Em defesa da qualidade ambiental da paisagem

Parece que o brasileiro adora brincar de terra arrasada. Seguindo essa triste tradição, no final dos anos 1970, uma movimentação de terras deixou uma enorme encosta íngreme exposta às intempéries, nos fundos do Hotel Himmelblau em Blumenau.

As consequências visíveis dessa política da terra arrasada logo se fizeram sentir. Solo e pedregulhos arrastados pela ação das águas das chuvas morro abaixo foi em tal volume que a enorme tubulação de escoamento de águas pluviais na rua Sete de Setembro ficou completamente entupida.

Obras emergenciais que duraram várias semanas para resolver o problema causaram grandes prejuízos aos cofres públicos. O leito da rua Sete teve que ser aberto e rasgado para que a tubulação, ao que me lembre, de cerca de um metro de diâmetro, pudesse ser desobstruída e substituída. O trânsito, obviamente, foi enormemente prejudicado e milhares de pessoas sofreram com isso.

Esse grave problema foi um dos que serviram de inspiração para a elaboração da lei municipal nº 3.274, de 03 de julho de 1986, assinada pelo prefeito Dalto dos Reis. Atualmente substituída por outra versão, mas, mantendo os mesmos princípios, essa lei dispunha sobre medidas de proteção ao meio ambiente em obras de terraplanagem, algo inédito, ao que sabemos, em todo o Brasil.

Antes desta lei histórica, predominava a política da terra arrasada no município, como, também, em praticamente todos os lugares do Brasil. Ao proprietário ou empreendedor que quisesse fazer um loteamento, por exemplo, bastava contratar uma empresa de terraplanagem, arrancar todo o solo e mesmo o sub-solo e deixar a terra completamente nua e exposta à inevitável erosão causada pelo escoamento das águas das chuvas.

A pioneira Lei das Terraplanagens de Blumenau foi simples e objetiva. Nada mais que quatro artigos fins, do total de sete artigos. Previu que qualquer movimentação de terra devesse ter autorização prévia do município, expedida em alvará competente. As movimentações de terra maiores, de médio ou grande porte passaram a depender de projeto com ART assinado por profissional competente.

Essa lei previa, também, cuidados para evitar a inversão das camadas de solo, devendo a camada superior, composta por matéria orgânica e solo fértil, sempre que possível, ser armazenada para depois ser aplicada nas partes que não receberiam edificações, preservando assim o solo que a natureza leva muitos séculos para formar.

Finalmente, um detalhe também pioneiro de Blumenau: previa que as edificações, sempre que possível, devessem ser adaptadas à topografia e não o contrário, como estava virando moda, com a topografia sendo violentamente alterada para se adaptar à construção, algo como colocar a carroça na frente dos bois.

O grande diferencial dessa lei foi que aconteceu com ela o que deveria acontecer com todas as leis que devem ser boas, bem pensadas e bem elaboradas, ou seja, simplesmente, foi aplicada.

O resultado, com o tempo, passou a ser visível aos olhos de qualquer observador. Aos poucos Blumenau foi perdendo aquela visão de terríveis chagas abertas e expostas, a paisagem voltou a ser mais bela, a hemorragia da erosão dos solos diminuiu, o assoreamento dos cursos d’água também diminuiu e todos ganharam com isso. Pode-se dizer que, dependendo de Blumenau, até mesmo o assoreamento do canal de evolução do Porto de Itajaí, de elevadíssimos custos de manutenção, também diminuiu!

O diferencial na paisagem foi ficando cada vez mais notória na comparação com muitos outros municípios do Vale. Brusque e municípios próximos, por exemplo, continuam até hoje executando a criminosa política da terra arrasada, assustadoramente visível, para qualquer observador minimamente mais atento à paisagem.

Morros e encostas, muitas delas bastante íngremes, são violentamente escavados, resultando, com isso, em vastas áreas de solo exposto à erosão e formação de perigosos taludes, o que faz do rio Itajaí-mirim e seus afluentes um dos mais assoreados e lamacentos do Brasil, ganhando até do Rio Itajaí Açu, onde o problema já é gravíssimo.

Brusque e inúmeros outros municípios sofrem com a síndrome da falta de visão ambiental e de política quase zero, nesse caso específico, de adequação do desenvolvimento econômico com a necessária proteção ambiental. Sequer os prejuízos diretos são percebidos, como foi o caso do morro nos fundos do hotel em Blumenau no passado, imagina os prejuízos indiretos e menos visíveis, como os danos paisagísticos advindos das terríveis chagas abertas na paisagem, assoreamento dos cursos d’água, deslizamentos de encostas e agravamento dos efeitos das enchentes e enxurradas.

