CAPA: O primeiro desfile oficial do Oktoberfest Blumenau 1984, em 5 de outubro. Desfile do Clube Caça e Tiro do Badenfurt tendo à frente seu Comandante Ewald Müller, que por muitos anos foi cantor do Coro Masculino Liederkranz e com ele alegrou edições posteriores da festa com o Show dos Velhos Camaradas. Os clubes de Caça e Tiro de Blumenau foram muito importantes para o Secretário do Turismo Antônio Pedro Nunes e a realização do Projeto “Oktoberfest Blumenau”. Ajudaram não somente com o envolvimento das práticas das sociedades, como também na organização da festa, quando o secretário decidiu fazer a primeira edição da festa logo após a grande enchente de 1984.
Quem já não ouviu falar de Clube de Caça e Tiro? De Sociedade de Tiro? Prática e espaço trazidos e criados pelos primeiros imigrantes alemães que chegaram à região ainda no século XIX.
A expressão usada pelas pessoas, que falavam somente o idioma alemão era “Schützenverein” e “Schützenfest” que em português quer dizer “Sociedade de Proteção”, “Sociedade do Rifle” e o mais usado – “Sociedade dos Atiradores” e a “Festa de Rei”. Historicamente, isto tem sentido. Vamos conhecer porquê.
Também lembramos nesta pequena introdução, que por terem sido trazidas pelos pioneiros da região onde atualmente está o território do país da Alemanha, muitos se reportam a essas práticas como se fossem algo “antigo” e que deva ser preservado como algo que lembre aquelas pessoas que aqui chegaram no século XIX; isso faz com que os jovens percam o interesse por algo “tão velho” e tão “ centenário”. Será que não há mais atividades em “Schützenverein” na Alemanha atual?
Escolhemos uma “Schützenverein” entre centenas existentes no país, para ilustrar o conteúdo do texto: atual, cultural e de lazer. Vamos observar algumas imagens da “Schützenverein” de Bispingen (população em torno de 7 mil pessoas, cientes de que 80% da população da Alemanha vivem em cidades médias e pequenas a partir de uma estrutura escalonada tal como surgiu a sociedade medieval (o período histórico “nacional” e predominante dentro da cultura predominante no pais), a maior cidade fornece infraestrutura e apoio para a menor.
Escolhemos uma sociedade da cidade de Bispingen, e registros de um evento de 2019 – Schützenverein Bispingen von 1910 e.V..
Schützenverein Bispingen von 1910 e.V. de Bispingen – realeza 2023.
Imagens “Schützenfest – Rei e Rainha – 2019 – Schützenverein Bispingen von 1910 e.V.
Schützenfest 2023
Também, separamos alguns vídeos com amostras de parte do Schützenfest 2023, em algumas Sociedades na Alemanha atual. Predomina a tradição e o envolvimento de quase toda a população da cidade, famílias com pessoas de todas as faixas etárias, com a predominância da música de sopro e percussão. Destacamos novamente que o desfile para esta cultura é tradição e difere muito do desfile de “carnaval” que se conhece no Brasil.
A origem na Alemanha
Na Alemanha atual e em países de língua alemã, as Schützenverein, traduzindo, Sociedade de Atiradores, são associações voluntárias de tiro, tanto em nível olímpico, quanto de armas históricas. Historicamente, essas associações originaram-se nas cidades independentes medievais da Alemanha, como uma forma de organização de autodefesa local, em especial, contra abusos dos senhores feudais, do poder real, bem como, uma maneira de fornecer segurança à cidade contra saqueadores e invasores e à própria casa de cada família.
Atualmente, as Schützenverein – Sociedades de Atiradores – estão presentes com esse mesmo nome, na Alemanha, Áustria, Tirol Meridional (Itália) e Suíça. Os membros praticam tiro esportivo com regras específicas, a maioria de acordo com as regras olímpicas. A maior parte das armas utilizadas são rifles, pequenas pistolas e as tradicionais bestas que deram origem ao embrião dessas práticas.
A organização dos “Schützenverein” na Alemanha é promovida pela “Deutscher Schützenbund”, originalmente fundada em 1861 em Gotha e resgatada após a Segunda Guerra Mundial, em 1951 na cidade de Frankfurt. Ela conta com cerca de 15.000 clubes e 1.500.000 membros (atiradores), sendo assim, a terceira maior organização de esportes no país.
