As transformações urbanas de Blumenau: do Stadtplatz ao enxaimel
Capa: A área central de Blumenau vem “sendo verticalizada” sobre as paisagens natural e histórica da cidade.
Observar as mudanças ocorridas em um recorte de tempo de aproximadamente 100 anos (1924-2024), em um ambiente que surgiu e pode ter sido resultado de um primeiro projeto de ocupação territorial, local e regional, executado pelos primeiros pioneiros do Vale do Itajaí.
Para iniciar, com o objetivo de conhecimento e enfoque da História, apresentaremos de maneira sucinta, o contexto político, econômico e social da Província – Estado de Santa Catarina, no período em que foi criada a Colônia Blumenau e como esta foi desenhada e planejada, talvez o primeiro plano urbano do Estado.
A povoação de Santa Catarina é bem recente, se comparada a outras regiões litorâneas do país.
A povoação no litoral catarinense aconteceu em meados do século XIII. De acordo com o estudo da tese do Professor Vilmar Vidor, o objetivo desta povoação foi de ordem militar. O Governo Imperial incentivou o deslocamento de alguns grupos de açorianos para a costa catarinense, fundando, então, em 1645, o povoamento de São Francisco do Sul e um pouco mais tarde Florianópolis e em 1676 o povoado de Laguna. O único povoamento existente no interior da Província era o de Lages, criado em 1771, ao lado da Estrada que liga São Paulo ao Rio Grande do Sul.
No século XIX, a natureza da política de povoamentos mudou do cunho militar para o de desenvolvimento econômico.
Em 1829 começou o povoamento pelos imigrantes alemães no estado. Em fevereiro de 1829, chegou o primeiro grupo de imigrantes alemães às margens do Rio Negro – nessa época território paranaense – Santa Catarina tinha outra configuração territorial. Estes pioneiros fundaram a Colônia de Rio Negro, ocupando as duas margens do rio, que mais tarde se tornaria o limite entre os dois estados, sendo uma das margens povoada, originando Mafra, a primeira colônia alemã catarinense.
Também no ano de 1829 – chegou um grupo de alemães na capital da Província de Santa Catarina –Nossa Senhora do Desterro, quando autoridades locais não estavam preparadas e após a quarentena do grupo, realocaram-nos para uma região do continente onde hoje está a aproximadamente e atual sede do município de São Pedro de Alcântara. O grupo de alemães, em torno de 60 pessoas, chegaram ao local no dia 1° de março de 1829. Posteriormente, muitos destes se dispersaram, com o aval e o incentivo das autoridades catarinense, pela aridez e não adequação do solo para a prática da agricultura. Muitas famílias destes pioneiros, chegaram ao Vale do Itajaí, mesmo antes do fundador da Colônia Blumenau – Hermann Blumenau, os quais auxiliaram o fundador de Blumenau nas primeiras iniciativas e empreitadas.
Em 1836 foi fundada Itajaí, com a criação de um curato por um imigrante português que se desenvolveu com a chegada dos imigrantes alemães a partir da segunda metade do século XIX; Nova Itália e Nova Trento, foram fundadas por imigrantes italianos. Itajaí, cuja localização ficava próxima ao porto marítimo, no qual, nos anos seguintes desembarcariam milhares de imigrantes alemães e de onde, enviavam as notícias iniciais para a Alemanha, com as primeiras impressões do mundo novo.
Em 1848, conforme o artigo 16 da Lei Geral n° 514, cada província teve o direito a 36 léguas quadradas de terras virgens. Era proibido o uso de mão-de-obra escrava. Os agricultores e imigrantes não seriam proprietários de suas terras, se em cinco anos não as cultivassem. Esta lei permitiu a criação de colônias provinciais e que regeram o sistema fundiário até a Proclamação da República, em 1889.
