A imigração “alemã” não teve a mesma motivação social, política e econômica nas regiões do Brasil e também em Blumenau
Capa: Primeira venda de Südarm(1903 – 1904), no Oeste da antiga Colônia Blumenau – atual Rio do Sul – de Rudolf Odebrecht, filho do imigrante prussiano Emil Odebrecht. Tipologia enxaimel, com fechamento de tábuas de madeira e cobertura de ramos. A volumetria é uma característica que evoluiu na região de origem dos imigrantes desde o alto período neolítico, com a grande inclinação do telhado, oportunizando o aproveitamento do sótão. A fachada frontal é valorizada com a presença da simetria. Aberturas em madeira, com portas com bandeira e janelas com duas folhas de abrir envidraçadas. Fonte: ODEBRECHT, 2013.
Tal como a arquitetura que lembra a cultura que trouxe e construiu casas diferentes, com a técnica enxaimel, no Brasil, e ainda constrói, também a motivação que trouxe “alemães” para o Brasil continental nos diversos recortes de tempo histórico não foi a mesma sob vários aspectos.
Retornamos ao assunto, porque em 2024, grupos ligados à “cultura alemã”, em todo o território nacional, também em Blumenau, lembram a passagem da data dos “200 anos de imigração alemã” no país, de maneira organizada.
Ciente do apelo comercial por trás de muitas destas iniciativas e sabendo que Alemanha surgiu como país somente há 153 anos, em 1871, preparamos um rápido e resumido texto, sob a ótica social, geográfica e histórica, para contribuir com o tema tão apaixonadamente debatido e compartilhado por muitos, neste momento.
Os alemães constituem o quarto maior grupo de imigrantes a desembarcar no Brasil nos séculos XIX e XX, com um total estimado em 200 mil pessoas. É uma estatística impressionante, mas ela mascara uma realidade bem diversa. Nem todo “alemão” era alemão. Longe de comporem um mesmo povo, esses imigrantes vinham das mais distintas regiões da Europa Central, como Hunsrück, Pomerania, Westfália e Württemberg. Em cada região viviam segundo uma cultura própria e falavam um dialeto específico. Muitos não sabiam nem mesmo falar o alemão formal (hochdeutsch) e não possuíam cidadania alemã – o que, aliás, só viria a existir em 1871, ano da fundação do Império Alemão. Antes disso, esses indivíduos eram cidadãos de Estados como Prússia e Baviera. Para além de toda essa diversidade germânica, até mesmo suíços e austríacos acabaram sendo incluídos na categoria de “imigrantes alemães” pelo simples fato de falarem a língua. SCHULTZE, 2014.
As sociedades dentro dos períodos históricos, quanto a práticas, relações, tecnologias, mudam. Este é um dos motivos pelos quais as cidades, espaços em que essas sociedades aprimoram suas diversas práticas são consideradas “orgânicas” e respondem por que nunca vingaram os projetos de cidades utópicas, “engessadas” ao longo da história do urbanismo e das civilizações.
Também, na qualidade de sociedade, suas culturas recebem influência do espaço pré-existente onde estão instaladas, que não é a mesma de uma para outra, ainda que sua origem seja a mesma. A antropologia é uma das ciências que explica esse fenômeno.
Sentimos necessidade de abordar o tema como arquiteta e urbanista – ciência que envolve, no âmbito de muitas outras ciências: a história, a sociedade e o espaço que esta escolheu para desenvolver seus hábitos e costumes.
Antes de 1824
Para iniciar, antes de 1871, não existia Alemanha, como nação. Mesmo assim há um marco para o início da imigração “alemã” de maneira organizada, para o Brasil – 1824 – que de maneira festiva está sendo lembrado, principalmente por descendentes ou pessoas que vivem em cidades fundadas por “alemães”, em todo o país.
Assim consideraremos, pela sintonia cultural surgida de maneira planejada, a partir do advento do Império Alemão em 1871, que reuniu toda essa diversidade mencionada por Schulze, na citação anterior, sob uma mesma bandeira, idioma – o hochdeutsch (trabalho dos Irmãos Grimm, quando fizeram o primeiro dicionário alemão) e sob uma frase, mal interpretada por falta de conhecimento histórico, criada pelo prussiano Bismarck e dita para os “vários povos” e, dialetos, que passaram a formar a Alemanha unificada, com intuito de disciplinar: “Alemanha acima de tudo” , ou seja, de qualquer dialeto, parte deste todo.
A imigração estrangeira e a escravidão africana no Brasil, no início do século XIX, era uma realidade, e pode ser encontrada, por exemplo, na publicação de um soldado prussiano – ex-oficial do Exército Imperial – Carl Schlichthorst, divulgada no território da atual Alemanha no início do século XIX, na qual ele descreve a Corte Brasileira e sua capital, a cidade do Rio de Janeiro. Sua obra é tão importante sob o aspecto histórico, mesmo que seu conteúdo não seja muito favorável à sociedade do Brasil dessa época, que, em 2010, o Senado Federal brasileiro a traduziu e publicou.
Seria muito bom poder ler o original; e mesmo assim, o autor faz descrições não muito favoráveis à sociedade “brasileira” dessa época, e de como os imigrantes “alemães” foram enganados.
Schlichthorst chegou ao Brasil em 23 de setembro de 1825, no navio Caroline, com 192 imigrantes alemães, 60 soldados e 30 oficiais. Foi alistado no Corpo de Estrangeiros, como tenente de Granadeiros Alemães; serviu no Rio de Janeiro até 1826. Declarou ter sido enganado pelo major que o recrutou na Alemanha, Georg Anton Von Schäffer, próximo do político brasileiro José Bonifácio e da primeira esposa de D. Pedro I, que tinham como objetivo a segurança do Brasil recém-liberto.
No tempo que Schlichthorst viveu no Brasil, observou a sociedade carioca do início do século XIX e descreveu o que viu. Quando retornou para a Europa, organizou e publicou suas anotações em um livro com o título: Rio de Janeiro wie es ist, uma vez e nunca mais (Rio de Janeiro como ele é, uma vez e nunca mais).
