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A história dos brinquedos: as bonecas Käthe Kruse-Puppen

Capa: Bonecas Käthe Kruse – brinquedo que surgiu a partir de um ato de amor há aproximadamente 100 anos e conquistou o mundo e também, o Brasil. Soubemos da boneca através de Alda Niemeyer, que brincou com a Käthe Kruse-Puppen na década de 1920. A primeira fotografia foi enviada para nós por sua dona, Helga Luiza Suffert, que se chama Claramanda e conta com 74 anos.

Antigos brinquedos fotografados no Alto Vale do Itajaí, pertencentes a crianças da década de 1940 e 1950.

A evolução dos brinquedos e o início de sua história têm relação com as práticas das sociedades em torno do mundo, dentro dos vários períodos históricos. No Brasil, quem não se lembra das bonecas de espigas de milho e das “bruxinhas de pano” feitas por mães zelosas?
Existiam as bonecas de porcelana, acessíveis somente a uma parcela das crianças e não para todas, mas isto não significa que estas ficariam sem as bonecas e os demais brinquedos – geralmente feitos de maneira artesanal.

Mesmo assim as bonecas de porcelanas não eram muito apropriadas para o manuseio infantil.

Quem já ouviu falar de Käthe Kruse-Puppen? Desconhecíamos – mesmo tendo fotografado uma, sem saber, na cidade de Trombudo Central. Logo a apresentaremos.

Quem nos falou pela primeira vez sobre Käthe Kruse-Puppen foi Alda Niemeyer, personalidade relevante na história regional e que atualmente, está com mais de 104 anos. Brincou com estas bonecas, pois tinha mais de uma.

Alda Niemeyer em maio de 2011, na sua residência.
A menina Alda Schlemm Niemeyer.

“As duas Käthe Kruse-Puppen que sobraram para nós. Uma delas servia para experiências médicas e foi “operada”. Minha mãe salvou o que podia ser salvo! Todas as outras, que foram 4 ou 5 para cada uma de nós, minha vó deu para minha prima, quando fomos para Alemanha. Sumiram. Alda Niemeyer

Bonecas Käthe Kruse da infância de Alda Niemeyer.

A Käthe Kruse – na Alemanha, tem estas bonecas nas vitrines, como Modepuppen. Alda Niemeyer

Quem foi Käthe Kruse?

Na terra dos irmãos Grimm, o mundo das crianças sempre foi mágico e cheio de fadas e duendes e o encantamento deste mundo, muitas vezes, não permitia que a criança interna desaparecesse do adulto, como é o caso da jovem Käthe Kruse – criadora da boneca Käthe Kruse-Puppen que tornou-se uma tradição da Alemanha e no mundo, uma referência – até os dias atuais.

Käthe era a maneira carinhosa e íntima com que os amigos e familiares chamavam Katharina Simon, nascida na cidade alemã de Breslau em 17 de setembro de 1883, atualmente pertencente a Polônia.

Breslau – Breslávia.
Robert Rogaske – Acervo do Casal Käthe Kruse e Max Kruse: Link: Digiporta

Katharina Simon era filha de Robert Rogaske com Christiane Simon, e viveu sua infância somente com a mãe, que era costureira. Sua mãe cresceu em uma fazenda ao sudeste de Breslau, e foi expulsa de casa.

Partiu para a cidade de Breslau, onde passou a exercer a atividade de costureira. Christiane ficou grávida de Robert Rogaske, homem de posição privilegiada dentro da cidade e bem casado. Não pretendia, e não assumiu sua responsabilidade quando soube da gravidez de Christiane.

No momento em que sua filha chegou, Christiane negou-se a entregá-la. A menina foi batizada como Katharina Simon. “Eu e minha filha contra o resto do mundo” – dizia. A vida das duas foi marcada pela pobreza e privações, principalmente, na infância de Käthe Kruse.