A origem da palavra “Schützen” significa “protetor” e está ligada às companhias de capturas livres (“Schützenkompanien”) existentes na Áustria (Tirol, Vorarlberg, Salzburgo), Itália (Trentino-Südtirol) e Alemanha (Baviera). Sua origem é do ano de 1511 com a organização de grupos paramilitares no Tirol pelo Imperador Maximiliano de Habsburgo. Durante as invasões napoleônicas contra o antigo Sacro Império Romano-Germânico, uma população da região do Tirol pegou em armas através de uma rebelião popular conquistada pelos atiradores livres (“Protect”), cujo líder supremo foi Andreas Hofer.
O cidadão como defensor da sua cidade – Idade Média
Aqueles que gozavam de liberdade também tinham de estar preparados para defendê-la. Como não havia ordem governamental que pudesse pedir ajuda, era necessária autodefesa. Havia muita violência na Idade Média, e para combatê-la existia uma certa organização, embora, aparentemente, parecesse que havia somente o caos. Mesmo que o imperador ou o príncipe fosse o senhor feudal da cidade, ele ainda estava longe e também tinha seus próprios interesses. Assim, cada cidadão era obrigado a defender a sua cidade e sua casa. Os comerciantes ricos do conselho municipal podiam comprar cavalos para lutar na sela. Os canhões eram guardados no estaleiro municipal ou no arsenal. Os demais lutavam a pé com simples armas de haste. Uma pequena parcela dos cidadãos, não indigentes, fez uso de uma nova arma que vinha sendo usada desde o século XII para combater o inimigo à distância: a besta. Uma arma esquecida desde a época romana, que era mais confiável e, acima de tudo, mais poderosa que o arco e a flecha. No entanto, exigiu mais sutileza, tecnologia e conhecimento na produção e resultou em custos de produção mais elevados, de maneira geral. Embora não fosse tão cara quanto uma espada forjada em aço de Damasco, custava mais do que um simples arco de madeira devido à sua mecânica e peças resistentes.
Qualquer um poderia atirar com uma besta feita por um técnico. Com um pouco de prática, um artesão, um comerciante, um cidadão, tornava-se um bom atirador que poderia lutar contra os inimigos a partir da muralha de sua cidade. Desde o século XII, os besteiros não lutaram apenas nos exércitos reais e principescos durante as guerras, mas também nas tropas urbanas.
Os soldados urbanos medievais em associações de autodefesa, fraternidades de rifle como organizações de proteção das igrejas ou o costume popular de atirar em pássaros por ocasião dos festivais de primavera são os embriões das Sociedades de Tiros – Clubes de Caça e Tiro atuais. Práticas na alegria, porque o inverno terminou e a primavera estava chegando novamente. O povo alemão tem muitas festas para receber a chegada da primavera e do sol, também na sua religião considerada pelo cristianismo de “pagã”. Muitas cidades celebravam um festival de primavera, principalmente no período de Pentecostes. O destaque desses eventos costumava ser o “Tiro ao Pássaro”, ainda hoje conhecido como Schützenfest. Um desses eventos de caça a pássaros, no Clube de Gummersbach, é mencionado em um documento de 1550. Sabe-se, empiricamente, que a prática já acontecia antes dessa data, nesse local e em outros tantos, em várias regiões da Alemanha.
O festival do tiro
Um único besteiro tem uma importância na segurança, mas vários besteiros, cobrindo uns aos outros, são eficazes. Com o apoio das câmaras municipais, os clubes de fuzileiros, embriões das Sociedades de Tiro, foram criados na Alta Idade Média, no início do século XII. Quase sempre estavam ligados à igreja e escolhiam um padroeiro, como São Sebastião, que teria sofrido o martírio nas mãos dos arqueiros. Ao contrário das Sociedades de Tiro atuais, estas mesmas sociedades da época, faziam parte da constituição da cidade e eram a parte visível da luta pela independência e pela ordem autodeterminada nela. Seus membros representavam a cidade onde residiam, trabalhavam e viviam.
O período que vai do século XV até a eclosão da Guerra dos Trinta Anos, em 1618, foi o apogeu dos Schützenverein (Sociedades de Atiradores – Clubes de Tiro) e de seus Schütznfest (festivais de tiro). Eventos historicamente marcantes, e com a Reforma, não mudaram isso. Só nas cidades do Sul e Centro da Alemanha, mais de mil festivais aconteceram durante este período. Após a Paz de Vestfália, em 1648, foram retomados numa escala menor; mesmo assim, atualmente é o terceiro esporte praticado na Alemanha, em mais de 15.000 Schützenverein – Sociedades de Tiro.
