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Afantasia: morador de Blumenau relata como é viver com “imaginação cega”

Filipe descobriu há pouco tempo que sofre com condição, assim como boa parte da família

“Feche os olhos, imagine que você está em uma praia. Na sua frente as ondas quebram. Ao seu lado, crianças brincam com a areia. Sinta o calor do sol na sua pele…”. Quem já praticou meditação guiada, conhece esse discurso. Para maioria de nós, a ideia de criar uma imagem dentro da nossa cabeça, soa como a coisa mais normal do mundo. Mas para pessoas com afantasia, é impossível.

Não estranhe se você nunca ouviu falar dessa condição. Conhecida como “imaginação cega”, ela ainda é pouco estudada. Uma pesquisa realizada em 2015 pela Universidade de Exeter, no Reino Unido, estima que cerca de 2,5% da população sofra dela. Porém, muitas vezes, a pessoa nem sabe que “pensa” diferente dos demais.

Foi o que aconteceu com o morador de Blumenau, Filipe Martins, no ano passado. Aos 32 anos, ele estava fazendo um exercício de relaxamento com a esposa e não viu sentido na ideia de fechar os olhos e criar uma imagem mental. Para ele, existia apenas a escuridão.

“Questionei se ela conseguia imaginar as coisas que eles falavam e fiquei muito surpreso quando ela disse que sim. Foi então que mergulhei nesse mundo que até então era desconhecido para mim, que as pessoas conseguem formar imagens mentais”, desabafa.

A condição também pode afetar a capacidade da pessoa de recordar sons, como vozes das pessoas conhecidas ou ficar com uma música “presa” na cabeça. Cheiros e sensações de toque entram na lista para alguns. Dependendo do grau, reconhecer rostos pode se tornar uma dificuldade.

Um detalhe curioso é que apenas visualizações voluntárias – ou seja, propositais – são afetadas. Isso significa que sonhos, involuntários, ainda são visíveis. Filipe, entretanto, relata não lembrar de imagens mentais dos seus, apenas consegue descrever o que se recorda.

“Para mim, ler um livro é só ver palavras. Eu vejo o que está escrito ali, enquanto minha esposa enxerga os personagens e as situações. Minha imaginação é como se você estivesse vendado, mas de olhos abertos. Tudo preto”, explica.

Apesar disso, Filipe segue tendo o hábito da leitura. E isso não afeta a criatividade dele. Há pouco tempo, ele ajudou a sogra e a sobrinha a escreverem um livro, que foi publicado em Blumenau no mês passado.

Uma descoberta em família

Foi pesquisando sobre a afantasia que Filipe descobriu que ela é hereditária e passou a conversar com os familiares. Não demorou para descobrir que a mãe, tias e primos também sofrem com a condição e não sabiam.

“Um primo meu é engenheiro e perguntou para os colegas de trabalho se eles conseguem ver os projetos na mente antes de colocar no papel ou no programa. Todos responderam que sim, que o início do projeto é na mente, e ele não consegue ver isso”, conta.

Como nenhum familiar conhecia a condição, foi uma surpresa para todos. Uma das coisas que eles passaram a entender, é a falta de conexão deles com fotos. Quando observam a imagem, reconhecem as pessoas, mas não recordam o sentimento daquele momento.

“Eu reconheço as pessoas, mas não sinto emoção. Assim como não consigo fechar os olhos e visualizar o rosto da minha filha, da minha esposa ou da minha mãe. Mas se você perguntar como elas são, eu consigo descrever”, detalha.

Filipe percebeu a condição enquanto meditava com a esposa durante a gestação dela. | Foto: Arquivo pessoal

Para a mãe dele, Célia Weber Martins, algumas questões passaram a fazer sentido. A moradora de Gaspar nunca entendeu o prazer que algumas pessoas sentiam ao ler, já que para ela era apenas algo que ajudava a passar o tempo.

“Foi uma grande surpresa para todos. Quando voltamos de viagem, por exemplo, não conseguimos nos imaginar lá de novo. Os lugares bonitos que você presenciou não vêm à cabeça”, exemplifica.

Irmãs dela também começaram a perceber conexões. Na hora de mudar os móveis de lugar na casa, uma delas não conseguia imaginar como ficaria. Outra tentou fazer um tratamento envolvendo regressão – porém, é pouco provável conseguir hipnotizar alguém com afantasia.

Você tem afantasia?

Por ainda ser pouco pesquisada, é difícil detectar o que causa a afantasia. Ao que os estudos indicam, é um problema na área de criar imagens do cérebro. O fato pode estar ligado à memória dos pacientes, que não seria suficiente para formar a imagem mental.

Se você se identificou com algum dos relatos acima, é possível fazer um exercício simples para detectar se você pode sofrer da condição. Primeiro, tente imaginar um amigo ou membro da sua família

  • Você consegue ver com clareza o rosto da pessoa?
  • Visualiza todas as características dela? Rosto, cabelo e formato da face?
  • Consegue imaginar os gestos característicos e movimentos?
  • As roupas e acessórios da pessoa, estão nítidas na sua imaginação?

Se você ficou com dificuldade para responder às perguntas, pode ter algum grau de afantasia. Na dúvida, procure um neurologista ou psiquiatra para conversar sobre a condição. Entretanto, vale ressaltar que ela não representa nenhum risco à saúde ou segurança da pessoa.


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