Por que faltam médicos em postos de saúde de Blumenau e região

Abandono de função em busca de residência está entre as maiores causas da rotatividade de profissionais

Colaborou Bianca Bertoli

A valorização da atenção primária na saúde é muito importante para que a saúde pública melhore e os hospitais fiquem menos lotados. Peça fundamental neste contexto é o médico das Estratégias de Saúde da Família (ESF), que tem a responsabilidade de cuidar dos pacientes quando a doença ainda é inicial e tem mais chances de ser controlada.

Mas muitos municípios encontram dificuldades justamente nas ESF, pois a rotatividade de médicos é grande. A reportagem fez um levantamento sobre quanto é o salário inicial desses profissionais nas 12 maiores cidades do estado e na região, já que a remuneração é, por vezes, apontada como a principal causa da debandada de médicos dos municípios.

O levantamento foi feito com base em informações colhidas em portais da transparência e, na maioria dos casos, diretamente com as prefeituras.

O salário mais alto pago entre as 12 maiores cidades do estado, em termos de população, é em Palhoça, na Grande Florianópolis. O médico por lá recebe mais de R$ 18 mil mensais.

Cidade mais populosa de Santa Catarina, Joinville vem logo atrás, com R$ 17,6 mil. Blumenau e Itajaí também pagam mais de R$ 16 mil.

Em busca de especializações

O senso comum diz que a falta de médicos nos postos de saúde das cidades é fruto da baixa remuneração no SUS. De fato, muitos saem por salários maiores, mas como especialistas, ou para atender na rede particular.

Em Blumenau, das 322 vagas para médicos no município, 304 estão preenchidas. Para atingir os 100% a prefeitura constantemente realiza chamadas públicas. Porém, o troca-troca é comum principalmente de dezembro a março, período que muitos médicos recebem resposta sobre suas inscrições em residências (especializações).

Neste ano, 131 médicos saíram dos seus postos em unidades de saúde da cidade. De acordo com o portal da transparência, 64% dessas demissões ocorreram nos primeiros três meses do ano. E, quando há essa debandada geral, o Executivo se vê na obrigação de chamar mais profissionais.

“Nós estamos estudando a possibilidade de ampliar o número de residências nos ESFs, para incentivar o profissional a criar vínculo com aquela comunidade e acabar ficando mais tempo”, conta o Secretário Municipal de Promoção da Saúde, Winnetou Krambeck.

Atualmente quatro postos de saúde de Blumenau sofrem com a falta de um médico fixo, por demissão ou licenças: Pedro Krauss, no bairro Vorstadt, Arão Rebello I e II, bairro Velha Grande, Silvana Witte, no Progresso e Frederico Jensen, no Itoupavazinha. No caso do Arão, onde há mais de uma equipe, a ausência é melhor administrada. Os demais contam com o apoio de um médico itinerante em alguns dias da semana.

“Se olharmos no contexto geral dos 1.800 funcionários da Secretaria, a rotatividade gira em torno de 6 a 10%, o que não é um dado muito alarmante, já que gira em torno do normal da rotatividade da região”, pondera Krambeck.

A rotatividade é prejudicial não só para a prefeitura, mas para os pacientes. A relação médico-paciente é construída na base da confiança. Ainda mais nos postos de saúde, é muito importante o profissional conhecer as pessoas e seus históricos. Isso é quebrado quando muda o médico.

Atenção Básica vai além de pagar bem os profissionais

Especialistas em saúde pública são praticamente unânimes ao afirmar que é preciso investir no atendimento primário para evitar problemas mais graves na média e alta complexidade.

A fala de James Macinko, professor e pesquisador da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, durante evento da Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS), em abril de 2018, destaca essa importância.

“Não existe sistema de saúde perfeito. Mas as melhores evidências mostram que um sistema baseado na atenção primária à saúde, com forte investimento nesse setor, vai ter melhores resultados, maior equidade e menor crescimento de despesas em saúde, comparado com outros sistemas que não têm essa base”, afirmou o especialista.

Ele apresentou uma série de evidências científicas sobre o impacto da Atenção Primária à Saúde na redução das desigualdades e na melhoria dos indicadores de saúde no Brasil e no mundo.

Infraestrutura

O presidente do Conselho Estadual de Secretários Municipais de Saúde (Cosems), Sidnei Bellé, afirma que pagar bem é o principal, mas outros fatores influenciam na permanência dos médicos no interior.

Bellé, que é secretário de Saúde de Caibi, no Oeste do estado, conta que, prova disso, é que há cidades no interior que pagam R$ 24 mil para o médico e ainda assim há dificuldades.

O secretário diz que muitas cidades têm de dar um jeito e aprovar leis que autorizam servidores da saúde a receber mais que o prefeito, para tentar atrair médicos pela remuneração mais alta.

“É uma dificuldade manter o médico no município. Por um lado, percebemos que o médico não tem muitas condições, não tem raio-x, equipamentos. A população é pequena para isso”, avalia Bellé.

A falta de infraestrutura é importante para os médicos. “Nem todos os médicos querem se arriscar, porque, numa emergência, tem um período longo até chegar a um pronto-socorro. Nem todos têm essa coragem de estar lá nos lugares mais distantes”, afirma o presidente do Consems.

Além de terem de lidar com postos de saúde sem quase nada e município de referência distantes mais de 50 quilômetros, em alguns casos, os médicos que aceitam os desafios de trabalhar nas localidades do interior colocam seus nomes na berlinda.

Bellé conta que existe o medo da judicialização. Os profissionais teme que, se um paciente morrer durante o seu atendimento ou no caminho para um pronto-socorro, possam ser responsabilizados na Justiça.

“Hoje, tem essa judicialização contra profissionais, que também está grande, e o juiz nem sempre entende isso”, declara o presidente do conselho estadual e secretário de Saúde.

Para Bellé, a solução para este problema passa pela melhora da rede de saúde dos municípios de referência das microrregiões. Ele entende que é preciso que cidades maiores tenham hospitais mais bem equipados para atender os municípios menores e dar suporte à atenção básica.

 

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