Sua publicação esclarece algumas questões e novamente lembramos que é de tal importância que o Senado Federal brasileiro a traduziu e publicou em português, com uma parte do título somente: “O Rio de Janeiro como é (1824 – 1826). Se o título foi prejudicado, imaginemos que seu conteúdo o foi, igualmente. Seria muito bom ter a oportunidade de ler o original de Schlichthorst.
“A população do Rio de Janeiro deve ser mais ou menos de 200 mil almas. Um professor de Matemática disse-me que a calculava em 250 mil. Estatísticas oficiais não são do conhecimento público, ou porque se não fizeram, ou porque convém guardar segredo sobre seus resultados. Pode-se calcular um branco por três pessoas de cor. A quantidade de escravos sobrepuja a dos homens livres. O número de habitantes aumenta extremamente depressa, em parte, pela entrada de muitos estrangeiros, principalmente franceses, em parte, pelo crescimento como nunca da importação de negros. Só no mês de janeiro de 1826 foram importados mais de 5 mil, cuja maior parte ficou na cidade. Raramente se veem indígenas. Entre os soldados, porém, há os caboclos, descendentes de negros e índios ou de índios e brancos.” Carl Schlichthorst
Seu trabalho nos foi útil para copilar esta análise.
Alguns pesquisadores afirmam em seus textos que em 16 de maio de 1818, D. João VI estabeleceu as condições para a vinda de famílias suíças para o Brasil. Foram mais de 2 mil suíços assentados na região de serraria do Rio de Janeiro, onde foi fundada a colônia de Nova Friburgo, os quais poderiam muito bem ser “alemães”, de acordo com Schulze, pois não existia o país, mas sim, povos de língua alemã. Comentam que o mesmo aconteceu na Bahia, onde foram formadas as primeiras colônias de imigrantes alemães, autorizada pelo governo português, e como aconteceu em Blumenau em 1850, também eram eram projetos privados.
É sabido que os acontecimentos do Brasil, ou em qualquer outro local do mundo, para onde migravam pessoas de regiões do atual território da Alemanha, eram amplamente publicados na Europa – na qual não existia a Alemanha como nação. Havia muito mais publicações sobre o Brasil, na Europa do que no país recém independente de Portugal. A pesquisa e a organização de informações históricas fazem parte de alguns povos formadores dessa cultura do pais surgido em 1871.
Não são todos, naturalmente. Se não existia a nação surgida em 1871, não poderiam existir alemães. Quando imigrantes da região do Mar Báltico chegavam ao Vale do Itajaí, chegavam como prussianos, pomeranos e não como alemães.
Um documento de uma família que chegou na Colônia Blumenau ilustra essa questão. Pertence a Ana e Heinrich Tönjes, avós de Werner Henrique Tönjes, imigrantes prussianos.
No território em que atualmente está a Alemanha, havia um conjunto de entidades políticas independentes com hábitos e costumes, bandeiras, credos, dialetos e culinárias próprios. Se observarmos de maneira detalhada, até 1806, as regiões de língua alemã da Europa Central incluíam mais de 300 entidades políticas, na sua maioria territorial, parte grande do Sacro Império Romano-Germânico ou, extensão dos domínios hereditários dos Habsburgos.
Eram desde os pequenos e complexos territórios da família Hohenzollern, até aos grandes, e bem definidos territórios, como o Reino da Baviera e o Reino da Prússia. Variavam entre cidades imperiais livres de diferentes dimensões; territórios eclesiásticos de tamanhos distintos; e os estados dinásticos. Estas regiões (ou parte delas incluíam territórios fora das estruturas do império, mas parte do território do Sacro Império Romano-Germânico, que chegou a abranger mais de 1000 entidades. Dentro de parte desse universo, surgiu a Alemanha unificada há, somente, 153 anos, sendo que, antes disso, no Brasil, lembravam dos imigrantes “alemães”.
Muitos são os que insistem em mencionar imigrantes “alemães”, ou “alemão é assim”, antes do tempo da criação e unificação da Alemanha e, mesmo depois, desconsiderando totalmente a diversidade cultural inerente à região que formou parte do território do seu território, surgido em 1871.
Para compreender melhor o quadro histórico – quatro anos antes da vinda da família real Portuguesa para o Brasil, acontecia o Congresso de Viena – do qual surgiu a Confederação Germânica – Deutscher Bund – que unia 39 estados soberanos, mas ainda não era o país – Alemanha. Nesse período, muitos destas se inspiravam nos ideais da Revolução Francesa – e o nacionalismo passou a ser um dos ideais dessas pessoas.
Todas as áreas das ciências e sociais receberam “gás” desse período de movimentações intensas nas regiões ocupadas pelos povos germânicos.
Nesse momento da história, no Brasil, surge o trabalho mal feito do “major” Georg Anton Schäffer que, levou propostas enganosas ao território onde atualmente está a Alemanha e isso foi amplamente citado na obra de Carl Schlichthorst, sendo ele próprio, uma de suas vítimas.
Georg Anton Schäffer na verdade foi um médico “alemão” que foi parte da tripulação do navio russo “Suvorov”, que após um desentendimento com o capitão desembarcou no Alasca. Por lá aprontou – há uma história – e acabou na corte do Brasil, como “major”. Usa o prefixo da nobreza alemã, o “Von” o que na verdade não o foi. Se prestou a fazer o “trabalho sujo”, como também outros de “boa índole” o fizeram.
A Europa desse tempo possuía uma sociedade informada e sob um célere processo de mudanças sociais, tecnológicas e econômicas. Mesmo desconsiderando esse quadro, houve movimentações políticas para a vinda de imigrantes “alemães”, principalmente os prussianos, para efetivar a segurança, ocupando postos de soldados de um Brasil recém independente e depois, para substituir a mão-de-obra escrava nas fazendas de café, que não podiam mais contar com o trabalho escravo.
Conforme mencionado na obra do tenente Schlichthorst, as promessas feitas pelos aliciadores na Europa começavam a mudar a partir do momento que os imigrantes embarcavam nos portos do continente. A maioria destes emigrados tinha seus contratos de trabalho trocados por outros, com seu teor alterado.
