarto próprio dentro da casa principal e almoçava com os patrões.

Porém, como confirma o auditor-fiscal, após mandado de busca cumprido na casa do desembargador Sônia dormia em um quartinho em uma parte externa. “O local em que ela dormia era fora de casa, roupas, sapatos, objetos de higiene pessoal se encontravam no ambiente externo”.

Cumprimento de mandado

Nessa terça-feira, 6, a Polícia Federal cumpriu, mandados de busca e apreensão autorizados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em Florianópolis.

Leia também: Desembargador blumenauense é alvo da PF em operação contra trabalho escravo, diz site

A operação foi deflagrada após diligências empreendidas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), que reforçaram indícios da prática criminosa que foi relatada ao órgão e confirmadas por testemunhas ouvidas no decorrer da fase inicial da apuração. Os relatos são de trabalho forçado, jornadas exaustivas e condições degradantes.

“No momento em que a operação foi deflagrada, a notícia já tinha sido veiculada em mídia, poucos minutos antes. Isso pode fazer que o empregador eventualmente altere a realidade que a equipe encontraria ali. A gente entende que isso acabou dificultando um pouco a confirmação”, informa o auditor-fiscal.

Uma nova vida

Sônia foi resgatada da casa do desembargador na sexta-feira, 10. Segundo o Fantástico, ela viverá temporariamente em um abrigo para mulheres vítimas de violência. A partir desta segunda-feira, 12, ela começará a ter aulas de Libras, para poder contar a sua própria história.


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