“A gente tem que ter ambição”, a história inspiradora do morador de Blumenau que concluiu estudos após os 60 anos e se formou em Direito

Ele se prepara para fazer o exame da OAB e adianta que pretende advogar no futuro

Em meio a aposentadoria e enquanto aproveitava o descanso, Waldir Mafra decidiu que era a hora de concluir estudos. Aos 60 anos e já com três filhos crescidos, ele decidiu ingressar no Centro de Educação de Jovens e Adultos (Ceja) para concluir o Ensino Fundamental.

O morador do bairro Progresso conta que a ideia de retornar aos estudos veio após as discussões rotineiras em casa. Waldir se aposentou em 2007, após trabalhar por 44 anos no comércio. Ele ficou fora da sala de aula por 53 anos.

“Eu decidi que queria fazer algo diferente para a minha vida e decidi que iria estudar, mas eu tinha muita vergonha de entrar em uma sala de aula com aquela gurizada de 14, 15 e 16 anos. Eu pensei: ‘eu tenho netos mais velhos do que isso, como eu vou me submeter a isso’. Então conversando com um amigo ele sugeriu ir no Ceja”, relembra.

Em busca de conhecimento

Ao chegar na instituição, ele passou pelo teste de nível de escolaridade. Waldir conta que quando saiu da escola, aos 13 anos, ele estava no segundo ano do ginásio. Ele relembra que o pai tirou ele da escola para começar a trabalhar e ajudar em casa. O teste do Ceja indicou que ele deveria retomar os estudos a partir do 6º ano.

Quando contou para família que voltaria aos estudos, todos falaram que ele não precisava disso, pois já era aposentado e tinha um salário. “Eu sempre falei para eles: ‘queridos, eu não quero só a pulga, eu quero o cachorro inteiro’. A gente tem que ter ambição na vida”, comenta.

Waldir durante os estudos na faculdade | Foto: Arquivo pessoal

Em 2014 ele conseguiu finalizar os estudos do 6º e 7º ano e em 2016 concluiu o 8º e 9º. A primeira vez que fez a prova do Enem foi em 2016. Com pouca orientação, Waldir recorda que tirou apenas 300 pontos da redação. “Não sei se foi sorte minha, mas aquele foi o último ano em que as matérias que você aprovava no Enem, você conseguia eliminar no Ensino Médio”, explica.

Das 12 matérias do Ensino Médio, ele conseguiu eliminar oito, restando apenas educação física, artes, química e física. Por mais seis meses ele continuou no Ceja para estudar essas disciplicas.

A segunda tentativa no Enem veio em 2017, quando já havia concluído o Ensino Médio. Na oportunidade, ele fez 3,8 mil pontos, sendo 900 apenas na redação. Além disso, ele também fez o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) e também teve um ótimo rendimento, especialmente na redação devido ao tema: educação para surdos e mudos no Brasil.

Waldir estudou com pessoas surdas e mudas no Ceja e essa convivência foi essencial para produzir uma boa redação no Encceja e angariar 850 pontos.

Amizade e admiração

Ao longo dos estudos, Waldir encontrou um grande amigo no Ceja, Sérgio Hoffmann, que na época era diretor da instituição. Sérgio recorda que o amigo era um excelente aluno, não perdia as aulas, era extremamente participativo e muito crítico, além de tirar boas notas.

Sérgio Hoffmann ao lado do amigo Waldir | Foto: Arquivo pessoal

“Quando venci a eleição, ele veio me cumprimentar e eu o convidei para ser presidente da APP. Ele estranhou o fato, já que havia trabalhado pela eleição da outra concorrente, de quem inclusive foi fiscal. Eu disse a ele que precisava de alguém para fiscalizar os recursos financeiros e a sua aplicação e que precisava de uma pessoa séria para nos ajudar a administrar as finanças do Ceja”, relembra o ex-diretor da instituição.

Segundo Sérgio, Waldir sempre participou ativamente das reuniões, auxiliando a equipe com as prestações de contas e aplicação dos recursos. “A minha admiração pelo aluno esforçado e pelo ser humano admirável que é fizeram com que eu me aproximasse do seu Waldir e acabamos ficando amigos”.

Um passo além

Em 2018, aos 66 anos, Waldir já havia concluído os estudos no Ceja e decidiu que queria mais e foi atrás da faculdade de Direito. Com as boas notas do Enem e Enceja, ele ganhou uma bolsa de 100% na Estácio, no Rio de Janeiro. No entanto, ele fez o cálculo de quanto gastaria para se mudar e viu que não valeria a pena.

Mesmo assim, ele seguiu tentando ingressar em uma faculdade e até tentou o vestibular na UFSC, mas das 58 vagas na federal, ficou em 59º lugar. Até que ele encontrou uma opção em Blumenau e que cabia dentro do bolso.

Durante cinco anos ele estudou diariamente na Uniasselvi e, como resultado, concluiu o curso em 2023 com média 8,7. Waldir explica que a vontade de fazer Direito surgiu após uma pendência com um vizinho na Justiça. Ele recorda que não conseguiu um advogado gratuitamente e precisou fazer um empréstimo para conseguir resolver a situação.

Registro feito durante visita na OAB | Foto: Arquivo pessoal

Aquilo marcou Waldir, que agora planeja ajudar as pessoas mais humildes e que precisam de um advogado. Ele pretende atuar com Direito Trabalhista e Previdenciário. Após ficar viúvo, Waldir encontrou uma nova companheira, a Rose que, segundo ele, é uma grande incentivadora para que ele se torne um advogado.

Agora o morador do Progresso se prepara para fazer o Exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “Estou me preparando para fazer a prova pois eu quero advogar”. A primeira fase acontecerá no dia 24 de março e Waldir está 100% focado nos estudos para o teste.

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