Em 15 de maio de 1850, através da assinatura de contrato entre os Príncipes de Joinville e a sociedade de colonização de Hamburgo, aprovado por decreto governamental, foi fundada a Colônia de Dona Francisca, atual Joinville. No mesmo ano, Hermann Blumenau funda a Colônia Blumenau.
Hermann Blumenau e os 17 imigrantes aportaram às margens do ribeirão da Velha e Garcia, marcando o início da Colônia Blumenau.
Em 1850, então é instituída a Lei de Terras, regulamentada pelo Decreto 1.318 de 1854, acelerando o processo de povoamento na Província. Em 1859, nove anos após, a Colônia Blumenau contava com 943 habitantes que ocupavam 169 lotes coloniais e urbanos, ocasião em que a colônia foi elevada a Distrito de Paz.
Para o morar, os pioneiros e suas famílias construíram suas casas de acordo com o momento do recorte histórico, dentro de uma evolução de usos diversificados de materiais e tecnologia, refletindo, igualmente, o momento econômico.
“Hermann Blumenau, tendo já a prática do comércio e da pequena indústria, estabeleceu a empresa Blumenau & Hackradt, que recebeu do Presidente da Província, por compra, uma gleba de terras as quais, se somaram outras, adquiridas de terceiros, compondo um todo de 150 mil jeiras.” (VIDOR, 1995)
A leitura da malha urbana do Stadtplatz, primeira centralidade Blumenau, foi possível com base em algumas abordagens arquitetônicas e geográficas, ou seja, a reflexão do espaço a partir do estudo morfológico. Este estudo é resultado da ordenação dos elementos urbanos organizados de maneira semelhante dentro da malha caracterizando uma totalidade dentro do contexto urbano.
“No intervalo compreendido entre a chegada e a ocupação do lote próprio, os migrantes se ocupavam de trabalhos agrícolas, da derrubada de matas; eles eram igualmente obrigados a participar nos serviços gerais de abertura de estradas, construções de pontes e outras obras de interesse coletivo, não somente para não ficarem na ociosidade, segundo disseram, mas, sobretudo, para conhecerem o novo quadro da vida.” (VIDOR, 1995)
Stadtplatz
Stadtplatz foi o primeiro núcleo urbano da Colônia Blumenau e do Vale do Itajaí. Os primeiros imigrantes alemães participaram diretamente da construção e da escolha do local de espacialização dos primeiros elementos e infraestrutura urbana. O parcelamento foi iniciado em 1852, pela medição e demarcação dos lotes coloniais.
Parcelamento
O rio Itajaí-Açu e os ribeirões Garcia, Fresco, Velha e Bom Retiro foram de grande importância na definição do traçado do Stadtplatz em 1852, conforme registrado no primeiro mapa (1864). O traçado dos primeiros lotes urbanos surgiu a partir da localização e orientação do rio Itajaí-Açu e ribeirões. Este cuidado estava relacionado à acessibilidade por esses caminhos naturais, e também à facilidade do livre acesso à água, para fins de uso doméstico na propriedade e para a irrigação da plantação.
A conformação geográfica dos rios e a topografia colaboraram para a definição do desenho do parcelamento de terra. Segundo Deeke, os lotes se dividiam em três tipos dentro da malha, observando sua linha de fundo.
– Reta: Formando lotes de profundidade desigual;
– Sinuosa: formando uma paralela ao traçado do curso d´água;
– Escalonada;
O parcelamento e o desenho do solo eram formados por lotes estreitos e compridos, paralelos entre si e perpendiculares ao rio, aos caminhos e às curvas de nível. Predominaram os lotes com testadas muito estreitas para o caminho (estrada, picada, rio ou ribeirão) e com profundidades extensas, tão extensas que em algumas situações se confrontavam com a profundidade de um lote situado em outro curso d´água.
Ainda, existe o fator cultural para esta configuração urbana detectada no Stadtplatz da Colônia Blumenau.
Segundo YAMAKY citado por Del Rio, muitas das cidades de culturas alemãs são estruturadas pela rua principal e o rio, portanto em um vale.
