A técnica construtiva Cerâmica Armada, usada por Eladio Dieste em Apiúna
Capa: Sempre que passávamos em frente a essa monumental arquitetura localizada na rodovia BR 470, no município de Apiúna, ficávamos cismados com a técnica construtiva usada – visto que estas três abóbadas desafiavam a gravidade. Não conseguíamos compreender o fato, até que resolvemos buscar respostas e publicamos estas em um artigo em março de 2021. Trata-se da técnica Cerâmica Armada. Devido à sua importância, compartilhamos as informações também neste espaço. Foto: Lídia Karla Freitas da Silva – 5 de dezembro de 2023.
A monumental arquitetura do antigo Posto de Fiscalização da Fazenda Estadual, localizada na marginal da BR 470, no município de Apiúna, sempre chamou nossa atenção pela plástica, forma e o desafio que apresenta na sua forma estrutural, com os grandes balanços e construída com peças cerâmicas.
Já a fotografamos inúmeras vezes, e ela também nos serviu de inspiração em projetos nossos, mesmo sem conhecer com profundidade a técnica construtiva adotada.
Além da arquitetura com uma plástica e técnica construtiva diferenciada, ao observar o mapa de localização mais detalhadamente, detectamos o projeto do entorno do edifício, a partir de um eixo e este ocupa o outro lado da rodovia, com a presença de espaços para lazer e esporte, como também de estacionamentos de veículos de grande porte, talvez caminhões transportadores de produtos.
São visíveis os locais de quadras esportivas, campo de futebol, caminhos e resquícios de paisagismo. Retornaremos ao local para fazer imagens reais desta parte do projeto, que sempre passou despercebida.
O projeto arquitetônico e estrutural do antigo Posto de Fiscalização da Fazenda Estadual de Apiúna, de acordo com informações da Prefeitura Municipal daquela cidade, foi assinado pelo engenheiro estrutural uruguaio Ariel Valmaggia.
Temos nossas dúvidas. O projeto é do ano de 1979. De acordo com o chefe de gabinete do prefeito de Apiúna, Valdir Amarante, o espaço terá novo uso em breve. No site da Prefeitura de Apiúna, publicado em 14 de janeiro de 2021, haviam preocupações e estudos para nova ocupação desta obra de arte plástica e arquitetônica. De lá até o momento presente foram efetuadas reformas e melhorias no conjunto.
“Na tarde do último dia 11 de janeiro de 2021, o prefeito Marcelo Doutel da Silva esteve com uma equipe técnica da prefeitura e engenheiros da AMMVI para realizar um laudo pericial e avaliar a estrutura do antigo Posto Fiscal. Segundo o prefeito Marcelo, caso esta obra torne-se viável, a população terá participação no melhor destino para a utilização da estrutura. Sua arquitetura peculiar é uma das poucas desse estilo no país e foi projetada em 1979 pelo arquiteto uruguaio Ariel Valmaggia, herdando a técnica do também engenheiro uruguaio Eladio Dieste.” Prefeitura de Apiúna
Nossa suspeita é confirmada quando consultamos o artigo de Juliana Harumi Suzuki. Entre outros exemplos de obras de Dieste e Valmaggia, a autora cita o Posto de Controle Fiscal em Apiúna (SC), de 1979. SUZUKI afirma que na entrada da cidade está o Posto de Controle Fiscal, projetado para que ônibus e caminhões pudessem receber inspeção e pesagem.
A estrutura é composta de três abóbadas autoportantes de, aproximadamente, 8 x 33 metros em duplo balanço, sustentadas por quatro pilares alinhados no terço médio da construção, totalizando cerca de 800 m² de área.
A direção das obras foi feita pelo engenheiro Ariel Valmaggia, da filial do escritório de Dieste e Montañez em Porto Alegre. Apesar das dimensões modestas, o balanço frontal, de 17,50 metros, é o maior executado entre todas as obras de Dieste e Montañez no Brasil.
Engenheiro Estrutural Ariel Valmaggia e Engenheiro Arquiteto Eladio Dieste
O engenheiro Ariel Valmaggia transferiu-se para Brasil dois anos após a sua formatura (1977 – Montevidéu) para atuar. Em 1979, supostamente assinava o projeto do Posto de Fiscalização da Fazenda Estadual de Apiúna SC, que na verdade foi desenvolvido pelo escritório de “Dieste e Montañez Abóbadas de Tijolos Ltda” de Porto Alegre, onde atuava o engenheiro Valmaggia e foi responsável pela execução.