Os festivais de tiro não eram eventos anuais, mas aconteciam de vez em quando, por se tratarem, inicialmente, de festas locais.
Os primeiros festivais de tiro eram alardeados publicamente através de um tipo de comunicação pública, que apresentava as condições e regras de tiro, o campo de tiro e os prêmios oferecidos. A composição do tribunal e o papel do pessoal do campo de tiro também eram mencionados. Quase se poderia dizer que existiam regras justas nas competições desportivas e igualdade de oportunidades. Outras diversões como corridas e, sobretudo, loterias, também costumavam ser realizadas com o objetivo de promover – e financiar – a visita a um festival de tiro, em cujo local havia comida e música. Tudo se iniciava com o tradicional desfile até o local do festival, que havia sido preparado com a montagem de tendas, usadas até hoje nas festas predominantes da Alemanha. Os campeonatos de tiros duravam muito tempo. Durante esse campeonato as pessoas se divertiam, brigavam e também trocavam ideias sobre armas, arranjavam negócios e casamentos e “faziam política”. Após aproximadamente dez dias, tudo terminava. Existe vasto material documentado sobre o evento, para pesquisa e apontados recordes a serem batidos, heróis e perdedores. Um festival de atiradores era o ponto máximo da sociedade de uma cidade medieval de cultura germânica, que geralmente pertencia ao Sacro Império Romano. Evento anual.
O uso do rifle
Em torno de 1500, os príncipes emergentes do império perceberam a importância dos festivais de tiro. Mais bem reestruturados, poderiam também oferecer aos príncipes do Estado territorial moderno, um ambiente para a sua auto representação. No início mantinham os festivais organizados pelas cidades que tinham experiência própria na organização. Depois foi usado cada vez mais pessoal próprio para as competições. As festas ganharam tamanho e grandiosidade, mas perderam originalidade e igualdade.
Inúmeros membros da organização tentavam manter a ordem no campo de tiro: os “mestres da prisão”, homens da lei, tentavam punir as violações, punir os desordeiros e manter o público fantasiado de arlequim com piadas grosseiras de bom humor. No final, escreviam os resultados em forma de rima. Os “miradores” determinavam quem havia acertado, onde e com que frequência; os funcionários anotavam meticulosamente os resultados, outros recolhiam os dardos novamente. Se ao final houvesse empate, entrava em ação um distinto tribunal arbitral, dotado de plenos poderes. Perdeu a graça.
A arma de fogo substituiu a besta no final do século XV. Armas de fogo também foram permitidas no campo de tiro desde então. Detalhe, a besta permanece como arma de competição até hoje. Durante muito tempo foi considerada a variante mais elegante do tiro. As competições dos festivais determinam em suas competições que bestas e rifles sejam disparados contra um alvo pequeno e redondo, a cerca de 80 passos de distância no campo de tiro. É vencedor qualquer atirador que “acertou o alvo” “acertou em cheio” – ainda nos dias atuais é um desafio. Ou uma águia de madeira é presa em um poste alto, para alvo e significa que foi baleada em uma campina. O vencedor do tiro à águia (pássaro) foi quem, para diversão de todos, arrancou a última parte e assim, “atirou no pássaro”, uma das atividades das Sociedades de Tiro na região, cuja origem não é conhecida por todos na região do Vale do Itajaí. Em algumas cidades do século XV, o prêmio em dinheiro era tão alto que havia atiradores profissionais que ganhavam a vida com isso.
Tudo isso lembra o esporte no tempo presente, mas o conceito de lazer necessário para sua prática e na sua prática ainda não existia. Foi uma competição de armas, longe da guerra, mas a serviço da representação da cidade ou dos nobres. Existia a formalidade e a vassalagem.
Em 1568 os privilégios da guilda dos fuzileiros foram renovados e confirmados. O mestre da guilda usa uma joia muito preciosa como distintivo de sua dignidade, que fica na prefeitura. No século XVIII, o entusiasmo pelo tiro com rifle diminuiu. Os festivais de rifle nunca se recuperaram da queda do Sacro Império Romano, em 1806.