O “novo contrato” continha uma cláusula que informava sobre a taxa de juros que iriam pagar pelo adiantamento recebido neste momento. Quando chegavam ao Brasil, principalmente no porto de Santos, era cobrado de cada imigrante, uma taxa de entrada no país. Seu valor variava de acordo com a idade da pessoa. Chegavam ao Brasil endividados e “presos” às instituições e empregadores.
Alguns pesquisadores descrevem o trabalho mal feito do major Georg Anton Schäffer, de levar propostas enganosas ao território onde atualmente está a Alemanha e amplamente citado na obra de Carl Schlichthorst.
José Bonifácio entregou instruções secretas a Georg Anton Von Schäffer – alemão amigo da austríaca Leopoldina, imperatriz do Brasil, que fora nomeado agente brasileiro na Alemanha – e o enviou a Europa. A missão de Von Schäffer era visitar as principais cortes alemãs angariando apoio à causa brasileira, e encaminhar para o Brasil, o mais breve possível, imigrantes e principalmente soldados para a guerra da Independência. Schäffer embarcou para a Europa uma semana antes do Grito do Ipiranga. A proposta levada aos alemães pelo agente brasileiro era atraente. Para aqueles que quisessem fugir das guerras, do excedente populacional e da miséria na Europa, Von Schäffer oferecia 77 hectares de terra, isenção de impostos por 10 anos, animais de criação e sementes, além de outros subsídios. Eram números fora dos padrões alemães. Na Alemanha, somente entre 10% e 20% da população possuía propriedades que excedia a dez hectares. TRESPACH, 2014.
O Brasil e Santa Catarina – 1824
O governo brasileiro, que era formado pelos antigos imigrantes portugueses ou descendentes destes portugueses (lemos artigos onde autores mencionam “imigrantes europeus e portugueses” – entendendo que português, não seria europeu(?) ou já considerando imigrantes português – brasileiro, diferentemente do tratamento dado ao imigrante alemão – “europeu”.), tentando-se fazer a mesma coisa que o governo português fizera com os povos do arquipélago de Açores, no século XVIII, com os povos que viviam na região da atual Alemanha, no século XIX. Só não se levou em consideração a História social, econômica e cultural e cada uma das etnias. Os reflexos foram diferentes pois as sociedades eram diferentes e, conforme dissemos, a Europa não era a mesma – passava por profundas transformações.
Para lembrar, em 1746, o Rei de Portugal, D. João V comunicou aos habitantes das ilhas dos Açores que a coroa oferecia uma série de vantagens aos casais ilhéus que resolvessem imigrar para o litoral do Sul do Brasil. Foi distribuído um edital em todas as ilhas do arquipélago.
O edital apresentava uma série de vantagens (que não foram cumpridas na integra), desde o translado gratuito até as terras que lhes seriam destinadas e também esclarecia que logo que chegassem no destino onde receberiam as terras, cada casal ainda receberia uma espingarda, duas enxadas, um machado, uma enxó, um martelo, um facão, duas facas, duas tesouras, duas verrumas, uma serra com sua lima e travadeira, dois alqueires (27,5 litros) de sementes, duas vacas e uma égua.
No primeiro ano receberiam a farinha para o sustento. Cada casal receberia um quarto de légua em quadra, para iniciar as suas culturas, sem ter direitos e nem salários algum por esta sesmaria. O edital esclarecia que o primeiro estabelecimento de casais açorianos seria feito na ilha de Santa Catarina e seus arredores. Portanto este projeto de imigração com povos europeu iniciou-se com os portugueses e depois com outras etnias, inclusive a alemã – todas formadoras da nação Brasil.
Em menos de um ano, 7.817 pessoas declararam o desejo de se transferirem para o Brasil. Em 9 de agosto de 1747, D. João V determinou ao brigadeiro José da Silva Paes, governador de Santa Catarina, que recebesse bem os novos colonos – que não eram “alemães”, como seriam pejorativamente chamados tempos depois, no interior do Estado e, até mesmo, na capital, e como denominaram o naturalista Fritz Müller que foi demitido do cargo de professor, em Desterro, por ser um “colono alemão”.
“O dito brigadeiro porá todo o cuidado em que estes novos colonos sejam bem tratados e agasalhados e, assim que lhe chegar esta ordem, procurará escolher assim na mesma Ilha, como nas terras adjacentes, desde o Rio de São Francisco do Sul até o Serro de São Miguel, nos altos da Serra do Mar, e no sertão correspondente a este distrito, com atenção porém que se não dê a justa razão de queixa aos espanhóis confinantes”.(D. João V – 1747)
A Companhia da Ásia Portuguesa, cujo fundador era Feliciano Velho Oldenbourg, fechou um contrato com o governo português para transportar cerca de 4.000 famílias açorianas para o Estado de Santa Catarina. A maioria delas fugia da miséria do arquipélago causada pelo fraco desenvolvimento das ilhas na produção de trigo, pastel e urzela e da superpopulação das ilhas maiores.
Depois que foi criado o governo da Capitania de Santa Catarina em 1738, tratou o Senhor D. João V da sua colonização. Consultou sobre esta tão interessante medida o Conselho Ultramarino, o qual em 8 de agosto de 1746 dirigio a sua consulta à presença daquelle Monarcha, que em resolução `da mesma de 31 do dito mez e anno, ordenou que da ilha dos Açores e Madeira se transportassen para Santa Catarina e continente do Rio-grande quatro mil famílias para povoarem a cultivarem aquelles férteis paizes. Em conseqüência mandarão-se affixar Editaes em todas aquellas Ilhas prometendo aos seus habitantes que quizessem vir para a indicada colonização, transporte a custa do Estado, ajudas de custo, instrumentos da lavoura, e outras vantagens, com tanto porêm que os homens não estivessen nais de quarenta annos de idade, e as mulheres mais de trinta. Grande número de famílias das sobreditas Ilhas se offereceo para serem transportados ao Brasil aceitando as promessas declaradas no Editaes; e El-Rei tomou as medidas convenientes para se effectuar o transporte com a menor despeza possível da Fazenda Real, e para este fim o poz em arrematação.(CASCAES, Pg 18)
Santa Catarina recebeu 4.612 pessoas em 1748, 1.666 em 1749, 860 em 1750 e 679 em 1753, como já mencionado, um século antes da chegada dos primeiros imigrantes “alemães” ao Vale do Itajaí. Viviam além da agricultura de subsistência, da fabricação da farinha de mandioca, da salga do peixe e também, da pesca de baleias.
