Artigo: “Como a iniciativa privada ocupou e valorizou as praças públicas de Blumenau”
Artigo assinado por Gabriel Vidigal, diretor da Mozart Crystal e do Museu do Cristal de Blumenau
O sono da razão produz monstros. Francisco de Goya, pintor espanhol
Não sou blumenauense. Nunca serei. Não tenho tradição alguma na cidade. Não estudei no Bom Jesus, no Sagrada Família ou no Rio Branco. Sou um paulistano que se mudou para cá na busca de oportunidade de negócios e de uma paixão, a produção de cristais. Montei, com a ajuda de investidores, a Mozart Crystal que passou em determinado momento a ser só minha e na qual passei sozinho a buscar alternativas para viabilizar o negócio de cristais e o turismo de fábrica, para contar a história e o legado da tradição cristaleira de 70 anos da cidade.
Sou um usuário da cidade, amo estar aqui. Por questões de trabalho, viajo muito mais do que gostaria e fico aqui muito menos do que desejo. Passeio com a Bellatrix (minha cachorra Weimaraner) por todos os lados. Ela tem muito fôlego e não cansa. Ela já foi para à Prainha comigo, para o Ramiro, para a rua das Palmeiras, caminhou na rua XV, comeu sushi comigo no Yuzu, namorou meus copos de chopps, comeu comigo no Senhora Farinha, andou pela Alameda, tomou água no The Spot e já passeou por toda rua Bahia entre a Mozart Crystal e a Rua São Paulo, escolhendo seus brinquedos na Petz.
Quando me mudei para cá em 2018 e comecei a experimentar a cidade, ela era outra. O Museu da Cerveja era um punhado de garrafas e aparelhos velhos sem nenhum atrativo, jogado às moscas e ao acúmulo de pó. A Praça Doutor Blumenau era feia, com aparelhos quebrados e preservativos jogados no chão. A praça da prefeitura era seca, feia e tinha ali um ferro-velho, fonte propagadora de tétano, do qual podia se imaginar que um dia teria sido uma locomotiva.
Os tempos mudaram. Capitaneado pela Cerveja Blumenau, o Museu da Cerveja se tornou uma experiência paga e sensacional. Os tempos das más avaliações se foram e hoje é uma experiência cada vez mais propagada pelo turista que vê ali um atrativo com enredo e conteúdo. É completa no sentido que proporciona ao visitante uma imersão na história da cidade, das cervejarias de nossa comunidade e da Oktoberfest. E melhor! Abre o ano todo, foi se o tempo da administração pública quando tudo se fechava em Blumenau na época na qual ela mais recebia turista, a saber, no final do ano.
Por falar em administração pública, todas as atrações do município param entre Natal e Dia de Reis, há um completo descaso com o turista que ficava até pouco tempo batendo a barriga nos guichês das recepções dos hotéis implorando por uma atração que estivesse aberta na cidade.
O Espaço Patagônia, aberto na Praça Doutor Blumenau, é maravilhoso. Democrático, acessível a todos, com lindos bancos de madeira, um totem que conta a história dos municípios que fizeram parte de Blumenau, um arabesco com temas da cidade e um playground disponível para filhos de consumidores e não consumidores do espaço. É leviano imaginar que o espaço ali é apenas para os clientes do espaço. Isso sem contar da beleza que ficou o local.
Por fim, a maravilhosa praça Estação. O que havia antes era apenas um prédio em formato de caixote anexo a prefeitura que recebe atividades de fórum de pequenas causas. O espaço cedido à iniciativa privada colocou uma linda obra arquitetônica que homenageia uma antiga estação de trens que ali existia e que orna a praça com a arquitetura enxaimel. Além disso, foi agregada a praça um relógio de flores, um playground infantil, uma macuca mais bonita e reformada que não representa riscos à saúde dos pequenos que nela resolvem montar e brincar.
Todos os espaços empregam blumenauenses e neoblumenauenses, movimentam a economia da cidade, gerando emprego, renda e impostos. É inadmissível a uma pessoa de boa vontade ler uma crítica injusta a estes espaços e se omitir. Foi uma sensação muito desagradável.
A narrativa que deve prosperar é de exaltar o trabalho da prefeitura em reconhecer que ela não pode fazer tudo, ser responsável por tudo e administrar tudo pois carece da livre iniciativa e do melhor controle de uma atividade muito específica.
Todas as cidades passam por processos de crescimento e aprimoramento. O que seria de Buenos Aires sem Puerto Madero? O que seria de São Paulo sem a Nova Faria Lima e a Berrini? O que seria de Nova Iorque sem a High Line e a One World Trade Center?
Blumenau tem uma natureza extremamente generosa e prolífera. Temos parques Nacionais, Estaduais e áreas de preservação permanente ao nosso arredor, não vai ser uma mera reforma de poucas praças que vai afetar a qualidade de vida de nossa população ou nosso ecossistema.
A cidade precisa urgentemente expandir atrações turísticas e trazer a iniciativa privada com incentivos para fazer com que haja atrativos para a permanência do turista, assim como fez Pomerode e Balneário Camboriú onde a iniciativa privada é a protagonista das grandes atrações, tais como a roda-gigante, zoo, Alles Park, Museu do Automóvel, Fábrica da Nugali, parque interpraias, kartódromo, dentre outros.
Resta à prefeitura sim, viabilizar o centro de convenções que tem potencial enorme para trazer turismo qualificado para a cidade, e que é promessa desde 2016. Outras iniciativas públicas seriam viabilizar concessões que tornem possível a utilização do Frohsinn e um teleférico para o morro do Aipim, saindo da prainha que agregariam oportunidades interessantes de passeio a todos, integrando melhor a população à cidade.
Tais medidas são importantes para que a cidade não passe a ser um satélite turístico de Pomerode e Balneário Camboriú e passe a atrair um maior número de turistas fora da Oktoberfest.
Sobre o autor
Gabriel Vidigal é diretor da Mozart Crystal e do Museu do Cristal de Blumenau, advogado OAB/SP, economista e geógrafo formado pela USP/SP. Responsável criativo pela criação de peças de cristal e pelas experiências de fábrica e enogastronômicas da Mozart Crystal. Sommelier certificado pela Wine & Spirits Education Trust.