Trajetória profissionais dos engenheiros – Dieste e Valmaggia
Tudo começou na faculdade, quando Valmaggia teve contato com a técnica construtiva cerâmica armada criada e desenvolvida pelo Engenheiro estrutural Eladio Dieste. Quando se formou em 1975, o novo engenheiro começou a trabalhar no escritório de Eladio Dieste, em Montevidéu – Uruguai, que atuava desde a década 1940. Em 1977, Valmaggia se muda para o Rio de Janeiro para trabalhar na filial de Dieste e de seu sócio, na empresa “Dieste e Montañez Abóbadas de Tijolos Ltda”, com sede naquela cidade e depois com escritório em Porto Alegre, onde Valmaggia atuava.Desenvolveram inúmeros projetos em todo o Brasil.
O engenheiro arquiteto Eladio Dieste Saint Martín nasceu em Artigas em 10 de dezembro de 1917 – e faleceu em Montevidéu, Uruguai, em 20 de julho de 2000, portanto, atuou por mais de 50 anos.
Foi considerado engenheiro arquiteto e um dos mestres da arquitetura latino-americana, bem como, criador da técnica construtiva cerâmica armada. Foi vencedor de vários prêmios. Alguns, como: Gabriela Mistral (OEA), 1990, América de Arquitetura e Honor da I Bienal Ibero-Americana de Arquitectura e Ingenieri.
Acreditamos, que o projeto desenvolvido para o Posto de Fiscalização da Fazenda Estadual de Apiúna não foi feito somente por Valmaggia, uma vez que o jovem engenheiro trabalhava no escritório “Dieste e Montañez Abóbadas de Tijolos Ltda”, e havia somente 2 anos que se encontrava no Brasil. Há artigos que comprovam esta teoria.
Também, a técnica construtiva adotada nessa edificação é a da cerâmica armada, desenvolvida pelo engenheiro arquiteto Eladio Dieste e que ficou conhecido como um dos nomes da arquitetura moderna latino-americanos do século XX. Seu nome consta de qualquer estudo sério e mais profundo sobre a arquitetura latino-americana recente.
Eladio Dieste Saint Martín se formou engenheiro pela Faculdade de Engenharia de Montevidéu em 1943, na qual foi docente até 1973 e onde teve contato com seu aluno Ariel Valmaggia. Em 1956, ajudou a fundar a empresa Dieste y Montañez, em sociedade com o amigo e colega de faculdade Dieste y Montañez, em 1977, contrataram o recém-formado engenheiro Valmaggia. A empresa tinha sede em Montevidéu, com filias na Espanha e no Brasil.
Na empresa, Dieste criou e desenvolveu a estruturas de cerâmica armada. Entre os muitos projetos desenvolvidos pela Dieste e Montañez, executou projetos no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás, Alagoas, Ceará e Rondônia. Diversidade geográfica que derivou da parceria com construtoras e arquitetos notáveis, como Cláudio Luiz Araújo, Carlos Maximiliano Fayet, Clóvis Ilgenfritz, Carlos Eduardo Dias Comas, Luiz Américo Gaudenzi, Severiano Porto & Mário Emílio Ribeiro, Luiz Paulo Conde, Acácio Gil Borsói e outros.
Conforme citado, Ariel Valmaggia teve contato com a técnica da cerâmica armada ainda na Faculdade de Engenharia com o professor Dieste, e no ano de 1975, recém-formado, recebeu seu convite para fazer parte da equipe dele.
Após dois anos trabalhando no Uruguai, Valmaggia viajou ao Rio de Janeiro para se integrar à empresa a filial brasileira de “Dieste e Montañez Abóbadas de Tijolos Ltda”, com sede no Rio de Janeiro, na época dirigida pelo Eng. Eugenio Montañez, tendo como chefe do departamento técnico, o Engenheiro Raul Romero.
Depois, atuou no escritório de empresa em Porto Alegre, de onde acompanhou a construção do Posto de Fiscalização da Fazenda Estadual de Apiúna SC.
Os detalhes da contratação do projeto – na cidade de Apiúna são uma incógnita, sobre a qual buscaremos dados.