Os açorianos instalaram no litoral catarinense, com armações para pesca de baleia, monopólio da coroa concedido a comerciantes ligados ao reino português, privilégio extinto no inicio do século XIX, fazendo com que esta sociedade entrasse em decadência.
Toda a capitania enfrentou, na segunda metade do século XVIII, um período de estagnação em função do desempenho da agricultura, que era de subsistência e dos inúmeros conflitos e fornecimento de produtos às tropas. Com base em relatos de viajantes que aportavam ao litoral catarinense, constata-se que a situação melhora um pouco no inicio do século XIX. Meio século antes das fundações dos primeiros núcleos urbanos criados por imigrantes “alemães” no Vale do Itajaí.
Europa – Século XIX
Devido a inúmeros confusões, como a denominação “alemães” mesmo não existindo a nação alemã, julgamos importante desvendar um pouco do que acontecia no continente europeu, nesta época.
Durante a segunda metade do século XIX, a revolução industrial se difundiu pela Europa, principalmente no noroeste europeu. Alguns autores afirmam que a partir da segunda metade do século XIX, ocorreu a segunda revolução industrial em função do surgimento e adoção de novas energias: o vapor e a eletricidade, motores de propulsão; adoção de sistemas ferroviários permanentes para transportes de pessoas e carga e novos sistemas de transportes: automóveis e aviões.
Houve um aumento considerável da população europeia durante o século XIX. No final do século XVIII a população da Europa era cerca de 187 milhões, mais do que dobrou na virada do século XIX para o século XX. A situação da Alemanha refletia a instabilidade de pós-guerra, com uma situação política instável. Após a Guerra Franco Prussiana, com a unificação da Alemanha, houve um impulso da revolução industrial no país, que vinha ocorrendo desde 1815, a partir da produção do ferro fundido.
Vários fatores negativos, como: baixos salários, preços de produtos em alta, quebra da safra da batata e um surto de tifo, fizeram com que a população se rebelasse, no território da atual Alemanha. Em 1848 eclodiu a revolta democrata. A chegada da Revolução industrial, 40 anos após a invenção da máquina a vapor na Inglaterra, provocou grandes transformações nos aspectos sócio, político e econômico, vigentes até meados do século XIX, mesmo período que também ocorria a migração dessa região da Europa, para às Américas, como maior número para os Estados Unidos.
Na primeira metade do século XIX, o território da atual Alemanha era formado por diferentes reinos, ducados e até mesmo cidades livres. Toda a região sofria influencia cultural das duas principais potências da língua alemã: Prússia e Bavária. Predominava a estrutura feudal em plena idade contemporânea – já aconteciam as grandes transformações sociais, econômicas, políticas e tecnológicas na Inglaterra e na França a mais de meio século.
Pelo conhecimento, mesmo que de maneira sintética, do quadro social e político do território que era o território da futura Alemanha, afirmamos que os “novos brasileiros”, que na verdade, eram portugueses repatriados e seus descendentes, buscavam imigrantes desta região da Europa, porque tinham o argumento do “maravilhoso mundo novo” – paraíso, já usado no século anterior por Portugal, com muitos de seus conterrâneos do arquipélago de Açores, ou de suas famílias mais antigas. Também porque a região dos povos de língua alemã tinha soldados prontos e formados recém saídos dos campos de batalha, para formar a guarda nacional do novo país – Brasil. Nada tem a ver com o tal “embranquecimento da raça”, uma vez que o próprio Imperador brasileiro Pedro II, falava a língua alemã, em sua casa paterna, seu pai era um português e sua mãe, uma austríaca.
No Brasil
Não sabiam os brasileiros que muitos dos imigrantes “alemães”, além de serem soldados prontos, também eram filhos da revolução operária e não admitiam exploração da mão de obra. Além do mais, a imigração de povos alemães aconteceu em vários períodos distintos, onde o cenário social, econômico e político de cada região do continental país que era o Brasil, eram diferentes.
Nosso foco abrangerá a realidade da região Sul do Brasil, que no início do século XVIII era quase totalmente despovoada, contando somente com três pequenas vilas litorâneas na Província de Santa Catarina, até o final do século XVIII.
Os “ecos” da efetivação de migração “alemã” no país recém independente de Portugal, foram diferentes do que aqueles produzidos pelo governo português, durante a imigração portuguesa para o Brasil ainda sob o domínio português.