Seu pai, que era o contador-chefe da cidade, visitou-a em alguns momentos de sua vida, e lhe ofereceu algum apoio material, mas não o suficiente, e não foi um pai presente.
Mãe e filha – Katharina – Käthe, construíram uma estreita aliança de proteção e confiança mútua.

Em depoimentos posteriores e entrevistas, Käthe Kruse falava sobre a relação suave e alegre que existia entre ela e sua mãe. Dizia que os homens seduziam as mulheres, alimentavam seu espírito com promessas e partiam e, quando ficava a criança, não sabiam e não podiam competir com a felicidade da mulher no papel de mãe – depoimento em sua autobiografia publicada em um livro.

Apesar de sua boa relação com sua progenitora, registrou em sua autobiografia que não teve uma juventude bonita. Sua mãe a ensinou muito cedo, que cada um é responsável por sua própria felicidade e conquistas e pode fazer tudo sozinho. Foi a motivação que a fez buscar o que desejava para a vida – ser atriz.

Estudou nas escolas públicas de sua cidade e quando tinha 16 anos fez aulas de teatro e com 17 anos, seguiu para a cidade de Berlim, quando foi contratada e começou a atuar no Lessing Theater – ano de 1900.

Lessing Theater.
Käthe e Max.

Fez sucesso e com a Companhia de Teatro e também se apresentou nas cidades de Varsóvia e Moscou, sob o nome artístico de Hedda Somin. No ano de 1902 conheceu e se apaixonou por Max Kruse, 30 anos mais velho que Käthe Kruse, escultor famoso casado, cenógrafo e autor de livros infantis, com quem se relacionou. Não se casaram logo de início. Käthe Kruse passou a ser a jovem mãe dos 4 filhos pequenos de Max, que foi descrito em biografias ser um professor de temperamento difícil e que queria, acima de tudo, tranquilidade. O casal teve mais 4 filhos – somando 8. Käthe Kruse era uma mãe amorosa e dedicada.

Família Kruse.

Max Kruse tinha o perfil reservado e não aceitava comprar as “bonecas horríveis” comercializadas no mercado para suas filhas o que despertou em Käthe Kruse o desejo de fazer as suas próprias bonecas – macias, infantis, com fisionomia munidas de personalidades através de detalhes. Jamais fez isto para vender e ganhar dinheiro. Käthe Kruse foi uma mãe incrivelmente amorosa e apaixonada pelo marido.
Em dezembro de 1902 nasceu sua primeira filha – Maria Speranza (Mimerle).

Käthe Kruse com a filha mais velha Maria Speranza.
Bonecas de porcelana – de acordo com Max Kruse eram mini adultos com rostos frios.

A família se mudou para o Sul, mesmo que Max continuasse trabalhando em Berlim. Em 1905, com as crianças, Käthe morou por um tempo em Ticino, em Ascona, Itália, em uma colônia de artistas locais.

As meninas pediram bonecas à mãe – tipo de bonecas de porcelana, mas o pai, Max, mesmo longe, não aprovava e as achava horríveis para as crianças. Dizia que eram “mini adultos” com rostos frios de porcelana. Não aprovava o brinquedo para suas filhas.

Käthe Kruse resolve brincar e fazer uma boneca para suas filhas, uma vez que não conseguia adquirir as “horríveis” bonecas de porcelana.

A primeira boneca que confeccionou para suas filhas foi feita a partir de uma toalha cheia de areia, com a cabeça feita de batata. Este foi o início.
Gradualmente, Käthe confeccionou a clássica Käthe Kruse-Puppen. Observava detalhes que forneciam as características de suas bonecas, as quais permanecem até o tempo presente.

Käthe Kruse e duas filhas.
Käthe Kruse-Puppen.

Käthe seguiu, por exemplo, a afirmativa de que “a mecânica não se dá muito bem com movimentos naturais”. Suas bonecas não possuem membros articulados. O corpo é feito de tecido, é macio e quente ao toque e ao abraço. No início do Século XX, isto era a quebra de um paradigma; hoje é natural e existem muitas bonecas com esta característica.