As condições sociais mudaram, as cidades perderam a sua liberdade e, desde a Revolução Francesa de 1789, cidadãos e a nobreza encontraram-se em circunstâncias e situações diferentes. Todo o sistema de fuzileiros foi revivido após as guerras de libertação no século XIX, mas agora sob as condições do sistema de associação burguesa. Era algo diferente do autorretrato urbano e principesco dos séculos anteriores: a seriedade e disciplina se transformaram em diversão e lazer sob as práticas, que poderiam ser divertidas, de uma cultura centenária até mesmo travestido da nobreza, como rei, rainha e cavalheiros.
No Vale do Itajaí – antiga Colônia Blumenau
A Schützenfest, com origem na Alemanha, nos Schützenverein e nas suas práticas. Sociedades de Tiro, lugar de lazer dos pioneiros alemães e de seus descendentes, até o momento presente em quase todas as cidades da região que teve em seus espaços, a presença da cultura alemã.
A migração de alemães para a região teve início no mesmo século em que aconteceu um resgate desta prática, Schützenfest, como lazer, na Alemanha. No início da história local dentro das regiões (Vale do Itapocu e Vale do Itajaí), era a maneira de a população masculina manter suas habilidades com as armas e, consequentemente, a segurança das cidades e povoações, a exemplo de sua origem nas cidades medievais alemãs. Somente que com outros adversários, outra sociedade e outro cenário político. Muitos dos homens, pertencentes às famílias importantes da comunidade, também faziam parte do Batalhão de Caçadores (Jägers). Na Colônia Blumenau há registros históricos sobre essa prática, na Colônia Blumenau. A sociedade que se formava, construía sua casa provisória, a escola/igreja e a sede da Sociedade. Morar, trabalhar, orar, instruir-se e praticar o lazer, questões relevantes para a formação de um embrião urbano sob o aspecto de projeto de cidade. O ir e vir? Desde o princípio contavam com a intermodalidade a contar com o uso do rios e ribeirões para locomoção acompanhado de planos para a construção da ferrovia, cujo primeiro trecho foi inaugurado somente seis décadas após a fundação da Colônia Blumenau, ligando a estação ferroviária de Blumenau e a estação de Warnow – Indaial, em 1909.
O termo “caçador” não tem ligação com a prática da caça e nem tampouco com mercenários, como ouvimos de pessoas esclarecidas. “Caçador” é um tipo de soldado de Cavalaria ou Infantaria rápida existente nas Forças Armadas não somente do Brasil, mas de alguns países, inclusive da Alemanha. Existiam vários tipos de Caçadores, como: caçadores a pé, a cavalo, de montanha e mais atual, paraquedistas.
O termo “Caçador” foi usado nos exércitos de países como: Portugal, Brasil, Alemanha, Áustria, França, Bélgica, Espanha, Argentina, Suécia e Romênia.
Antes de surgirem os “Caçadores”, existiam em seu lugar, os besteiros medievais, que tanto usavam as suas armas na caça de animais em tempo de paz, como as usavam no combate, em tempo de guerra, conforme mencionado. Aqueles mesmos besteiros que criaram o embrião do Schützenverein.
Nas colônias alemãs do Brasil, também formaram o grupo de Jägers e esses frequentavam, agora já solidificados Schützenverein, para se divertir e simultaneamente, praticando a pontaria de tiro. Eram muitas e, ainda são muitas sociedades, e não vivem assim, porque “o alemão é teimoso e difícil”, como já ouvimos inúmeras vezes, mas porque se organizam através de. Vimos isso nas cidades atuais da Alemanha atual. Basta existir uma atividade, praticada por duas pessoas, que existe um “estatuto”, para organizar, ou, uma sociedade.
A Schützenverein
Os primeiros imigrantes alemães em grupo organizado chegaram às regiões do Vale do Itapocu e do Vale do Itajaí por volta de 1850 e com eles, surgiram algumas tradições adequadas ao local escolhido para morar, mantidas e readequadas, até o tempo presente.
Essa migração foi consequência da propaganda efetuada pelo governo brasileiro na Europa, para ocupar as fazendas de café no sudeste do país e mais tarde, também por outros interesses. Para estimular a vinda dos imigrantes europeus – principalmente ex combatentes das guerras napoleônicas, foi desenvolvida intensa campanha propagandista. Lembramos também que os homens nessa época, na Europa, faziam parte dos grupos de “Jägers” e nem por isso eram contraventores. Já ouvimos historiadores chamarem parte desses imigrantes de mercenários.