Após a chegada do tenente Carl Schlichthorst, comenta ele em sua publicação:
“…Apesar de alistados em Hamburgo como colonos, no Rio de Janeiro eram imediatamente forçados a assentar praça. Só tinham liberdade para ir para onde quisessem os que haviam pago suas passagens; mas estes mesmos às vezes abandonavam suas colônias e voluntariamente se engajavam, sendo, nesse caso, reembolsados pelo Governo[pela passagem](…) Os oficiais vindos nesses navios de transporte, em parte se viam colocados na graduação que o Cavalheiro Schäffer lhes garantia em Hamburgo. Alguns, no entanto, ficaram decepcionados,[foi o caso de Schlichthorst que desejava servir na Marinha e não no Exército] o que se deve atribuir mais a desordem reinante no Ministério da Guerra do que a um engano proposital daquele Cavalheiro.(…) Sim, eu próprio que, mais tarde, pude me enfronhar no modo de vida do país e conhecer o sistema de suborno nele reinante, sabendo como sei que no Brasil tudo se arranja com dinheiro(…)bastando-lhe aparência decente e alguns milhares de táleres [dinheiro alemão] para pagamento da patente(…) Para alimento dum soldado, o Governo escritura por dia meia libra de carne e meia de pão; mas(…)recebem tão pouco[carne] que suas refeições quase se limitam a arroz e feijão. Além disso, a carne que lhes dão é da pior qualidade, isto numa terra como o Rio de Janeiro, onde a carne já é ruim. O pão é feito na maior parte de farinha de milho, apesar de pago como de puro trigo. A maioria dos soldados o vende, para beber mais cachaça. Cozinham-se alternadamente duas vezes por dia, arroz e feijão. Não se varia o alimento. Serve-se o rancho sem o menor asseio. O oficial-de-dia tem obrigação de provar a sopa, sendo realmente preciso grande força de vontade para engolir esse caldo nojento. O mais pobre escravo vive melhor, sem dúvida, do que o soldado estrangeiro no Brasil.(…)O que, no entanto, torna ainda mais intolerável a situação do soldado é a falta absoluta de qualquer comodidade nos quartéis. Em parte, não há sequer tarimbas e os homens dormem pelo chão em esteiras, com um cobertor. Atormentados por incontáveis insetos, procuram na cachaça alívio ao seu martírio e curto esquecimento de sua desgraça.(…) Não é difícil imaginar os excessos a que diariamente se entregam. A consequência é uma pancadaria bárbara, sendo raro o dia em que se não apliquem castigos de 50, 100 e até 200 chibatadas, nas costas nuas dos infelizes (…) Os de natureza mais forte sentem uma espécie de orgulho em dizer que suportaram durante seu tempo de serviço alguns milheiros de vergastadas. Diante de um tratamento desses, não é de admirar que as deserções sejam frequentes. Os que procuram o interior do país são logo agarrados [como os soldados presos em Nova Friburgo], porém, os que tentam escapulir por mar, raramente são descobertos (…) Castiga-se a deserção com 200 chibatadas nas costas nuas, dadas com finas vergastas de junco. Muitos as têm aguentado até quatro vezes, sem desistir de novas tentativas…..”Carl Schlichthorst
Também há o texto publicado na Revista Blumenau em Cadernos – Tomo VI – N°3 de 1963, com o seguinte teor:
Quanto aos imigrantes “alemães” vindos para as fazendas de café do Sudeste, eram conduzidos para a fazenda, onde recebiam “uma parcela” do cafezal que ficava sob sua responsabilidade. Após a colheita, parte do lucro da produção era descontada para pagar a dívida “contraída” antes e durante a viagem da Europa para o Brasil. Esse sistema de trabalho ficou conhecido como parceria (tão atual), e caracterizou a primeira forma de trabalho livre implantada no Brasil escravocrata.
O imigrante receberia uma porcentagem da produção, que poderia variar até 50% dos lucros obtidos com a venda do café produzido por ele, com o desconto dos valores do empréstimo, da passagem para o Brasil e também, para os gastos, porém não recebia o valor que lhe era devido – que vinha somente após a colheita do café. Ficava “amarrado” a esta condição por muito tempo.
Na sede das fazendas de café existia a proibição dos imigrantes se deslocar até às cidades. Podiam sair somente com permissão e as compras de alimentos tinham que ser realizadas na venda da fazenda, onde os preços eram muito mais caros.
A situação dos imigrantes suíços, que também eram “alemães”, se considerar que não existia Alemanha, mencionada de várias maneiras sob diferentes enfoques por historiadores diversos, era muito problemática. Na fazenda de Ibicaba, por exemplo, não houve conflito físico ou violência, mas sim, a visita de diplomatas suíços que desconfiavam das condições em que seus compatriotas viviam nas lavouras cafeeiras do Brasil. A consequência dessa visita foi a proibição da imigração de pessoas de alguns estados alemães para o Brasil, comprovando que lá também eram considerados povos “alemães”. Se no Brasil também fosse considerada a história da povoação que fundaram, estariam comemorando mais de 200 anos de história de migração “alemã”.
Hermann Bruno Otto Blumenau
Na Europa continuavam chegando notícias não muito positivas sobre o estado em que os migrantes viviam no Brasil. Parte das promessas das propagandas não era cumprida, e muitos ficavam em situações muito difíceis após a grande viagem, assunto amplamente detalhado no livro do tenente Carl Schlichthorst, também publicado na região do atual território da Alemanha, sem interferência do tradutor para a língua portuguesa.
Na década de 1820, por iniciativa de José Bonifácio, os imigrantes foram atraídos para o Brasil novamente pela propaganda enganosa – para substituir a mão de obra escrava africana nas fazendas de café – sabendo-se, ainda, que o Sul do país era despovoado e atrasado economicamente. Chegavam notícias do Brasil, na Europa, sobre a situação dos imigrantes “alemães” no país. O governo “alemão” organizou, então, a “Sociedade de Proteção aos Emigrados Alemães” – charge que chegava à Alemanha, ilustrando uma possível realidade vivida pelos imigrantes nas fazendas de café.
Criou-se a “Sociedade de Proteção aos Emigrados Alemães” com sede em Hamburg, na qual Hermann Bruno Otto Blumenau foi um de seus representantes. Em maio de 1846, quatro anos antes da fundação formal de sua colônia privada no Brasil, Hermann Blumenau viajou para o país, como representante dessa sociedade e, por isso, com a viagem custeada.
O contato pode ter ocorrido por meio de Johann Eduard Wappäus. Hermann Blumenau foi o autor da publicação intitulada “Emigração e Colonização Alemã”, que Johann Eduard Wappäus publicou em 1846, como professor de geografia, sem citar o nome. Blumenau usou relatórios e avaliações de Johann Jakob Sturz (1800-1877), que havia feito campanha pela abolição da escravatura sob sua própria perspectiva. Isso porque ,em 1843, Sturz havia se tornado Cônsul Geral do Brasil na Prússia, e no final de 1843, Hermann Blumenau o conheceu em viagem de trabalho à Inglaterra.
Nessa época, Hermann Blumenau trabalhava para o avô materno de Fritz Müller, Johann Bartholomaeus Trommsdorff. No encontro, Blumenau e Sturz trocaram impressões sobre o Brasil. Quando chegou ao Brasil como fiscal, Hermann Blumenau estava há pouco tempo a serviço da “Sociedade de Proteção aos Emigrados Alemães”.