A terrível e total falta de percepção de causa e efeito nesses casos torna-se eloquente e mesmo gritante quando vemos altas autoridades defenderem obras de desassoreamento de rios para aliviar as enchentes, mas, sem mencionar nada sobre a necessidade de controle da erosão, origem do principal material que causa o assoreamento desses mesmos rios.

Não à toa, Brusque foi classificado em 2023, depois de Manaus (AM), São Paulo (SP) e Petrópolis (RJ), com o quarto município mais afetado por desastres naturais no Brasil. Quem informa tal desabonadora condição é o Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), conforme consta na excelente “Agenda da Água”, livro publicado pela Fiesc de Santa Catarina no ano de 2024 passado.

Pois bem. Depois de décadas colhendo os louros de uma legislação pioneira, Blumenau voltou a ostentar na sua paisagem algumas vergonhosas chagas abertas, como num loteamento no morro da Ponta Aguda, o qual tem causado terríveis prejuízos, preocupações e noites sem dormir para centenas de moradores vizinhos, que viram suas casas e muros serem atingidos, alguns danificados ou destruídos pela lama impiedosa que desceu pelas muitas encostas vizinhas a esse catastrófico loteamento.

A prefeitura de Blumenau lavou as mãos e disse que aquele loteamento foi licenciado pelo IMA (Instituto de Meio Ambiente estadual), mas nada fez para obrigar que as obras obedecessem à lei municipal. Recentemente, passando pelo final da rua Francisco Valdieck, no bairro Fortaleza, deparei-me, estarrecido, com um loteamento de menor porte onde foi aplicada a mesma nefasta política da terra arrasada.

O mesmo aconteceu com um loteamento na Saxônia, na Vila Itoupava, também em Blumenau. Não conferi, mas, tais loteamentos, certamente, tem licenciamento ambiental municipal, ou seja, comprovam um lamentável retrocesso ambiental de 40 anos!

Brusque é cidade com muitos motivos de orgulho para seus habitantes, mas, no caso específico dos cuidados com a paisagem, o péssimo exemplo, infelizmente, está fazendo escola em muitos municípios vizinhos, como Guabiruba, São João Batista e até na encantadora Botuverá, só para nos atermos à essa região.

Quanto ao retrocesso de Blumenau, será que, ao invés de Brusque se blumenaurizar, é Blumenau que está se brusquerizando?

Há que se concordar que há casos como, no preparo de um terreno industrial ou edificação de um aeroporto, que a adequação da topografia deva ser mais completa. Porém, em obras de movimentação de terras menores, tal não é necessário e, de um modo geral, a topografia original deve ser o máximo possível respeitada. Seja como for, em todos os casos de terraplanagens deve prevalecer os princípios de completo respeito ao meio ambiente.

Deveria ser norma que, à medida que as obras forem sendo finalizadas, no mesmo momento que que o trator se retira, imediatamente atrás dele, seja providenciada a cobertura do solo ou com pavimento, no caso de novas ruas, ou com grama em leiva ou proteção equivalente, para que, nem a primeira chuva cause erosão, muito menos todas as demais chuvas!

É assim que funciona no Japão, em praticamente toda a Europa e em muitos outros países, cujas paisagens são altamente admiradas por todos que os visitam. Admiramos o que vemos lá fora mas não seguimos o exemplo aqui dentro. Por termos sido colonizados por europeus como alemães, italianos e poloneses, resolvemos chamar a região turística dos vales de Vale Europeu.

No entanto, parece que não acompanhamos a evolução que por lá aconteceu depois da nossa colonização. Por isso, obedecer rígidos critérios de cuidados ambientais também ao alterarmos a paisagem é pré-requisito indispensável para merecermos minimamente a alcunha turística de Vale Europeu.

Baú Ambiental

Lauro Bacca
Lauro Bacca

Legenda:

A aplicação prática dos princípios básicos de dendrocirurgia permite total e segura cicatrização de danos causados por podas ou quebras de galhos. Nessas imagens o antes e o depois aplicado em uma grandiúva, espécie de árvore que também ocorre aqui, com excelentes resultados em menos de um ano, como pratiquei nas horas de folga durante o mestrado em Manaus e depois aplicando aqui em Blumenau quando chefe do meio ambiente municipal. Problemas com a queda de árvores urbanas e galhos diminui significativamente com a aplicação desses cuidados simples que ajudam a mater a saúde do vegetal.

Foto: Lauro Eduardo Bacca, no Campus do INPA, em Manaus, em 1976 e em 18 de setembro de 1977.


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