Na segunda metade do século XIX, o Brasil vivenciava as dificuldades de um país recém-declarado independente que buscava a sua consolidação política. Era necessário colonizar áreas no Sul do país, como também, preencher os grandes vazios demográficos nas regiões de fronteiras, as quais assegurariam a manutenção da integridade geográfica do Império.
Nesse contexto iniciou-se a chegada dos imigrantes como também, ocorreu no início no Stadtplatz de Blumenau e de Joinville.
A ocupação e a transformação das regiões Norte e Nordeste do Estado de Santa Catarina, que adotaram a política de colônias foi trabalhosa e com muitos desafios a serem vencidos. Os primeiros imigrantes ocuparam um território desconhecido, sem muito apoio da administração da província, do governo brasileiro e desprovidos de infraestrutura básica, além da limitação do idioma, pois não falavam português ou guarani, com raras exceções. E também, a região já possuíam residentes, os nativos.
Por motivos históricos já mencionados referentes aos Grupos de “caçadores” e ex combatentes das Guerras Napoleônicas, tinham familiaridade com as armas e suas práticas – usadas na defesa do território. Eram filhos e contemporâneos dos conflitos armados que deram forma à nova configuração geográfica europeia da época. Tinham habilidade no manuseio de armas e muitas de suas atividades de lazer as envolviam, como o tiro ao alvo.
Os imigrantes trouxeram as práticas da Sociedade de Tiro – Schützenverein. No Brasil, como na Alemanha atual, a tradição continua e ainda praticam as atividades no Schützenverein com destaque para o Schützenfest. Não é algo exclusivo da região local do interior de Santa Catarina como alguns apontam.
A característica do perfil social dos imigrantes e dos alemães de apreciar o convívio e lazer nas Sociedades e ao ar livre e não em suas residências, não é plenamente compreendido no Brasil sob a ótica da antropologia.
Por segurança, no Vale do Itajaí e no Vale do Itapocu, diante dos muitos conflitos com os nativos (que não foram considerados pelo governo brasileiro durante todo o processo de imigração), nos contra-ataques de animais de grande porte que viviam na mata e na aquisição de alimentos por meio da caça, os imigrantes alemães treinavam a prática com as armas por meio de competições (trazidas de sua origem), transformando a oportunidade em prática de lazer e de encontro social. Criaram, assim, a Sociedade de Tiro conhecida como Schützenverein.
Schützengesellshaft Blumenau
Em Blumenau, no ano de 1859, após a doação de um espaço de terra de 2.500 m2 para a prática de tiro, foi criada a primeira sociedade recreativa.
O Presidente da Província aprovou os estatutos do primeiro Schützenverein com algumas observações:
– O stand de tiro deveria estar localizado distante da vila e cercado, para evitar perigos aos transeuntes;
– Era proibida a presença de pessoas estranhas no local;
– Restringir o número de armas a 10 e as munições apenas ao necessário.
Pode-se dizer que nove anos após a fundação da Colônia Blumenau, em 2 de dezembro de 1859 – no aniversário do Imperador do Brasil – D. Pedro II, aconteceu a fundação da Sociedade de Atiradores de Blumenau – Schützengesellshaft Blumenau. A Homenagem é algo cultural e inerente aos imigrantes alemães, que vinham de um sistema com sua origem na sociedade feudal e naturalmente, nutriam respeito ao “Senhor Feudal” do sistema no qual estavam. O Imperador brasileiro tinha o respeito máximo da sociedade desses imigrantes.
Schützengesellshaft Blumenau foi instituída por um grupo de imigrantes, integrantes e voluntários na organização da comuna, criada por Hermann Blumenau. Esta iniciativa resultou na primeira de muitas Sociedades de Atiradores da região, centros esportivos e culturais que foram fundados na colônia e depois, no município de Blumenau e com isso, em toda a região do território da Colônia Blumenau.