Em 1848, Hermann Blumenau retornou à Alemanha para recrutar imigrantes, como fizera Georg Anton Von Schäffer, a mando de José Bonifácio. Tempos históricos diferentes, situações sociais, econômicas e políticas diferentes, e os imigrantes eram da mesma cultura. O resultado foi diferente.
Em 1850, Hermann Blumenau fundou sua própria colônia – a Colônia Blumenau, uma empresa privada com a característica de uma colônia agrícola, até então era o fiscal da “Sociedade de Proteção aos Emigrados Alemães” para observar a situação de seus conterrâneos nas fazendas de café no Sudeste do Brasil.
Não fossem as reclamações enviadas para a Alemanha, talvez a cidade de Blumenau nunca existiria. Graças a elas, foi que aqui chegou em maio de 1846, o jovem Dr. Hermann Bruno Otto Blumenau, enviado pela “Sociedade Internacional de Emigrantes” e “sociedade de Proteção aos Emigrados Alemães”, para averiguar as denúncias. Contar a odisseia de Blumenau não é preciso, porque já é sobejamente conhecida. Mas as reclamações para a Alemanha continuavam em ritmo ascendente e por isto, em novembro de 1859, a Prússia votava a “Lei Von Der Heydt” que proibiu a imigração para o Brasil. Não foi somente a Prússia quem proibiu a imigração , também a França numa “circular” datada de 31 de agosto de 1875, tomava a mesma atitude e o mesmo fez a Itália no ano de 1902. STEHLING, 1963
25 de julho de 1824 e o Sul do Brasil
Ficou estabelecido, mesmo com toda essa movimentação histórica pretérita, que a data de chegada dos primeiros imigrantes “alemães” de maneira organizada, ao Brasil, aconteceu em 25 de julho de 1824, em São Leopoldo – Rio Grande. Esta é encontrada em inúmeros registros feitos pelos contemporâneos e diários de viagens de imigrantes da época. Alguns deixam transparecer em seus textos, a verdadeira história, de que a imigração de “alemães’, aconteceu antes de 1824 e em outra região.
A ideia de imigração e colonização no Brasil passava pela necessidade de criação de uma nova classe média, branca e pequena proprietária, que desenvolvesse a policultura agrícola e o artesanato, povoasse áreas de fronteira e fosse capaz de abastecer cidades importantes. São Leopoldo cumpriu muito bem seu papel, muito mais do que Nova Friburgo ou qualquer outra tentativa anterior. Daí que, mesmo não sendo o projeto pioneiro, ele é considerado o berço da colonização alemã no Brasil.” TRESPACH, 2014.
Para análise, vamos considerar somente a região Sul do Brasil e o Vale do Itajaí.
Em um primeiro momento, o Brasil não dispunha de um exército para manter a segurança nacional em seu território continental, principalmente na região Sul, que estava sob constantes ameaças em suas fronteiras – investidas de tropas espanholas. Por questões de segurança, o governo não podia confiar nos portugueses que viviam na região, nascidos no país do qual o Brasil acabara de se tornar independente.
O governo brasileiro encontrou a solução na migração “alemã” e também na italiana, entre outras. Pela propaganda de convencimento na Europa, propagava as vantagens do novo país, entre as quais: o direito à terra, paz e alimento em abundância (como o governo português fez, no século anterior, no arquipélago de Açores, para atrais famílias para o litoral Sul). Ofereceu vantagens (nem sempre cumpridas) às famílias interessadas em residir no Sul do Brasil – passagens, direito à cidadania, isenção de impostos e direito a posse de uma ou duas colônias de terras (de 24 a 48 ha). O objetivo era que essas famílias, principalmente alemãs e italianas, ocupassem a terra e os homens servissem ao exército de reserva para manter a segurança da região Sul, nos limites do novo território brasileiro recém-independente.
“O trabalho de agenciamento de alemães perdurou mesmo depois da saída de José Bonifácio no ministério. Mas com a forte oposição política à imigração, principalmente a de soldados, Von Schaeffer precisou retornar ao Brasil em 1828. Naquele ano, uma rebelião de soldados alemães e irlandeses no Rio de Janeiro pôs fim ao apoio do governo ao projeto iniciado por Bonifácio. No ano seguinte, iniciou-se a desmobilização dos soldados que haviam servido no Exército Imperial, e a pressão aumentou até que D. Pedro I assinasse, em 15 de dezembro de 1830, a Lei do Orçamento, cortando os gastos com imigração de mercenários para o Exército e com colonos e artesãos. Com base no projeto iniciado em 1822, após a criação de São Leopoldo (1824) e de Três Forquilhas, também no Rio Grande do Sul (1826), surgiram ainda as colônias Santo Amaro e Itapecerica, em São Paulo (1827 e 1828), são Pedro de Alcântara, em Santa Catarina (1829) e Rio Negro [Em Santa Catarina – Mafra atual – primeiro grupo organizado de imigrantes “alemães” no estado de Santa Catarina] no Paraná (1829). Até 1830, mais de oito mil alemães entraram no Brasil. Metade deles era protestante (luteranos), fato novo em um país historicamente católico. Em 1834, uma alteração na Constituição permitiu que a iniciativa e o estabelecimento de colônias ficassem a cargo dos governos provinciais, e não mais do governo imperial. Se no Primeiro Reinado (1822-1831) a imigração estava associada a critérios geopolíticos, após esta data o critério passou a ser quase exclusivamente econômico, por interesse tanto das províncias quanto de particulares. Após o fim da Revolução Farroupilha, no Sul, o país retornou a iniciativa de imigração e colonização. Entre as mais importantes estavam: Petrópolis, no Rio de Janeiro (1845); Santa Isabel (1847) e Leopoldina (1859), no Espírito Santo; Blumenau (1850) e Dona Francisca (1851), em Santa Catarina; e Santa Cruz do Sul ( 1849), Santo Ângelo (1857) e São Lourenço do Sul (1858), no Rio Grande do Sul.” TRESPACH, 2010.