O parcelamento do primeiro núcleo da Colônia Blumenau surgiu a partir da adequação da paisagem natural, formada pelo vale (rios, ribeirões e montanhas) e a necessidade de acessibilidade às propriedades, aproveitando os caminhos naturais. Também houve reflexo das cidades alemãs sobre e estruturação urbana a partir da rua principal e rio.
Traçado
No Stadtplatz, o traçado surgiu para completar e interagir com os caminhos naturais já existentes: rios e ribeirões.
Os primeiros lotes foram entregues aos colonos em 1852. No início da colonização, as famílias residiam na sede da Colônia, no Stadtplatz – geralmente instalado no Galpão do Imigrante. Deslocavam-se diariamente até sua gleba de terra para o trabalho na plantação, como acontece até os dias atuais em vilas na Alemanha. À medida que os novos imigrantes chegavam à Colônia, iam sendo demarcados os lotes urbanos e rurais ao longo das picadas já abertas, formando as linhas coloniais, onde os colonos passavam a ir à sede somente nos finais de semana. Este traçado ia tomando a forma de “espinhas de peixe” adequado a topografia da região e aos vales e cursos d’água, construindo assim, quarteirões abertos.
Com a consolidação da centralidade do Vale do Itajaí, aproximadamente o território da Colônia Blumenau, ocorrido na metade do século XIX, em diferentes recortes de tempo, surgiram elementos que consolidaram o desenho do espaço público de Blumenau e a morfologia e estrutura da malha da cidade.
Elementos capazes de responder pela descontinuidade da paisagem urbana – Stadtplatz.
Porto:
Local onde aportavam e partiam as pessoas, nas primeiras décadas, geralmente imigrantes e suas famílias, rumo a Itajaí e de lá para outras partes do Brasil e exterior, geralmente Alemanha. O porto estava localizado às margens do Itajaí-Açu, na foz do ribeirão Garcia. De frente para a Palmenalee, rua das Palmeiras, atual Alameda Duque de Caxias. Rua esta em que os lotes coloniais foram logo ocupados, por casas comerciais, residências e igreja. No terreno situado às margens do rio Itajaí-Açu foi criado um espaço público através de uma praça linear ao rio. Ponto de encontros, e pequeno comércio local. O porto, depois do rio Itajaí-Açu, foi o primeiro a se firmar como elemento estruturador da cidade. A primeira área local a ser ocupada foi no seu entorno imediato, à foz do ribeirão Garcia. Um dos primeiros pontos focais e espaço de contemplação na história de Blumenau.
Palmenalee – Rua das Palmeiras – Boulevard Hermann Wendeburg – Alameda Dr. Blumenau:
Atual Alameda Duque de Caxias. Grande avenida desenhada nos moldes das grandes avenidas francesas. Com duas largas pistas de rodagem (sem que ainda houvesse a presença do automóvel, separadas por duas fileiras de palmeiras e um caminho para pedestres. O início do boulevard se dava no porto, como marco “ zero” da cidade. Sua implantação considerou a orientação do porto, paralelamente ao ribeirão Garcia, orientando de certa forma a ideia de rua principal paralela ao rio ou ao ribeirão. Conforme analisaram Peluso e outros pesquisadores, as cidades de colonização alemã apresentam crescimento linear e radial de acordo com a estruturação, geralmente, percebida nas cidades da Alemanha. Os eixos são orientados paralelamente aos cursos d´água.
Rio Itajaí Açu:
O primeiro grande elemento natural estruturador do primeiro núcleo da Colônia Blumenau, responsável pela viabilização do Porto. É o resultado da união das águas de inúmeros afluentes, que tem início em Rio do Sul, no ponto em que há o encontro dos rios Itajaí do Sul e Itajaí do Oeste. Elemento focal natural importante e direcionador na estruturação posterior do Stadtplatz, como também de outros tantos núcleos urbanos que nasceram ao longo de suas margens, no Vale do Itajaí. Esta facilidade de acesso facilitou a formação da rede de povoados, embrião da rede de cidades do Vale do Itajaí.