Os estatutos da Sociedade do Stadtplatz da colônia, Schützengesellshaft Blumenau foram aprovados em 1863 – consolidado pelo ofício enviado por Pedro Leitão da Cunha a Hermann Blumenau com o seguinte teor:
“Palácio do Governo, de Sta Catarina, 13 de julho de 1863. Nesta data aprovo os estatutos da Sociedade do Tiro, que me foram apresentados pelos colonos Victor Gilsa, Carlos Guilherme Friedenreich e Dr. Bernardo Knoblauch, dessa colônia, com as seguintes restrições que V. Mcê. lhes fará constar pelos meios que julgar mais conveniente: 1° que a casa seja colocada em um ponto distante de qualquer povoação e das vias públicas; 2° que o terreno seja cercado e elevado da parte onde se haja de colocar o alvo, se sorte que não ocorra o menor perigo de ofender-se qualquer pessoa, que por ali passe; 3° que nas horas de exercício não sejam admitidos no centro pessoas estranhas a ele, nem expectadores que fiquem ao alcance dos tiros; 4° que a Sociedade deverá ter um número limitado de armas, não podendo exceder de dez, devendo cada colono ter a pólvora somente que for precisa para o número de tiros que houver de dar em cada exercício. Cumpre que V. Mcê. tenha toda vigilância e cautela nestes exercícios, de modo que não se deem abusos, pelos quais fica responsável. Deus guarde a V. Mcê. Pedro Leitão da cunha”.
Alguns dos 47 sócios fundadores da Schützengesellshaft Blumenau foram:
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- Carl Wilhelm Friedenreich
- Heinrich Pettermann
- Jacob Louis ZimermannJayme Dittmar
- Rudolph Oswlad Hesse
- Victor Gärtner
- Victor von Gilsa
- Hermann Blumenau
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A partir de 1875 começaram a surgir outras sociedades de tiro, seguindo o primeiro modelo – Schützengesellshaft Blumenau. Os núcleos urbanos dentro da grande Colônia Blumenau eram distantes uns dos outros, o que muito contribuiu para o surgimento das novas Sociedades ou Clubes.
Quem já não ouviu, na cidade de Blumenau, a seguinte justificativa?
“O alemão é teimoso e competitivo e isso explica o número de clubes de tiro na cidade.”
Afirmativa originada pelo desconhecimento e etnocentrismo, pois os “alemães” não são todos iguais e não possuem as mesmas práticas e cultura. Esta varia de acordo com a região de origem de cada “alemão”. Exemplo: Norte da Alemanha – práticas de pessoas que residem na costa marítima do Báltico e de onde onde chegaram os pomeranos para a região. Sul da Alemanha – práticas de pessoas que residem nas montanhas e que estiveram sob o domínio de Roma por séculos e é somente nessa região da Alemanha, ou, em uma parte pequena dessa região, que estão aqueles que usam o Lederhose, a conhecida calça curta de couro e que muita gente imagina que todo alemão usa e é um “Fritz’ quando o faz. É preciso conhecer.
Sociedades
Ouvimos outras tantas justificativas de origem empírica sobre “o grande número” de sociedades na região do Vale do Itajaí. Lendas! Naquele tempo e no tempo atual, na Alemanha, tal como funcionam os grupos de Stammtisch, também estão as sociedades (de diversas naturezas). Culturalmente a organização faz parte da formação do indivíduo para esse povo. Se há um grupo de amigos, que joga cartas, ou joga futebol, ou joga Bocha, ou pratica tiro, ou skat, ou….Etc…etc…Sempre será criado uma sociedade ou associação para organizar essa atividade e resgatar uma pequena verba para quitar contas básicas comuns, como a Bier, o espaço, o material e outras.
Esta prática foi trazida para a região do Vale do Itajaí, pelos imigrantes alemães, até mesmo pelos que chegam à região até os dias atuais.
Onde há pessoas mais antigas, em grupos culturais (no C.C. 25 de Julho de Blumenau, por exemplo), existirá uma diretoria e maneira de resgatar fundos, sob a coordenação de seu tesoureiro. Conhecemos muitos grupos tradicionais que se estruturam exatamente assim e talvez desconheçam porque o fazem.
Na Alemanha atual existem muitas sociedades de práticas culturais e esportivas. Muitas. Basta formar um grupo de amigos, formalizar uma pequena sede e definir o dia semanal do encontro. A sociedade se faz necessária para formalizar o grupo e para dividir despesas para se divertir – com Bier, sede e material. Vimos algumas de várias naturezas em nossas viagens por lá. É uma pequena organização formalizada de amigos. Estes amigos se encontram para praticar seu lazer, que poderá ser até de tiro dentro de um Schützenverein.
