No ano de 1820, o naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire descreveu detalhes do litoral norte catarinense que percorrera por terra, mas, de Armação do Itapocoroi até a Ilha de Santa Catarina, seguiu de barco, de formas que apenas avistou a Ponta do Cabeçudo (Cabeçudas), a Praia Brava e a “Ponta do Cambriaçu”, bem como o local onde o rio do mesmo nome despeja suas águas no mar e a Ponta da Taquara e várias outras referências mais adiante.
Se menciona a Ponta da Taquara, certamente avistou, do barco que o levava próximo à costa, a respectiva praia e as demais várias pequenas praias ao sul do que hoje é Balneário Camboriú, dentre as quais, naturalmente, a praia de Taquarinhas.
Quase meio século depois, aos primeiros sinais do clarear do dia 27 de abril de 1868, mochilas às costas, aquele que atualmente pode ser considerado um dos três maiores naturalistas mundiais do século XIX, Fritz Müller, junto com seu sobrinho August Müller, de apenas 15 anos, passos rápidos, deixava sua casa na atual rua Itajaí em Blumenau, rumo a uma épica expedição a pé e descalço, que totalizou quase 600 quilômetros e demorou 36 dias.
No terceiro dia dessa caminhada como naturalista viajante da Província de Santa Catarina, em 29 de abril, depois de passar pela Praia Brava, este é o relato do naturalista: “de uma altura um pouco mais elevada descemos para a praia do mar (grifo nosso), a qual seguimos em torno de meia hora até a foz do rio Camboriú”. Pelo texto de Fritz Müller, essa “praia do mar” ainda sequer tinha nome. Aproveitou para colher e anotar espécimes da flora da praia e fazer observações sobre um caranguejo que fazia tocas nas margens do rio.
O historiador camboriuense e balneariense Isaac de Borba Corrêa explica em seu livro sobre a história das duas cidades a evolução do topônimo Camboriú, grafado de formas distintas conforme entendiam os que ouviam os nomes dos indígenas do lugar:
Cambriciassu, Cambariquassu, Camboriguassu, Camborigú-Açu, Cambiriu-Guaçu, Cambriassu (nome usado por Saint-Hilaire), Cambriuguassu, Cambriuassu e Camborigú-Açú, entre outros.
A hoje pujante e riquíssima “Dubai brasileira” em nada lembra o pantanoso emaranhado de brejos e lagunas que Saint-Hilaire não viu do mar e cuja praia Fritz Müller percorrera algumas vezes. As drenagens e aterros e, principalmente, inúmeros e altíssimos edifícios ocuparam todos os espaços que nada lembram as características originais na Praia Central onde Fritz Müller listou algumas espécies nativas.
Fora da região densamente ocupada da praia Central, até que restou menos impactada a morraria percorrida pela avenida Rodesindo Pavan, mais conhecida como via Interpraias.
Temos ali um razoável grau de conservação, dentro do que se pode considerar conservação no hipertrofiado litoral catarinense, que rapidamente se transforma numa gigantesca conurbação de mais de quase 90 quilômetros que começa ao norte de Tijucas e segue até Barra Velha, … por enquanto!
Se hoje Saint-Hilaire percorresse novamente de barco o litoral Norte Catarinense até a Ilha de Santa Catarina, o que ele veria seriam quase que só os paredões de edifícios fechando cada vez mais a paisagem da orla marítima estadual. Fritz Müller simplesmente não acreditaria que estava percorrendo a mesma praia onde caminhou em 1868.
A pressão imobiliária e seus lucrativos negócios, mesmo que usando essa expressão no seu aspecto descritivo e não crítico, alterou completamente a fisionomia e a paisagem litorânea catarinense. Por incrível que pareça, foi justo na “dubai brasileira” que restou uma das últimas praias desabitadas e agrestes dessa extensa faixa litorânea. Todas as outras praias, se não tem prédios altos ou altíssimos, exibem diferenciados graus de ocupação.
A praia de Taquarinhas e seu entorno magnificamente preservado, coberto que é por densa Floresta Ombrófila Densa Atlântica, cuja exuberância encosta na praia, constitui raríssimo relicto, uma preciosa amostra de como era nosso litoral antes de sua avassaladora e rapidíssima ocupação, portanto, ainda sem qualquer edificação nem arruamentos.
Nem suas vizinhas, as praias de Laranjeiras, Taquaras, Pinho, Estaleiro e Estaleirinho apresentam tal grau de preservação. Segundo algumas informações, trata-se da última praia desse porte (cerca de 600 m de comprimento), livre de moradores ou outras formas de ocupação em Santa Catarina.