Integrantes do Grupo Folclórico Trier de Rio Negro e Mafra falando sobre a chegada do primeiro grupo de imigrantes para a região em 18 de fevereiro de 1829 e que também foram enganados.
Fotografamos este grupo em 2015 na 32° Festa Pomerana – 7° Encontro de Grupos de Danças Folclóricas, em Pomerode. Praticam, de maneira ininterrupta, a cultura dos antepassados.
Diante da não aceitação dos procedimentos na chegada dos imigrantes, que não aceitaram pacificamente a quebra de contrato, o governo do Brasil encontrou dificuldades. O governante brasileiro, formado por portugueses e filhos destes, imaginou que seria fácil, como o foi durante a imigração açoriana, um século anterior, quando também não cumpriram com as promessas feitas ao colono português, que, igualmente, fora assentado no litoral Sul brasileiro e sobreviveu, por décadas, do pescado marítimo e pequenas roças – praticamente até a chegada dos imigrantes “alemães” à Província de Santa Catarina. Muitos dos imigrantes das regiões germânicas viviam em um cenário de uma Europa industrial e dentro de disputas impostas pela nova sociedades – revoltas e reivindicações por direitos do trabalhador e do cidadão. Nessa época, já se conhecia a obra dos Irmãos Grimm, Richard Wagner, Nietzsche, Beethoven, Marx entre outros pensadores e eruditos, todos originários de territórios germânicos. O Brasil era um país recém-independente, pouco denso e com muito trabalho a fazer.
Blumenau
“Os erros cometidos em São Paulo, que resultaram na revolta liderada pelo colono Thomas Davatz em 1858, fizeram com que antiescravistas, como o cônsul-geral da Prússia no Brasil, J. Jacob Sturtz promovessem maciça campanha antibrasileira na Alemanha. O governo prussiano aprovou, inclusive, um regulamento que proibia a propaganda e o aliciamento de colonos para o Brasil. Mais tarde estendido a toda a Alemanha, o regulamento Von der Heydt só seria revogado em 1890.” TRESPACH, 2010.
Antes de vir para o Brasil – No final do ano de 1843, Hermann Blumenau viajou para a capital da Inglaterra a trabalho. Foi tentar conseguir uma patente de invenção para os preparados químicos e a autorização para a comercialização dos mesmos. Em Londres conheceu o Cônsul Geral do Brasil na Prússia – Johann Jacob Sturz, do qual ouviu muitas histórias e “vantagens” de morar no Brasil. Este contato e as trocas que promoveu mudaram a vida do fundador da Colônia Blumenau.
A conversa que teve com o diplomata brasileiro na Prússia, foi longa. Neste encontro, Hermann Blumenau ouviu muitas histórias sobre o Brasil, desde descrições sobre a natureza e muita da propaganda que o governo brasileiro já vinha fazendo na Europa, para atrair imigrantes e povoar o inabitado Sul do Brasil, como também, ocupar o lugar dos escravos africanos nos trabalhos de colheita do café nas fazendas do Sudoeste, mediante inúmeros problemas que surgiam entres os produtores de café sob esferas políticas, econômicas e sociais.
Hermann Blumenau estudou a imigração e a colonização no Brasil. Procurou conversar com brasileiros, pesquisou a história do Brasil e a movimentação migratória que aconteceu de seu país para a América.
A partir de 1843, Sturz tornou-se cônsul do Brasil na Prússia. Hermann Blumenau estava há pouco tempo à serviço da “Sociedade de Proteção aos Emigrados Alemães” no Brasil, quando em 1848 retornou à Alemanha para recrutar imigrantes. Em 1850, fundou sua própria colônia – a Colônia Blumenau, um empresa privada com a característica de uma colônia agrícola. Muito diferente da imigração “alemã” e suas colônias fundadas no Rio Grande do Sul, na época, Rio Grande, por exemplo. Ou mesmo outras em Santa Catarina localizadas na Grande Florianópolis, como a de São Bonifácio.
O projeto Blumenau se iniciou quando, oportunisticamente, Hermann Blumenau se candidatou a uma vaga de agente fiscal do “governo alemão” da “Sociedade de Proteção aos Emigrados Alemães”. Como representante oficial daquele, encontrou a oportunidade de conhecer o Brasil e em abril de 1846, com 27 anos, embarca a trabalho. Viajou por mais de dois meses e chegou ao Rio Grande em 19 de junho de 1846. Visitou alguns locais, fazendas e fez pesquisas para seu projeto pessoal – fundar uma colôniaEm 1847, Hermann Blumenau ouviu alguns conterrâneos seus no Sul do Brasil, pesquisou possibilidades de negócios e fez contatos. Depois seguiu para a capital do Brasil – a cidade do Rio de Janeiro. Permaneceu na capital brasileira por aproximadamente 8 meses, igualmente efetuando estudos e contatos – acertou pontos e assuntos diretamente com o Imperador do Brasil. Neste tempo, articulou e procurou conhecer toda a tramitação para efetivação da imigração e colonização de terras, bem como suas vantagens e desvantagens. Também estudou o clima e a geografia de algumas províncias do Brasil.
Em abril de 1847, Hermann Blumenau embarcou para Nossa Senhora do Desterro, capital da Província de Santa Catarina, a partir da qual, visitou a Colônia de São Pedro de Alcântara, segundo núcleo de imigrantes alemães na Província, fundada em 1829. Neste momento, Hermann Blumenau ouviu pela primeira vez, falar da região do Vale do Itajaí, para a qual voltou toda sua atenção nos tempos seguintes, pois famílias deste lugar foram morar no Vale do Itajaí, como os Wagner’s, que não estavam fixados onde hoje é Gaspar, como já lemos em textos. Os Wagner’s tinham sua propriedade praticamente dentro do Stadtplatz da futura Colônia Blumenau. Membros de sua família foram os primeiros membros da comunidade luterana centro a se casarem na centenária Igreja do Espirito Santo – Comunidade Luterana Centro, de Blumenau. Quando Blumenau escolhia o local da centralidade de sua colônia, foi recebido pelos Wagner’s, com quem também colheu informações.