Em síntese, como na Alemanha e em outros países de língua alemã, se resumia, em um primeiro momento na prática em que mantinham a boa pontaria dos homens com as armas de fogo e bestas – geralmente soldados dos exércitos e urbanos. Do exercício desta prática, criaram competições em seus momentos de lazer. Estes hábitos foram trazidos para a região pelos imigrantes. Por iniciativa do fundador da Colônia Blumenau, antes de completar uma década, a colônia possuía sua Schüntzenverein – Schützengesellshaft Blumenau, para os momentos de lazer dos homens locais e também de treino de tiro.
Devido à 1ª Guerra Mundial, as Sociedades tiveram suas atividades encerradas no período entre 1917 e 1921. Em, 1938, a Schützengesellshaft Blumenau teve que trocar de nome e adotou o nome de Sociedade de Atiradores de Blumenau.
Parte da história da região e que teve grande impacto, foi o período do Nacionalismo, que se iniciou antes da 2° Guerra Mundial por iniciativa de Getúlio Vargas. Em Blumenau, de 1939 a 1940, aconteceu o aquartelamento do 32° Batalhão de Caçadores no Clube e em 1944, adotou-se o nome de Tênis Clube Tabajara. Em 1946, Schützengesellshaft Blumenau passou a se chamar Tabajara Tênis Clube.
A Festa de Rei – Schüntzenfest – Colônia Blumenau
Na época, e mesmo nos dias atuais, um dos acontecimentos mais aguardados nas sedes das Sociedades de Tiro era e é, a Schützenfest, a Festa de Rei e Tiro ao Pássaro.
A festa, Schüntzenfest, era realizada uma vez ao ano, geralmente no mês de maio (início da primavera alemã, como feito na Alemanha) e durava três dias.
O primeiro dia era reservado ao festejo religioso, o segundo dia era de competições de tiro, no qual os atiradores se reuniam para dar início ao desfile e seguir conforme a programação. Neste dia, como ainda acontece hoje, valiam os prêmios de “Rei do alvo” e “Rei do pássaro”.
No terceiro dia, após a finalização do “tiro ao pássaro” e a entrega da bandeira da Sociedade, acontecia a proclamação dos vencedores do tiro de “Rei do alvo” e “Rei do pássaro” e de seus cavalheiros, que eram os classificados nas colocações de segundo e terceiro lugar com o melhor tiro.
Após isso, acontecia o início do grande baile social.
Passados, os anos, além da festa de Rei, as sociedades atuais adotaram também, a escolha da Rainha.
Formalmente e historicamente – em séculos passados – com raras exceções, no Ocidente, não havia a presença de mulheres no meio militar e de guerra. Isso Explica o fato de aclamar o Rei entre os melhores atiradores de uma Sociedade de Tiro. A Alemanha adotou como seu período histórico nacional – o período medieval, onde uma das características muito fortes é a estruturação social a partir do sistema feudal, no qual o Rei, juntamente com a igreja, ocupava o lugar mais alto e depois, quem o cercava – a nobreza, justificando o título do campeão do tiro de uma sociedade.
No Período que ocorreu as duas grandes Guerras do século XX, as atividades esportivas, sociais e de lazer pararam em Santa Catarina. Ambientes foram fechados e material das Schützenverein destruídos. O primeiro Schützenverein de Blumenau teve seu nome “abrasileirado” para Tabajara Tênis Clube. Alguma coisa do tempo anterior foi preservada, porque as pessoas literalmente enterraram, ou eram seguramente guardados.
Em Blumenau Atual – um exemplo de Schützenfest
Em 11 de dezembro de 2016, a comunidade e sócios do Schützenfest Harmonie – Associação Recreativa Desportiva do Serrinha, localizado na Vila Itoupava – Blumenau, comemorou seu 120° aniversário de fundação, junto com sua tradicional Schützenfest – Festa de Rei e Rainha. A data de sua fundação é comemorada no dia 6 de dezembro.
Por volta das 10h30 de 11 de dezembro, já aconteciam momentos da programação na sede do Schützenverein Harmonie. Esta foi intensa e movimentada. Iniciou com a busca tradicional do Rei, acompanhada, em desfile, dos sócios e convidados. Após, todos participaram de um almoço festivo que foi seguido pela apresentação do Show dos Velhos Camaradas – com a presença do Coro Masculino Liederkranz do C.C. 25 de Julho de Blumenau. O momento musical teve uma duração de aproximadamente uma hora e meia. Na sequência foi entregue uma Menção Honrosa aos sócios beneméritos e amigos da Sociedade.