A Técnica construtiva de Cerâmica Armada
A fim de compartilhar o aprendizado desta técnica construtiva desenvolvida a partir da 1940 por Eladio Dieste, e que muito contribuiu para a formação da identidade da arquitetura produzida na América Latina, com um exemplar presente na cidade do Vale do Itajaí, Apiúna.
Para esta tecnologia da cerâmica armada, Dieste integrou duas técnicas construtivas pré-existentes – a abóbada de tijolos e a abóbada de concreto – para desenvolver a sua própria técnica construtiva.
(…) As abóbadas cerâmicas, utilizando lajotas comuns, um dos mais antigos materiais de construção, só recentemente tiveram uma utilização mais intensa no Brasil. As abóbadas são autossustentadas e trabalham como arcos no sentido transversal e como vigas, no longitudinal, permitindo vãos econômicos de 13 m no sentido do arco e 25 m, no longitudinal.
Leves e de fácil execução, não necessitam de mão-de-obra qualificada e possibilitam generosos balanços. Econômicas, permitem um bom aproveitamento das formas, que, deslizando sob as abóbadas, podem ser utilizadas até 40 vezes (BRASIL, 1982, p.67)
A abobada de tijolos recebe armaduras de ferro para vencer grandes vãos, enquanto que a casca de concreto recebe tijolos para aumentar sua eficiência construtiva. Ao unificar ambos os sistemas, Dieste ainda resolveu as fragilidades técnicas de cada uma delas.
A abóbada de tijolos ganhou segurança estrutural através pelo uso do ferro, e a casca de concreto se tornou mais eficiente com a colocação do material tradicional – o tijolo cerâmico – que contribuiu para a redução do tempo de cura.
A elaboração dessa técnica – que tem como base a técnica tradicional de construção de abobadas trazida pelos colonizadores espanhóis para o Uruguai – levava em conta, ainda, condições locais como material disponível, domínio de um sistema construtivo, mão de obra capacitada e economia, constituindo-se, então, em uma tecnologia própria.
Para Diesti, o centro do problema enfrentado pelo projetista e construtor de edificações era o de salvar vãos e cobrir espaços, permanecendo sempre certa luta contra a gravidade. No entanto, é justamente o peso – a força gravitacional –, quando convenientemente disposto, que torna a estrutura apta a resistir às flexões, decorrentes de cargas inevitáveis em função de fatores, como o vento. Dieste trabalhou, então, essencialmente com cinco possibilidades construtivas, geradas através da técnica da cerâmica armada, são elas: Abóbadas Gaussianas; Cascas autoportantes; Superfícies regradas; Superfícies dobradas ou superfície plissada e Torres Vazadas.
A arquitetura de Apiúna é considerada cerâmica armada – casca autoportante.
Cascas autoportantes
As cascas autoportantes são lâminas finas, compostas por uma única camada de cerâmica que, do ponto de vista da configuração estrutural, atuam no sentido oposto das abóbadas gaussianas, gerando flechas maiores, por se tratar de vãos significativamente menores. São mais convencionais, econômicas e de fácil execução que as gaussianas, mas não menos inventivas – apenas correspondem a uma necessidade programática diferente.
Têm seu uso recomendado quando há projetos nos quais não existem fortes restrições ao uso de pilares no espaço a ser coberto, nem à entrada de iluminação pelas extremidades laterais. Neste tipo, os tijolos são dispostos de forma que as juntas longitudinais e transversais sejam contínuas, de modo que as armaduras possam ser dispostas nessas pequenas juntas.
Do ponto de vista estrutural, agem em compressão transversalmente. Já em seu maior sentido, a abóbada funciona como uma viga, cuja rigidez é dada sobretudo em função da forma estabelecida.
Lembram as estruturas do origami japonês, cuja dobradura faz surgir a resistência do material, tal qual o arco criado. Os arcos possibilitam que gere a flecha, promovida pela presença da gravidade, o que vemos no grande balanço existente no Posto de Fiscalização da Fazenda Estadual de Apiúna.
Antigo Posto de Fiscalização da Fazenda Estadual – Apiúna
As qualidades da técnica adotada – técnica da cerâmica armada – no Posto de Controle Fiscal de Apiúna, comprovam sua eficiência como técnica construtiva, pelo estado que esteve sem uso antes de sua reforma atual.
Diferentemente de 2021 que se encontrava abandonado, isolado por uma cerca de tela metálica, atualmente está em bom estado de conservação e pronto para uso, o qual ainda será definido dentro das áreas do Turismo ou, da Agricultura, de Apiúna.