Observando novas ideias sobre a educação das crianças, na época, Käthe aprimorou suas bonecas. O que era isto? Por meio da boneca, procurava-se promover a curiosidade, a fantasia, o lúdico – o desejo de imitar a criança, e não o adulto. A criança passou a ser uma personalidade independente. Em 1909, Max e Käthe se casaram, e ela já tinha dado à luz três filhas.

No ano de 1910, a loja de Departamentos de Berlim – Hermann Tietz (Hertie) e que talvez conhecessem os Kruse, convida Käthe Kruse a participar da exposição de Natal “Toys from own hand”. As bonecas de Käthe atraem os visitantes e toda a atenção e muitos desejam ter uma boneca. O primeiro pedido é feito a Käthe – encomendam 150 bonecas.

Detalhes da Käthe Kruse-Puppen.
Hermann Tietz (Hertie).
Warenhaus Tietz (rede de lojas de departamento fundada por Hermann Tietz).

Após o pedido grande de 150 bonecas feito em Berlim, no ano de 1910, Käthe precisava confeccionar as bonecas e as fez dentro de seu próprio apartamento naquela cidade, em situação não muito confortável, com a o auxílio de algumas ajudantes.

As primeiras bonecas eram muito simples, mas depois se tornaram mais vivas. Käthe aperfeiçoou seus métodos de produção e começou a modelar as bonecas. Sua naturalidade (em comparação com a variedade comercial) logo tornou-a famosa. Os pedidos aumentaram e o hobby tornou-se um negócio.

As bonecas de Käthe – as Käthe Kruse-Puppen são bonecas com rostos de crianças, de aparência simples e com corpos de tecido de algodão macio. Käthe mencionou em sua autobiografia – The Great Puppet Show que “a boneca tem que ser algo para se amar.”

Käthe Kruse e sua criação.

No ano de 1912, a família mudou-se de Berlim para Bad Kösen e foi inaugurado o seu ateliê de bonecas na cidade – atual Saxônia-Anhalt. Foram criados novos modelos de bonecas – todos feitos artesanalmente – como eram feitas as primeiras bonecas, como também, foram feitos bonecos soldados e uniforme cinza e bonecas de vitrine.

Em 1912, a família mudou-se de Berlim para Bad Kösen e foi inaugurado o seu ateliê de bonecas na cidade – atual Saxônia-Anhalt. Foram criados novos modelos de bonecas, todos feitos artesanalmente, como eram feitas as primeiras, como também, foram feitos bonecos-soldados de uniforme cinza e bonecas de vitrine.

Estourou a Segunda Guerra Mundial, na qual também Alda Niemeyer, junto de sua mãe e irmã, ficaram sem poder voltar para o Brasil. Foram “presas” na Alemanha, onde permaneceram durante toda guerra.

Alda Niemeyer na Cruz Vermelha Alemanha.

Duas personagens da História no mesmo cenário social político e ao mesmo tempo, tão distantes. Em comum? Somente a Käthe Kruse-Puppen.
Durante a Segunda Guerra Mundial, enquanto Alda trabalhava na Cruz Vermelha, Käthe Kruse não conseguia o material necessário para fazer suas bonecas, e seu negócio parou. Um de seus filhos morreu em batalha e Käthe teve sua fábrica fechada, sendo proibida de fazer bonecas. Um segundo filho também morreu em batalha e também seu marido, morreu no ano de 1942 – períodos pesados.

Após a guerra, as fronteiras mudaram e foi impossível retomar a produção de bonecas na zona ocupada pelos russos.

Em 1952, sua empresa tornou-se uma Volkseigener Betrieb (uma empresa do governo – estatal). Com dois de seus filhos, ela reiniciou as oficinas de fabricação de bonecas nas cidades de Bad Pyrmont e Donauwörth – onde existe um museu com suas bonecas. Conseguiram até estabelecer-se na República Federal. Käthe Kruse desenhava as bonecas ainda fabricadas de maneira artesanal; mas, devido a problemas de saúde, não acompanhava mais a produção.
Viveu seus últimos anos – morando com sua filha mais velha, Maria Speranza Kruse – em Murnau, Baviera.

