O horto descaracterizado

A magia de um lugar está diretamente ligada às suas peculiaridades e características originais. Seja uma natureza intocada, um imponente castelo medieval, um mosteiro, simples restos de aldeamento de povos primitivos, ou uma antiga rota indígena, uma vez bem restaurados e conservados sem artificialismos e falsidades históricas, formam sítios que atraem milhões de visitantes em todos os cantos do mundo.

No caso de um castelo, a atratividade não se resume apenas à edificação que permanece bem preservada, mas, igualmente, o seu entorno, muitas vezes em forma de belos jardins, normalmente mantidos cuidadosa e criteriosamente de acordo e em respeito às concepções paisagísticas originais, como marco de uma época. O contexto espacial é considerado parte do patrimônio que se deseja preservar para serem apreciados em perpetuidade pelas próximas gerações.

Nossas cidades de colonização europeia mais recente, fundadas há menos de 200 anos, possuem singularidades que foram típicas de um período colonial e mesmo pós-colonial e que, no seu conjunto, formam o diferencial da região dos vales, num belo casamento da paisagem natural com a obra humana.

Em Blumenau e região temos inúmeros sítios e objetos históricos que merecem ser preservados. Quando não é possível preservar tudo, que se preserve pelo menos amostras significativas de como viveram nossos antepassados mais antigos (indígenas) ou recentes (europeus). Um bom exemplo é o conjunto formado pelo Museu da Família Colonial, em Blumenau.

Como parte desse conjunto temos o Horto Edith Gaertner, resultado da doação com usufruto feita ao município de um terreno de 1.775 metros quadrados em pleno valorizadíssimo Centro da cidade, edificado com uma casa construída em 1864 em tradicional e histórica técnica construtiva enxaimel.

Com esta doação o município assumiu, em contrapartida, a conservação e preservação da área, que incluiu um horto formado por árvores nativas e exóticas, algumas delas plantadas, segundo consta, pelo próprio fundador da cidade, o Dr. Blumenau, como a famosa Gingko biloba, na década de 1860, presente do embaixador da China.

Do jeito que o horto foi deixado pela sua antiga dona, era o denso estrato herbáceo sob as árvores, formado por inúmeras plantas menores de variadas espécies que davam ao visitante, assim que desse os primeiros passos horto adentro, a sensação mergulhar profundamente na natureza, já que a visão pouco avançava para além de uns poucos metros de ambos os lados dos caminhos internos.

Casas rodeadas por muitas árvores, nativas e exóticas, eram relativamente comuns na região e marcos de uma época. Hortos formados por bosques densos circundavam ou ladeavam e sombreavam muitas casas num tempo anterior ao conforto da eletricidade e, portanto, sem ventilador nem ar-condicionado nas calorentas cidades como Blumenau, Brusque, Jaraguá do Sul, Joinville e outras, com padrão de colonização similar.

Como exemplos em Blumenau temos o bosque plantado por Emílio Odebrecht no início do bairro Garcia, e tínhamos a casa do médico Dr. Hugo Gensch na rua Itajaí e a própria casa do renomado naturalista Fritz Müller mais abaixo, na mesma rua.

Eu mesmo possuí um sítio em Pomerode edificado com característica casa simples de madeira, rodeada com frondosas árvores, algumas frutíferas, numa extensão que variava entre 10 a 30 metros da casa, ficando o pasto e lavoura localizados um pouco mais afastados, característica que conservei exatamente como era, concepção original comum aos primeiros proprietários de antigas colônias similares.

O Horto Edith Gaertner, infelizmente, faz parte daqueles logradouros públicos cujas características históricas, culturais e espaciais a insensibilidade e o despreparo governamental fizeram questão de macular, descaracterizar, a exemplo do que aconteceu em algumas praças da cidade, objeto de artigo anterior.

Tudo começou há cerca de 30 anos, quando, sem ter sido consultada, a grande artista plástica Elke Hering Bell, que chefiava a Secretaria de Cultura da cidade deparou-se, horrorizada, com o saibramento dos caminhos do horto feito com brita miúda, ao invés de material que cumprisse a mesma finalidade da brita, mas, de aspecto mais harmônico e natural, combinando melhor com aquele ambiente.

O que aconteceu muitos anos depois deve ter feito a Elke, já falecida, se revirar no túmulo. Não sabemos bem o motivo, mas, talvez, por problemas ligados a segurança e/ou o horto estar sendo frequentado por usuários de drogas, tudo que a criatividade e iniciativa do poder público conseguiu fazer para resolver o problema foi ignorar a histórica concepção original de uma época e macular a peculiaridade do lugar, com a sumária eliminação da vegetação herbácea e rasteira a golpes de foices ou roçadeiras, restando pouco além das árvores.

Claro que o turista que desconhece a história do lugar vai achar aquilo bonito, do jeito que está. Mas ele está sendo enganado. O lado positivo é que essa descaracterização do horto pode facilmente ser revertida. É só querer, ter criatividade, iniciativa.

Temos inúmeros motivos para nos orgulharmos de nossa cidade, de sua história, da sua cultura e da luta heroica de nossos antepassados para, às custas de muito suor e sacrifício, conquistar dias melhores para si e, principalmente, para seus descendentes. O resultado é essa região e este Estado, considerado no topo, entre os mais desenvolvidos e um dos melhores e mais seguros para se viver no Brasil.

O nome Blumenau é forte e respeitado. Não podemos regredir nem piorar, jamais. Isso passa, obrigatoriamente, pelo respeito e culto crítico às tradições e pelo patrimônio material e imaterial herdado dos nossos bisavôs.

A conhecida figueira com caule duplo, sob a qual passava a estrada de terra que liga Major Gercino a Angelina, era visível a certa distância antes de se chegar nela, vindo de Major. Uns 25 anos depois desta foto a visão deste ângulo deixou de ser possível e por um bom motivo. A floresta, deixada sem novas perturbações, retomou o lugar em forma de capoeirão e hoje está exuberante, a caminho da total regeneração que pode acontecer nos próximos 50 ou 100 anos. A estrada atual passa atrás da figueira, mas a curva do traçado original foi mantida para quem quiser passar com o carro sob ela. Foto Lauro E. Bacca, em 25/12/1974.


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Após retorno aos palcos, Rudi e Willy se reúnem com Sargento Junkes para contar piadas: