As palavras são do professor e assistente social Ricardo Bortoli. Na dissertação de mestrado apresentada por ele em 2013, dados comprovaram que, em Blumenau, de um grupo de 125 homens que agrediram as companheiras entre 2004 e 2012, 79 (73%) eram dependentes químicos ou estavam sob efeito de alguma substância no momento da agressão.
Desses 79, “63 (80%) são usuários de álcool, e sete (9%) são usuários de álcool associado a outras drogas ilícitas, restando nove (11%) homens que são usuários somente de drogas ilícitas”, revelou o estudo.
Os números
A pesquisa foi feita com base em entrevistas de participantes do Programa de Prevenção e Combate à Violência Doméstica e Intrafamiliar. O grupo com cerca de 15 homens autores de violência se reúne quinzenalmente em um dos dois Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) de Blumenau. Ricardo e a psicóloga Sheila Isleb coordenam o trabalho.
Na maioria das vezes encaminhados pelo Judiciário, seja por medida cautelar ou sentencial, os participantes relatam suas histórias de forma espontânea. Durante pelo menos seis meses eles se encontram e têm contato com temas como machismo e feminismo. O foco é terapêutico e de desconstrução. A expectativa de Ricardo e Sheila é de que, com as atividades em grupo, os boletins de ocorrência cessem. Refletir a respeito da violência contra a mulher parece possibilitar mudanças, mesmo que lentas.
Ajuda profissional estimulou reação de Laura
Laura tentou convencer o marido a fazer um tratamento ou frequentar terapia de casal. Ele não quis, disse que quem precisava de ajuda era ela. Diferente do grupo de reflexão do Creas, em que muitos frequentam o espaço obrigados pela Justiça, quando a mudança tem que partir do agressor, tudo fica mais difícil.
Mas Laura decidiu não permanecer mais solitária. Começou a fazer acompanhamento com uma psicóloga da igreja e depois no SUS. Aos poucos, após muitas lágrimas, colocou para fora o que vivia e sentia. Devagar, a impotência foi dando lugar à coragem. Em uma noite em que esqueceu de trancar a porta do quarto onde dormia todos os dias com o filho, o marido entrou e a agrediu com um golpe de faca na coxa e um soco no rosto. Ela não se calou.
Era 2012 e o boletim de ocorrência que Laura fez foi um dos 584 registrados naquele ano por lesão corporal dentro da própria casa. Ano passado foram 532 casos. Ou seja, a cada três dias, duas mulheres sofrem violência dentro de casa em Blumenau. As ameaças que o marido fazia também entram para as estatísticas de agressão, mas psicológica. Na cidade, em 2017, foram 1.156 relatos desse tipo aos policiais, um aumento de 10% em relação a 2013.
Laura teve que voltar à Delegacia da Mulher mais de cinco vezes – frustrou-se em algumas ocasiões pelo descaso do policial que a atendeu, que a orientou a deixar a casa com o filho. A medida protetiva saiu apenas em 2016, quando o marido tentou golpeá-la com uma faca pelas costas. O oficial de Justiça o obrigou a deixar a residência. Ele colocou três peças de roupa dentro de um saco plástico e disse que voltaria no dia seguinte.
Pedido de socorro
No ano passado, 102 mulheres vítimas de violência foram atendidas nos Creas. São casos ainda mais graves, que viraram processos judiciais e têm algum avanço, como o de acompanhamento assistencial e psicológico. O número de homens autores de violência atendidos nesses locais foi 147.
Segundo Sheila e Ricardo, mulheres que passam por algum tipo de violência dentro de casa podem pedir ajuda ao município através dos Centro de Referência de Assistência Social (Cras) espalhados pela cidade. Dependendo do caso, a família ou vítima é encaminhada ao Creas, para um atendimento mais especializado.
Denúncias podem ser feitas gratuitamente pela Central de Atendimento à Mulher no 180. Caso haja agressão, a instrução é acionar a Polícia Militar pelo 190.
“Acordei pra vida”
Depois da medida protetiva, o ex-marido de Laura já tentou entrar na casa diversas vezes. As ameaças pelo portão são de que um dia ele ateará fogo nela e no filho, que hoje tem 15 anos, ou destruir a residência onde ela mora e trabalha como costureira, na região Norte de Blumenau. Foi assim que sustentou o lar durante anos, já que ele nunca ajudou nas contas.
“Ele dizia que nós (ela e o filho) não trabalhávamos e por isso não precisávamos comer”, lembra.
Do primeiro empurrão, logo após o nascimento do menino, até a medida protetiva, Laura diz que apenas sobrevivia. Apesar de ainda temer que o ex-companheiro faça algum mal contra ela e o filho, a costureira tenta esquecer os anos de sofrimento e busca na Justiça mantê-lo sempre afastado:
“No dia que ele foi embora, em janeiro de 2016, eu acordei pra vida. Joguei os cinco antidepressivos que tomava fora. Dei o primeiro passo. Agora isso ficou lá atrás, eu só quero paz”.
Apoio não-governamental
Blumenau tem uma única ONG voltada para as questões feministas. O Instituto Nísia Floresta trabalha em busca de mudanças sociais através de formação, qualificação e palestras tanto para mulheres quanto para homens. A ideia é fortalecer, criar uma rede de apoio entre elas e desconstruir o machismo – nome dado, em resumo, ao pensamento que recusa a igualdade de direitos e deveres entre gêneros, favorecendo o masculino.
“Blumenau ainda é muito machista. Nós temos que lutar muito para que as coisas melhorem”, avalia Rosane Martins, uma das fundadoras do instituto. Ela cita também alguns coletivos que surgiram na cidade nos últimos anos.
Disseminar informações, fazer mulheres e homens perceberem que são agentes de mudanças, é o caminho escolhido por assistentes sociais e essas organizações de apoio para reduzir os casos de violência.
“Só nós sabemos o que é ser mulher, um homem nunca vai saber. Medo é uma palavra que nos acompanha desde que nascemos”, finaliza Rosane.
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