ARTIGO – Guardiões da Terra: descolonizando a defesa ambiental e reconhecendo os povos indígenas
Opinião de Éder Lima, servidor público municipal e historiador
Ah, os povos indígenas, esses “invasores” de suas próprias terras ancestrais! Quem diria que os verdadeiros guardiões das florestas brasileiras, responsáveis pela preservação de 30% da nossa biodiversidade (dados do governo federal), agora são acusados de ameaçar o meio ambiente ao reivindicarem o que sempre foi deles?
Enquanto isso, os descendentes dos colonizadores europeus, aqueles que historicamente lideraram o desmatamento e a exploração desenfreada dos recursos naturais, posam como os verdadeiros defensores da natureza. Ironia das ironias!
Curiosamente, o autor prefere ignorar séculos de devastação promovida pelo agronegócio, pela mineração ilegal e pelo avanço de fazendas sobre a Amazônia, para se preocupar com… os cães e gatos dos indígenas. Sim, segundo ele, esses animais representam uma ameaça maior à fauna silvestre do que toda a destruição causada pelo homem branco colonizador. Uma lógica, no mínimo, curiosa.
Vale lembrar que os próprios povos indígenas foram e ainda são vítimas dessas políticas predatórias. Desde o início da colonização, suas terras foram tomadas, suas populações dizimadas por doenças trazidas pelos europeus e por massacres promovidos em nome do “progresso”. Hoje, enfrentam novas ameaças com a grilagem de terras, o avanço da mineração ilegal e os ataques de setores do agronegócio que se recusam a reconhecer seus direitos territoriais.
A retomada indígena é o movimento legítimo de povos originários para recuperar terras que historicamente foram tomadas de forma injusta durante o processo de colonização e que, muitas vezes, continuam sendo alvo de grilagem ou exploração ilegal. Essas ações visam restaurar o direito territorial dos indígenas sobre suas terras ancestrais, onde preservam suas culturas, tradições e práticas sustentáveis de manejo da terra. A retomada é um ato de resistência contra a negação de direitos e um esforço para garantir a sobrevivência das comunidades, assim como a proteção da biodiversidade que depende da relação estreita dos povos indígenas com a natureza.
Um exemplo claro disso é a retomada no Parque Nacional da Serra do Itajaí, uma ação legítima do povo Laklãnõ/Xokleng, que retorna para viver em suas terras sagradas e ancestrais. Essas mesmas terras que lhes foram arrancadas pelo avanço colonizador e que, ironicamente, agora são tratadas como intocáveis pelos descendentes dos que promoveram a destruição ambiental que hoje fingem combater.
E é impossível falar dos Laklãnõ/Xokleng sem lembrar que esse povo quase foi exterminado pelo próprio Estado brasileiro, que contratava jagunços conhecidos como bugreiros para caçá-los como se fossem animais. Essas milícias armadas foram responsáveis pelo assassinato sistemático de indígenas para abrir caminho à colonização branca europeia. Ou seja, os mesmos que hoje posam como defensores do meio ambiente são herdeiros diretos de um projeto genocida que destruiu populações inteiras e devastou terras indígenas em nome do “progresso”.
O mais curioso nessa história toda é que o próprio autor desse texto alarmista é descendente direto e herdeiro dos colonizadores brancos do Vale do Itajaí, em Santa Catarina, justamente aqueles que ocuparam territórios indígenas, desmataram vastas áreas e lucraram com a exploração da terra. Agora, décadas depois, ele se apresenta como guardião do meio ambiente, acusando os indígenas de ameaçar o que restou da natureza. Conveniente, não?
Talvez seja hora de reconhecer que os povos indígenas não estão “invadindo” nada. Eles estão, na verdade, retomando e protegendo territórios que lhes pertencem por direito, garantindo a sobrevivência das florestas das quais todos nós dependemos. E talvez, só talvez, devêssemos aprender com eles sobre como viver em harmonia com a natureza, em vez de perpetuar discursos preconceituosos e desprovidos de embasamento científico.
A política ambiental correta não é criminalizar as retomadas indígenas, mas sim transformar os povos originários em guardiões oficiais e reconhecidos pelo Estado das áreas de preservação. São eles que há séculos protegem a biodiversidade, manejam a terra de forma sustentável e impedem a destruição promovida por grandes latifundiários e exploradores.
Se queremos um futuro onde a natureza continue existindo, precisamos parar de inventar inimigos e começar a reconhecer os verdadeiros aliados.
Veja agora mesmo!
Casarão erguido pela família Klitzke é preservada pelos Souza, no Garcia, em Blumenau: