Josué de Souza

Cientista social e professor, é autor do livro Religião, Política e Poder, pela EdiFurb.

“Narrativas de João de Deus, Battisti e Queiroz dizem muito sobre nossa cultura”

Colunista vê traços em comum nas histórias dos três personagens do noticiário recente no Brasil

Vivemos de mitos, lendas e crenças

Nesta última semana três fatos estiveram presentes no noticiário nacional. Apresentaram-se de forma separada mas na realidade estão entrelaçados. Três personagens que, cada um ao seu modo, contam e muito a história brasileira recente. Todos eles também, alimentados por mitos, lendas e crenças religiosas.

Nessas narrativas, a verdade, os fatos e a ficção misturam-se e dizem muito sobre a nossa cultura. Histórias e personagens que por vezes se confundem com uma narrativa fantástica.

O primeiro é João Teixeira de Faria, conhecido como João de Deus, médium goiano radicado na cidade de Abadiânia, com 13 mil habitantes. Foi na casa religiosa de Abadiânia que que o religioso teria incorporado Inácio de Loyola, o fundador da ordem dos jesuítas.

Tratado por seus fiéis e seguidores como santo, o médium realizava cerimônias religiosas que o tornaram famoso no mundo inteiro. Entre seus pacientes figuram artistas, políticos e personalidades famosas.

Contudo, desde os anos 1980 circulam em torno do religioso denúncias de abusos sexuais e sedução de mulheres e crianças. Na última semana, ficou claro que João não é de Deus. Quinze mulheres prestaram depoimentos à polícia goiana relatando as agressões.

O médium também chamou a atenção do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) por movimentar na última semana R$ 35 milhões. Em depoimento à polícia, o religioso não soube precisar o tamanho do seu patrimônio.

O segundo caso é o de Cesare Battisti, escritor e ativista italiano. Battisti é filho de comunista e viveu na Europa em um contexto em que o mundo era dividido em paixões extremas. Foi preso pela primeira vez em 1972, pelo crime de furto e assalto à mão armada e se intitula ex-membro do grupo Proletário Armado pelo Comunismo – grupo de extrema esquerda italiano que durante os anos de chumbo cometeu atos terroristas.

Condenado na Itália pelo assassinado de quatro pessoas, no Brasil Battisti é tratado por alguns político e militantes de esquerda como um mito na luta em defesa do comunismo.

Na Itália, os partidos de esquerda, incluindo o antigo Partido Comunista Italiano, não o reconhecem como ativista. Creditam a ele o título de assassino sanguinário. A justiça italiana afirma que os assassinatos aconteceram a sangue frio, todos por vingança e sem nenhuma relação com atividades políticas.

Aqui, sua lendária narrativa garantiu para o italiano o status de asilado político. No dia 14 de dezembro, o ministro Luiz Fux, autorizou o presidente Michel Temer a extraditar o Italiano. Com a decisão, Battisti passa a ser foragido e já está na lista de procurados da Interpol.

O terceiro caso, o de Fabricio Queiroz, ganhou os holofotes graças a um relatório do Coaf. Segundo o órgão, ligado ao Ministério da Fazenda, o ex-militar e assessor parlamentar movimentou cerca de R$ 1,23 milhão entre 1º de janeiro de 2016 e 31 de janeiro de 2017.

Queiroz, que trabalhou como assessor do deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho de Jair Bolsonaro, é amigo pessoal do presidente eleito e já figurou como assessor de Bolsonaro pai.

Na verdade, Queiroz e sua família, o que inclui filha e esposa, servem à família Bolsonaro há mais de 20 anos. Jair Bolsonaro que, apesar de ter sete mandatos seguidos de deputado e nunca produzir nada de relevante, é tratado por seus eleitores como mito. Um verdadeiro santo guerrilheiro contra a corrupção.

Como é parte da cultura política brasileira, o sobrenome garantiu mandatos não só para o pai, mas também para os três filhos: Flávio, o vereador na  cidade do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

A atividade política garantiu também um patrimônio milionário para a família, cerca de R$, 1,7 milhão. Quando entrou para a política, em 1988, Bolsonaro declarou ter R$ 10 mil em dinheiro e um Fiat Panorama. Desde que o relatório veio à tona, Queiroz desapareceu, assim como também as explicações.

Esperamos que Queiroz apareça, e com ele a sua narrativa sobre as movimentações financeiras, que incluem R$ 24 mil na conta da futura primeira dama. Se será verdade ou não, não sei. Mas alimentará com mais um capítulo nossa jornada fabulosa.

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