Fonte de alimento e água para irrigação da plantação do imigrante.
Local do encontro dos rios, em Rio do Sul
O rio, desde o primeiro momento, foi importante para o desenho da cidade de Blumenau. No primeiro mapa do Stadtplatz, de 1864, foi detalhada, com quase precisão, a localização de todos os cursos d´água, sendo possível comprovar com a tecnologia e imagens do Google do século XXI.
A paisagem e o espaço urbano de Blumenau são fortemente condicionados pelas encostas dos morros, que já foram cobertos pela Mata Atlântica, que seccionam o tecido urbano. Entre rio e montanha, a malha urbana se desenvolveu inicialmente linearmente ao longo dos fundos de vales, previstos pelos primeiros pioneiros. Mais tarde aos primeiros assentamentos, ao menos 30 anos depois, concluíram que em áreas parcialmente inundáveis.
Ribeirão Garcia:
No traçado dos lotes coloniais, o rio Itajaí-Açu tem sua importância como elemento focal natural, fonte de irrigação da lavoura, elemento estruturador das ruas, no traçado do lotes. As ruas foram quase todas, orientadas, adequando-se acessibilidades ao ribeirão.
Observa-se a intenção de promover a ligação entre o porto e a via principal (rua das Palmeiras, Palmenalee), sendo que esta é orientada paralelamente ao ribeirão Garcia, forçando o desenvolvimento da malha no sentido do vale do ribeirão Garcia, ocupando as partes planas e baixas do sítio físico. Estas com um traçado que permitisse o acesso à água por todas as propriedades. Resultado: lotes estreitos e profundos.
Praça da Fonte:
Os espaços de convívio, de encontro e de lazer estiveram presentes na formação e nos planos da nova cidade. Foi criada uma praça, hoje inexistente em função do tráfego de veículos (tragada pelo sistema viário atual) entre o boulevard e o porto fluvial. Ponto de encontro, interações e lazer propagados para o Estado de Santa Catarina através das imagens da TV Coligadas. O chafariz estava Inserido no espaço do Stadtplatz, respeitando a escala local. Munida de equipamentos urbanos, como: bancos, canteiros e fonte d´água.
No conjunto dos elementos formadores da malha urbana do Stadtplatz, primeiro núcleo urbano de Blumenau tem características muito bem delineadas no que tange a aos espaços público e privado na paisagem predominante. Isto até o momento atual. A região vem sofrendo pressões do mercado imobiliário para a liberação da verticalização indiscriminada e com isto, sua configuração, skyline serão e estão sendo descaracterizados. Mas isto é outra coisa. Perguntamo-nos: como será sua História e configuração espacial, no futuro?
No primeiro momento de urbanização, antes do uso e do surgimento da Rua XV de Novembro, tradicional rua de comercio de Blumenau, não havia uma preocupação em demarcar um local na cidade estritamente comercial.
Segundo José Ferreira da Silva, os terrenos eram distribuídos de maneira aleatória aos colonos que escolhiam aqueles que mais lhes agradavam. Criando-se com isto, pontos de áreas verdes não ocupados, entrecortando as propriedades ainda com características rurais neste primeiro momento da história da formação da malha urbana de Blumenau. A Rua XV de Novembro era então, somente uma picada na mata margeando o rio Itajaí Açu, rumo à foz do ribeirão da Velha, local em que chegaram os primeiros 17 imigrantes. No meio do caminho, Hermann Blumenau apontou o local da igreja católica de Blumenau, Igreja São Paulo Apóstolo, que, com construção da da católica Casa São José e Colégio Santo Antônio, “valorizou” o espaço do entorno e chamou a atenção dos investidores para o desenvolvimento dessa região, fomentada, ainda, pela presença da estação ferroviária próximo à foz do ribeirão da Velha. O Stadtplatz foi perdendo o papel de centralidade de Blumenau, para o Bom Retiro e para a Rua XV de Novembro.