Não resta qualquer dúvida, portanto, de que todos os esforços devam ser envidados para manter as características atuais da praia de Taquarinhas. Em tese, ela não seria considerada um monumento natural, mas, considerando a preciosidade dela, dada a raridade de suas condições, só por isso, ela deveria ser alçada à condição de Geoparque, ou ser preservada sob forma de Monumento Natural, pois, simplesmente, foi o que restou do ambiente natural em vasta extensão do litoral catarinense.
Pois bem. No último dia primeiro deste mês de novembro, a Caixa Econômica Federal, detentora da área, encerrou o processo de destinação dos terrenos contíguos a essa praia, com um leilão que resultou na aquisição da praia de Taquarinhas pelo módico preço de 31,5 milhões de reais. O preço original seria de 230 milhões. Saiu bem barato, portanto, 52 reais o metro quadrado que, para os padrões da Dubai brasileira, está bem em conta.
Toda essa parte do município de Balneário Camboriú, que engloba as praias acima mencionadas, já se encontra sob proteção da APA – Área de Proteção Ambiental da Costa Brava. Especificamente a Praia de Taquarinhas, segundo informa o vereador André Meirinho, além de estar incluída na APA, se encontra sob decreto de interesse social.
O empresário Marcos Gracher, diretor ou proprietário da Biopark, empresa vencedora do leilão da Caixa e criada a menos de um mês do leilão, informou que pretende implantar ali um parque de visitação e observação de aves, algo parecido com o Parque das Aves de Foz do Iguaçú.
No entanto, convenhamos, será quase impossível manter a preservação da área com um empreendimento desse tipo, por mais cuidados e boa vontade que tenha o proprietário e sua empresa. O aspecto visual, ou seja, a maquiagem ambiental, até que poderia ser mantido, porém, jamais, o aspecto, as características e a plenitude da funcionalidade do ecossistema local.
Um município privilegiado em recursos como Balneário Camboriú teria amplas condições de declarar a área de Taquarinhas e seu entorno como de interesse público e poderia, basta querer, desapropriar toda a propriedade, transformando-a num Parque Natural Municipal, com ampla possibilidade de uso público, ainda que controlado.
Esse parque, além de trilhas, poderia dispor de passarelas junto às copas das árvores, mirantes e outros atrativos não impactantes ao ecossistema o que daria elevada credibilidade a esse município que foi tão ocupado pela construção civil, mas que pode seguir o exemplo de Cingapura, metrópole ainda mais densamente ocupada que Balneário, mas que, mesmo assim, se orgulha de ostentar importantes áreas de reservas naturais.
A APA da Costa Brava é um tipo de Unidade de Conservação da Natureza (UC) considerada de Uso Sustentável. É a categoria mais permissiva de todas as sete categorias desse tipo. Balneário Camboriú possui, por outro lado, uma única e pequena Unidade de Conservação de Proteção Integral, o Parque Natural Municipal Raimundo Malta, junto às margens do rio Camboriú, bem estruturado, sinalizado e aberto ao público e visitas didático-pedagógicas de escolares. Preserva uma pequena, porém significativa amostra do que foi a floresta original que ocupava as margens desse rio, que já teve grafado seu nome de tantas formas diferentes no passado.
O Parque Natural Municipal da Praia de Taquarinhas poderia então ser criado e destinado a preservar outro tipo de ecossistema, uma pequena, porém, também, significativa amostra do que foi a paisagem original da costa de Balneário Camboriú e de toda Santa Catarina. Não custa tanto. Apenas 31,5 milhões de reais, quase um terço do custo do alargamento da praia Central da cidade. Para os padrões da Dubai Brasileira, repetimos, sai barato.
Com a palavra, o prefeito atual, a prefeita eleita, neta de Rodesindo Pavan, enfim, a administração municipal de Balneário Camboriú. Afinal de contas, estamos falando da preservação de uma pequena amostra daquilo que foi o fator inicial histórico de atração que resultou no que hoje é Balneário Camboriú cidade que teria quase como obrigação fazer essa pequena, mas, significativamente gigante preservação.
Vista aérea da Praia de Camboriú em 1952. Observar o tamanho da laguna em primeiro plano na parte Norte da praia. De tão ampla que era chegou a servir de local de pouso de hidroaviões. Destruída por aterros, foi transformada em mero canal de escoamento, poluída por esgotos. Por incrível que possa parecer, ainda é possível salvar amostra de ambientes lacustres em Balneário Camboriú. Foto: reprodução da página 28 do livro “História de duas cidades, Camboriú e Bal. Camboriú”, de Isaque de Borba Corrêa, 3a. Ed., 2022.
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