Recebemos imagens atualizadas, feitas no local em 5 de dezembro de 2023, enviadas pela residente de Apiúna, Lídia Karla Freitas da Silva. As imagens atuais comprovam o bom estado de conservação do local pronto para o uso da comunidade.
Registros fotográficos de 5 de dezembro de 2023, do antigo Posto de Fiscalização de Apiúna enviadas por Lídia Karla Freitas da Silva, residente do município.
Arquitetura de Santa Catarina,
Registrado para a História.
Referências
- BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Manual 1: Breve História do Sistema de Ceasas no Brasil. Brasília, 2008.
- BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. Editora Perspectiva, São Paulo, 1981.
- COSTA, Marcos, O. Eladio Dieste em Apiúna?. Arquitetura e Urbanismo. Disponível em: https://marcosocosta.wordpress.com/2013/01/13/eladio-dieste-em-apiuna/. Acesso em: 16 de março de 2021 – 23:01h.
- FITZ, Leonardo. Artigo: A obra de Eladio Dieste. Porto Alegre, 2015.
- FITZ, Leonardo. A obra de Eladio Dieste. 2015. 265 f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) – Programa de Pós-graduação em Arquitetura, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
- Prefeitura Municipal de Apiúna. Prefeito e engenheiros analisam estrutura do Posto de Fiscalização para projetos futuros. Disponível em: https://www.apiuna.sc.gov.br/noticias/ver/2021/01/prefeito-e-engenheiros-analisam-estrutura-do-posto-de-fiscalizacao-para-projetos-futuros. Acesso em: 16 de março de 2021 – 23:26h.
- ROMÁN, Cláudio Escandell. Dissertação de mestrado: Eladio Dieste e a cerâmica armada. Brasília, 2012.
- SANTANA, Daniela Regina Sales de; SILVA, Paulo Maciel; CATALICE, Aristóteles de Siqueira Campos Cantalice. Ariel Valmaggia e a Tecnicoestática da Cascas de Cerâmica Armada Em Pernabuco. Inventário e Documentação. 13° Seminário DoCoMoMo Brasil. Salvador Bahia. Disponível em:https://docomomo.org.br/wp-content/uploads/2020/04/110965.pdf. Acesso em: 16 de março de 2021 – 23:44h.
- SUZUKI, Juliana Harumi. Tijolo com tijolo num desenho Lógico: As Ceasas e os Pavilhões de Dieste e Montañez no Brasil. 13° Seminário DoCoMoMo Brasil. Salvador Bahia. Disponível em: http://docomomo.org.br/wp-content/uploads/2020/04/110841.pdf. Acesso em: 17 de março de 2021 – 2:51h.
Leituras Complementares – Clicar sobre o título escolhido:
- City Hotel – Blumenau SC – Edifício de 1964 – Arquitetura
- Casarão de Itoupavazinha – Desabou em Janeiro de 2021
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- Casa Sant´Anna – Canelinha SCConsiderações sobre casa de N.º 574 da Rua Itajaí de Propriedade do Espólio de Abelardo Vianna Ana Maria Moraes
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- Mafra SC – Um pouco de sua História – cidade que que recebeu o 1° grupo de imigrantes “alemães” organizados no Estado de Santa Catarina
- Detalhes do Caminho de Blumenau para Itaiópolis SC – Salto Donner – Doutor Pedrinho e Igreja de madeira São Pedro e São Paulo – Distrito de Moema – Outros
- Timbó – SC – Um pouco de história da Colônia Blumenau e paisagem atual
- Mafra SC – Primeiro núcleo de colonização alemã de Santa Catarina – fevereiro de 1829
- Hermann Bruno Otto Blumenau – Primeiro Negociante de Terras no Vale do Itajaí
- Fritz e Hermann – Dois Personagens da História de Santa Catarina
- História comum entre as Colônias Blumenau, Pommerroder, Itapocu, Humbold e São Bento – José Deeke
- Nacionalismo no Vale do Itajaí – partir do Governo de Getúlio Vargas
- Colono no espaço da Colônia Blumenau.
- Centro histórico de Blumenau – Stadtplatz
- Nome dos moradores da Colônia Blumenau – Ano 1857
- Casarão Sachtleben – Registro para História – Blumenau
Sou Angelina Wittmann, Arquiteta e Mestre em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade.
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