Hermann Blumenau retornou para a Alemanha em 1848, e ao contrário de apontar os pontos negativos sobre as colônias alemãs no Brasil e sobre a situação dos imigrantes nas fazenda de café no Sudoeste do país, exalta as vantagens de vir para o país, destacando a boa vida dos imigrantes, ao contrário de seu colega suíço, na época também considerado “alemão”.Toma as providências necessárias para materializar a fundação da Colônia Blumenau no Vale do Itajaí, Província de Santa Catarina.
A Colônia Blumenau foi planejada desde a escolha do local de seu Stadtplatz (Centralidade), caminhos – acessibilidade – meios de transportes, plano de lotes, profissões dos primeiros colonos e distribuição destes no grande território. Foi construída e elaborado com as ideias dos novos tempos de um continente dotado da nova tecnologia em seu tempo e de um pais que estava surgindo – Alemanha (1871), ainda não unificada mas a caminho de sua unificação. Os imigrantes foram assentados no meio da Mata Atlântica, no Vale do Itajaí com a presença de nativos, não avisados, nem os imigrantes e nem aqueles que já residiam, de maneira seminômade na região. Houve conflitos, passaram necessidades, conviveram com a ausência do Estado na construção da infraestrutura básica e no comprimento das promessas feitas lá no Heimat.
O fundador, como ex-fiscal da “Sociedade de Proteção aos Emigrados Alemães”, tinha conhecimento da situação, possuía ambições e aceitou o desafio. Organizou a colônia como a espacialização funcional de uma indústria, a partir da produção agrícola sob o ideário do economista francês François Quasnay. Para isso, planejou construir a infraestrutura necessária para o escoamento da “produção” da indústria alimentícia, cuja matéria prima seria o excedente das propriedades rurais autossuficientes “espalhadas” pelo território da grande Colônia Blumenau. Este foi o marco do início do processo de industrialização do estado de Santa Catarina. Foram construídas as primeiras estradas do interior do estado e, em um período menor que 50 anos, foi inaugurado o primeiro trecho ferroviário na região, Estrada de Ferro Santa Catarina – EFSC, integrado a navegabilidade do Rio Itajaí Açu. Promoveram, em pleno século XIX, o que, atualmente, conhecemos de Planejamento Regional (no Brasil, quase inexistente na atualidade) a partir da intermodalidade. Até então, o interior de Santa Catarina era desprovido de caminhos e cidades, com exceção de Lages – que existia para dar suporte às parada de tropas.
“Apesar das dificuldades e das diferentes políticas imigratórias usadas no país, os alemães continuaram vindo. De diversas formas, até o início da década de 1970 haviam chegado ao Brasil mais de 255 mil imigrantes provenientes de territórios que formam a Alemanha moderna. Além da contribuição para o desenvolvimento da cultural e produção industrial, o imigrante alemão teve um importante papel no processo de diversificação cultural do país, especialmente na língua, na religião, na gastronomia e na Arquitetura.” TRESPACH, 2010
A imigração “alemã” e alemã (depois de 1871) fazem parte da formação do povo brasileiro. Muitas vezes existem cobranças etnocêntricas, como se os fundadores de Blumenau e de inúmeras cidades no Vale do Itajaí fossem estrangeiros, europeus, e os demais, fossem os brasileiros, descendentes de portugueses, muitos descendentes também de vítimas do golpe do “paraíso”, igualmente.
Foram imigrantes “alemães” e imigrantes alemães que saíram de suas cidades e casas, no território da atual Alemanha e, da Alemanha já país, para construir uma vida em um jovem país distante, para o qual também vieram imigrantes de inúmeras outras nacionalidades e em tempos distintos, dentro de sua história – a História do Brasil.
Etnias que também imigraram para o Brasil: portugueses, espanhóis, franceses, italianos, poloneses, japoneses, chineses, coreanos, australianos, africanos, americanos, canadenses, ucranianos para formar o país, contribuindo a partir de sua cultura, hábitos e costumes. Juntos à etnia tipicamente brasileira – a indígena – formam a colcha de retalho cultural existente no país.
Uma reação espontânea, das redes sociais:
Quem fala alemão é o que? “alemão”. Nos tempos atuais, na cultura pop do Rio de Janeiro, os das comunidades chamam de “alemão” qualquer pessoa branca, ou, até mesmo, a polícia. O que se encaixa perfeitamente na charge de humor dos emigrantes trabalhadores nas fazendas de café, divulgada na “Alemanha”, na época. Eu, por exemplo, descendo de emigrantes “alemães” que emigraram pra Hungria, ainda na idade média. E da Hungria (império Austro-húngaro na época), para cá – Itajaí – em 1890. E, justamente, por se reunir em um bar de frequentadores que só falavam alemão, durante a 2ªguerra mundial, meu bisavô foi perseguido e “expulso” do litoral, subindo o Rio Itajaí-açu, até aqui. Por isso, quem fala alemão é “alemão”. Luiz Gustavo Zipf
Nota: O descendente de imigrantes “alemães” ou de imigrantes alemães, que reivindicam a cidadania alemã na atualidade, precisa comprovar que seu antepassado migrou depois de 1871, quando já existia a Alemanha. Ou ainda, comprovar que seu antepassado, que migrou antes de 1871, tenha se cadastrado oficialmente, nos órgãos oficiais alemães, para ter existido como um cidadão do novo país, ao contrário, formalmente não existe como um cidadão alemão. Seus descendentes, que nasceram em outro país, como no Brasil, não tem direito à cidadania alemã.
Frederico Kilian
Sintetizando, através de uma publicação de Frederico Kilian.
Em 1850, não havia imigração alemã, mas inúmeros povos, que falavam dialetos próprios que em 1871, tiveram que “aprender” o idioma alemão, formatado pelos irmãos Grimm, através do primeiro dicionário alemão.
Frederico Kilian lembrou sobre essa questão, nesse material que organizava para o Centenário de Blumenau e que estava presente no brasão de Blumenau, para quem desejasse averiguar.
Entrevista com descendente de “alemães” a partir de sua história e dialeto
Registro para a história.
Referências
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