Os lotes do primeiro traçado tinham a forma retangular com a testada estreita e de grande profundidade, por conta da importância da acessibilidade ao curso d’água. As edificações permanentes eram locadas, nesse primeiro momento, com um determinado afastamento da rua para a realização de um pequeno jardim de flores, dividido em duas partes através de um caminho que levava ao portão, o qual dava acesso à rua. Este caminho era adornado com flores silvestres e roseiras, cujas mudas vinham da Europa. Na parte dos fundos da propriedade, em áreas planas, eram edificados os ranchos, estrebarias, depósitos e oficinas. Nesse local dormiam e eram alimentados os animais, ordenhavam-se as vacas, fazia produtos do leite, como queijo, queijinho e nata. Nestas edificações, também era onde os residentes cozinhavam os musses (doce de frutas), faziam as linguiças e derivados em geral da carne de porco e gado; e também armazenavam as produções agrícolas, como grãos (trigo, feijão, arroz), inhame, cará, batatinha; e equipamentos diversos, desde arreios, ferramentas da lida na lavoura, carros de boi, carros de mola, entre outras coisas.
Geralmente a área de plantio de maior porte, ficava mais afastada da casa. Próximo à casa ficava uma horta, com ervas e verduras e o local onde ficavam as galinhas, para a produção de ovos. Entre a lavoura e a horta e galinheiro tinha o pomar. Pomar, fonte de frutas para alimento e a elaboração de doces, tortas e sobremesas. Culinária familiar, em que onde as receitas eram oriundas da Alemanha, repassadas de mãe para filha. Estas benfeitorias iam sendo feitas ao longo do tempo, quando as pessoas já estavam instaladas na propriedade
A propriedade, neste primeiro momento, de 1850 até 1880, era abastecida pela água dos cursos de água locais, ou por poços construídos.
As propriedades ocupavam as partes mais planas do vale, e entrecortadas por caminhos, ruas, estradas e picadas, quando não houvesse acesso ao rio e ribeirões.
Em um primeiro momento, a Colônia, que apresentava uma estrutura mini fundiária, dedicou-se à policultura de subsistência. Logo, entretanto, o trabalho do imigrante permitiu a formação de um excedente, o que propiciou o surgimento de pontos de troca, surgindo o comércio e a área comercial. Que por sua vez, fez surgir outro tipo de ocupação do lote. A edificação ficava junto ao alinhamento da rua, sem qualquer afastamento.
O grande número de artesãos (marceneiros, ferreiros, carpinteiros, alfaiates, etc) aumentou o grau de autossuficiência da Colônia, possibilitando a atividade da exportação e o aumento da movimentação no Porto fluvial de passageiros situado à cabeceira do boulevard Rua das Palmeiras, Palmenalee e de cargas, localizado na Itoupava Seca, na época chamada também de Altona.
Era comum, existir áreas vazias entre uma propriedade e outra. Isto acontecia por que os lotes não eram distribuídos em série. O imigrante escolhia o lote que lhe agradava. Como havia muita terra disponível, ficavam muitas lacunas sem construção no perfil da paisagem.
Arquitetura – As primeiras casas permanentes
A casa permanente do imigrante adotava a técnica em enxaimel. O enxaimel consiste basicamente, na articulação de peças de madeira horizontais, verticais e inclinadas, formando um sistema rígido, preenchido com materiais de vedação, desde taipa adobe ou tijolos maciços.
A implantação da casa e das outras instalações domiciliares era realizada de forma despretensiosa, nas áreas planas da propriedade e, raramente eram feitas nos aclives, com nítida tendência ao isolamento.
Em um primeiro momento, os fechamentos eram confeccionados em taipa e dobe. Foi por pouco tempo, logo o imigrante começou confeccionar tijolos e telhas em olarias. As paredes externas passaram então e ser feitas com tijolos aparentes na cor natural.