Käthe Kruse com suas bonecas em setembro de 1953. Nasceu em 17 de setembro de 1883 em Breslau, como Katharina Simon, filha ilegítima de uma costureira que combinou a sua criatividade com uma enorme senso empresarial. Em 19 de julho de 1968, faleceu em Murnau, na Baviera.

Atualmente, as bonecas da Käthe Kruse Manufactory, na cidade de Donauwörth, ainda são feitas à mão. O corpo é feito com musselina e recheado com pelos de rena, ou têm um esqueleto de fio interno coberto com malha. As cabeças são feitas de tecido, papel maché ou poliestireno e pintadas à mão. Muitas têm perucas de cabelo real ou mohair. Ao longo dos anos, sua filha e sucessora, Hanne Adler-Kruse, introduziu novos itens feitos de veludo.
Em 1990, a empresa foi vendida para Andrea e Stephen Christenson, que mantiveram as tradições da empresa. Em 2013, a empresa foi adquirida pela Hape Holding AG, de Lucerne. Dentro desta nova empresa, continua o trabalho artesanal, mas perdeu um pouco da magia da arte de sua criadora. As bonecas perderam um pouco de sua alma. Observamos, também, que não se tem mais o cuidado de vestir as bonecas como crianças – fato importante nas bonecas feitas por Frau Kruse – as bonecas tinham a imagem de criança e não de adulto.

As atuais Käthe Kruse.

Assista no vídeo à confecção da boneca na empresa atual.

O perfil de mãe amorosa, sua vocação para o artesanato, sua fidelidade para com aquilo que achava correto e a visão para os negócios fizeram de Käthe Kruse uma empresária de sucesso. Käthe Kruse partiu no dia 19 de julho de 1968.

Käthe Kruse falando sobre suas bonecas

Boneca que fotografamos em Trombudo Central , lembra muito uma destas bonecas – talvez uma inspiração na arte de Frau Kruse.

Algumas de suas bonecas preservadas ainda nos dias atuais…

O comentário de Alda Niemeyer sobre suas bonecas despertou esta busca e fez surgir o desejo de ter uma Käthe Kruse-Puppen.

Alda Niemeyer – em sua residência em maio de 2011, quando nos comentou sobre as bonecas.

Um registro para a História!

Sou Angelina Wittmann, Arquiteta e Mestre em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade.
Contatos:
@angewittmann (Instagram)
@AngelWittmann (X)

Leituras Complementares – Clicar sobre título escolhido:
  1. Artes cênicas e canto – Biografia Georg Kahrbeck
  2. Entrevista – Alda Niemeyer – Período da 2° Guerra Mundial e seu trabalho na Cruz Vermelha
  3. Biografia – Alda Schlemm Niemeyer
  4. Receita de Stollen da Dona Alda Niemeyer
  5. Die Hexe – Por Alda Niemeyer
  6. Teatro – A História do Teatro do C.C. 25 de Julho – Por Alda Niemeyer I
  7. Käthe Kruse Puppen – Bonecas Käthe Kruse
  8. Margarida Scheltzke – Uma despedida por Alda Niemeyer
  9. Teatro – A História do Teatro do C.C. 25 de Julho – Por Alda Niemeyer I
  10. Teatro – Últimos espetáculos do teatro no 25…e “Dinner for One”
  11. Um Clic – Alda Niemeyer
  12. Conclusão da Tradução do Livro do 25 – Por Alda Niemeyer
  13. Estréia do Theatergruppe 25 de Julho – Grupo de Teatro 25 de Julho – Teatro em alemão
  14. Teatro – O retorno do Teathergruppe no 25 de Julho