Dando sequência às comemorações do 120° aniversário do Schützenverein Harmonie, foi servido um completo café com as iguarias da mesa do imigrante alemão. Após, seguiu-se o baile, abrilhantado pela Banda Musical XV.
No vídeo, a Busca do Rei – abrindo o evento do Schützenfest e as comemorações de aniversário com a apresentação do novo Rei e Rainha, música e dança.
O comandante também existia e ainda existe, no Vale do Itajaí. Na cidade de Blumenau, muitos conheceram Ewald Müller, residente do bairro de Badenfurt e cantor centenário Coro Masculino Liederkranz. Herr Müller foi um dos mais conhecidos comandantes – a capa deste artigo.
O Traje do Comandante
O Traje do Comandante do cortejo da tradição local, de busca ao rei do tiro. Tradição trazida pelos primeiros imigrantes alemães, muitas vezes ex-combatentes das guerras napoleônicas, prussianos que lutaram em busca da unificação dos muitos Ducados, muitos deles membros do antigo Império Romano. As canções, geralmente de sopro, eram tocadas por bandas marciais e os desfiles, lembravam muitos os desfiles militares. Lembramos que a Alemanha surgiu como Estado – no ano de 1871, com o surgimento do Império Alemão. Lembramos da bandeira histórica exposta no museu.
Algumas imagens que comunicam
Alguns registros de diferentes recortes de tempos históricos, relacionadas às Sociedades de Tiro da região.
A Tradição e a Memória material e imaterial de uma sociedade, pode ser moldada de acordo com as práticas sociais e do espaço geográfico que esta sociedade ocupa, dentro de um recorte de tempo histórico. Mas não significa que, em especial, a tradição deva ser extinta, por um simples fato: é atemporal.
“A tradição para quem vivencia, não tem explicação. Vive-se” Cristina Ferreira – Historiadora
Um Registro para a História.
Sou Angelina Wittmann, Arquiteta e Mestre em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade.
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Referências
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- BOCK, Martin Bock (Bergheim). Das rheinische Schützenwesen. Ursprünge, Traditionen und Entwicklungslinien – Portal Rheinische Geschichte. Disponível em: https://www.rheinische-geschichte.lvr.de/Epochen-und-Themen/Themen/das-rheinische-schuetzenwesen.-urspruenge-traditionen-und-entwicklungslinien/DE-2086/lido/5ca49fdc63ad57.90122432. Acesso em 29 de agosto de 2923 – 15h38.
- GERLACH, Gilberto. Colônia Blumenau no Sul do Brasil. Gilberto Schmidt-Gerlach, Bruno Kilian Kadletz, Marcondes Marchetti, pesquisa; Gilberto Schmidt-Gerlach, organização; tradução Pedro Jungmann. – São José : Clube de Cinema Nossa Senhora do Desterro, 2019. 2 t. (400 p.) : il., retrs.
- Gummersbacher Schützenverein von 1833 e.V. Über den Verein – Die Anfänge. Disponível em: https://www.gsv1833.de/gsv1833-e-v/ueber-den-verein-2/. Acesso em 29 de agosto de 2023. – 15h34.
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- Schützenverein Harmonie – 120 anos de História – Momentos e História – (S.R.D. Serrinha)
- História… Schützenverein
- Schützenverein Eintracht – Museu dos Clubes de Caça e Tiro de Blumenau
- Tradição do Schützenverein e Momentos do 29° Schützenfest – Jaraguá do Sul
- Johann Peter Wagner / Pedro Wagner – O pioneiro
- Nacionalismo no Vale do Itajaí – a partir do Governo de Getúlio Vargas
- 90 anos de idade – Sr. Ewald Müller – Coralista do Coro Masculino Liederkranz
- Entrevista – Marga Holzmann Nunes – A História do Oktoberfest Blumenau
- O Grupo Folclórico Alpino Germânico estará comemorando o seu Jubileu de Ouro – 50 anos de História.
- Imigrantes alemães nas Fazendas de Café do Rio de Janeiro – São Paulo e depois – Santa Catarina – Século XIX – Kaffeepfklücker
- Erlenbach – Conhecendo Spiel Boule