Nossa definição de Enxaimel
Enxaimel definitivamente não é um estilo, não é limitado dentro de um conceito engessado dentro de um recorte de tempo somente, não é “ripa” colada em uma parede de alvenaria, não é tecnologia repassada pelos indígenas que viviam no Brasil quando chegaram os pioneiros, não foi construído e usado pelos “colonos” somente, não é coisa velha, não é passado, não é coisa pobre, não é só aquela edificação que tem tijolos à vista, …,.
A casa com a estrutura enxaimel é um dos muitos modelos resultantes de um processo que teve início durante a primeira grande revolução do homem, quando este deixou de ser coletor e caçador e se fixou no solo, tornando-se agricultor a pastor. Homem que domou, segundo Munford, a si mesmo e depois, o meio insalubre que tinha que tirar a sua sobrevivência e construir a sua casa primária com materiais tirados deste meio, o embrião da casa de madeira encaixada, com a presença dos primeiros encaixes.
Enxaimel é uma estrutura de madeira independente das paredes, com toda a complexidades da distribuição de cargas que isto significa e só conseguida nas casas de alvenaria após os experimentos na igreja de Santa Sofia, no século VI e depois evoluído até chegar a leveza dos vitrais das catedrais góticas – o ápice desta revolução na técnica construtiva em alvenaria de pedras. A casa de madeira já apresentava a sua estrutura independente das paredes, 6.000 anos a.C.
A estrutura enxaimel agregou identidade e características diferenciadas às cidades intramuros, e depois às cidades livres assentadas juntos aos rios, na Alemanha, na Europa e também, no Vale do Itajaí e outras regiões do Brasil.
Ao contrário do que afirmam as pessoas desprovidas de conhecimento, a técnica construtiva nunca deixou de ser construída em solo alemão, por representar uma das expressões culturais máximas – na forma de arquitetura – daquelas cidades e que habita o inconsciente coletivo, há mais de 7.000 anos. As pessoas que guardam este patrimônio no tempo presente e também constroem novos, são descendentes diretos daqueles que iniciaram o embrião desta técnica construtiva no período neolítico e esta foi repassada de uma geração a outra, sempre com o acréscimo de melhorias e novas tecnologias advindas de experimentos práticos.
Há também, aqueles que fazem questão da tradição no momento de construir uma casa enxaimel, utilizando as mesmas ferramentas, rituais e práticas, de alguns milhares de anos atrás outros da época áurea medieval – período nacional da Alemanha, onde a produção contemporânea de enxaimel faz uso de tecnologia de ponta, robótica, modelagem, disponibilidade em catálogos, com diversos tipos de materiais para o fechamento, formas e volumes, tudo seguindo a rigorosa legislação ambiental e construtiva daquele país.
Atualmente, na Alemanha, o uso da estrutura enxaimel e sua versatilidade mediante a disponibilidade de diversos materiais alternativos para seu fechamento tem também, o aspecto ecológico e seu uso relacionado à sustentabilidade do bem morar.
De acordo com Dr. Jackson Roberto Eleotério, pesquisador do uso da madeira na arquitetura: “[…] a madeira é o único material que pode atingir a sustentabilidade. Concreto, vidro, cerâmicas, plásticos só emitem carbono em seus processos produtivos, enquanto a madeira acumula carbono. ” Angelina Wittmann, WITTMANN,2019.
A edificação era feita elevada do chão, por meio de baldrames apoiados sobre pedestais apoiados sobre pedestais de tijolos ou pedras, com isto criando dificuldade para entrada de insetos e cobras, e promovia o isolamento contra a umidade do solo, aumentando a vida útil da madeira. Seu perfil era caracterizado por telhados pontiagudos de duas águas, com o lado da calha voltado para a rua. A cobertura era feita com telhas duplas, curvadas na parte inferior (as conhecida telhas alemãs, germânicas ou cauda de castor), prolongando-se até os beirais apoiados em elementos de madeiras conhecidas como “cachorros”.
As aberturas são usadas nas fachadas de forma simétrica em relação à porta. Apresentam as mesmas dimensões, com a abertura das folhas voltadas para o lado externo da casa. As primeiras casas tinham aberturas de madeira, mais tarde surgiram casas de aberturas com vidros de pequeno tamanho.
A porta principal quase sempre era adornada e localizada ao centro da fachada principal. Às vezes era complementada por pequenas esquadrias.
Exemplos do Vale do Itajaí – que antigamente pertencia a Colônia Blumenau.
A varanda era utilizada nos períodos de lazer, aos domingos e após o trabalho. Geralmente decorada com gradis de madeira adornados. Protegia a casa dos excessos de sol e chuva.
O enxaimel trazido pelos imigrantes alemães no século XIX remonta ao período renascentista, desenvolvido em alguns lugares da Europa, e no caso da Alemanha, entre os séculos XVI e XVIII. Entretanto esta técnica construtiva tem seu embrião surgido em muitos locais do planeta e desenvolvido de maneira diferente, adequados ao terreno, cultural e geografia, desde o neolítico. Na Europa, onde tem origem o enxaimel que veio para a região surgiu há mais de 7 mil anos a.C., após a revolução agrícola, no momento em que o homem deixou de ser caçador e coletor e passou a ser agricultor e pastor. Limpavam o terreno de florestas, para o plantio e pastos para o rebanho.
Com o material, como acontecia na Colônia Blumenau, no século XIX, e no seu interior, no início do século XX, construíam seus abrigos, melhorados, ao longo dos séculos, pela técnica construtiva. Parte deste território foi ocupado pelo Sacro Império Romano, que interferiu na técnica e através deste contato surgiu a técnica de construção mista. ao norte do continente – sem o contato com a cultura romana, a casa de construção com técnica construtiva enxaimel, recebeu pouca influencia na maneira de construir, somente com o objetivo de agregar o conforto e a tecnologia à maneira de construir do alto neolítico.
Muitos pesquisadores alemães da técnica construtiva que estiveram na região de Blumenau, como Manfred Gerner em 1996, entre outros, ao se depararam com o conjunto da obra, nas décadas de 1980 e 1990, afirmavam que viam o maior conjunto de edificações feitas com técnica construtiva enxaimel fora da Alemanha e que isto contribuiu para a construção da paisagem da cidade junto com os elementos estruturadores em suas primeiras décadas. Hoje não se poderia afirmar isso, diante do grande número de demolições destas casas. De acordo com o professor Vilmar Vidor, o primeiro pesquisador da obra na região, dentro da academia, a partir de seu Cadastro Projeto Memorvale, em entrevista cedida ao jornalista Carlos Pimpão, 2 terços do patrimônio cadastrado no projeto dá haviam sido demolidos.
Não precisamos continuar a construir utilizando estas técnicas e tipologia das primeiras décadas de história de Blumenau, embora na Alemanha a técnica construtiva enxaimel com o uso da tecnologia atual, é considerada uma das técnicas mais atuais e sustentáveis se comparadas a outras usuais e contemporâneas. Poder-se-ia continuar construindo a cidade, mantendo e fazendo a manutenção do patrimônio paisagístico, ainda existente. A paisagem, natural e construída, organizando a sequencia evolutiva em si mesma com harmonia e critério, orientada em um projeto de cidade.
Qual o grão que devemos permitir construir no Centro Histórico do Vale do Itajaí – O Stadtplatz de Blumenau?
Não é preciso somente olhar a técnica construtiva, mas também o impacto visual.
Passamos no espaço. A cidade fica, com nossas marcas e com as consequências de nossas escolhas para aqueles que ocuparão o mesmo lugar, no futuro.
Registro para a História.
Sou Angelina Wittmann, Arquiteta e Mestre em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade.
Contatos:
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@AngelWittmann (X)
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