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“As cidades e as enchentes: precisamos agir mais de acordo com a natureza”

A metrópole formada pela grande São Paulo constitui um exemplo extremo de como o ciclo hidrológico é afetado pelo homem. Levando em conta apenas os aspectos hidrológicos, assunto de nossas últimas colunas aqui n’O Município, impressiona o que ali mudou num espaço de apenas um século. Considerando que cem anos representa apenas uma ínfima parte do tempo geológico, conclui-se, com este exemplo, de quão impactante tem sido a ação do homem sobre a natureza.

Nessa metrópole, como originalmente em todos os lugares antes da chegada do ser humano moderno, havia florestas que, além de reter água da chuva, transferiam enormes volumes de água para os solos, num gigantesco efeito esponja que absorvia as águas das chuvas, liberando-as depois, lentamente, nas nascentes. As enchentes e secas, obviamente, podiam acontecer, mas, eram mais atenuadas e bem menos frequentes.

A São Paulo de hoje eliminou quase por completo a esponja e a substituiu por uma gigantesca capa impermeável, formada por concreto, telhados e asfalto que cobre muitos milhares de quilômetros quadrados.

Uma das primeiras bacias hidrográficas urbanizadas e impermeabilizadas em São Paulo foi a do rio ou córrego Tamanduateí, afluente do rio Tietê, naquela cidade. Com esse vale quase que totalmente impermeabilizado, as águas das chuvas não são mais são retidas e pouco infiltram-se nos solos, deixando de abastecer adequadamente o lençol freático e as nascentes.

Batem nos telhados e no asfalto e escorrem imediatamente, avolumando-se em grandes quantidades nos córregos e rios nos fundos dos vales.

A tabela abaixo, montada a partir de dados do DAEE – Departamento de Água e Energia Elétrica do Estado, mostra em números, as consequências do resultado da impermeabilização dos solos, fruto do crescimento mal planejado de uma cidade, fazendo aumentar de forma impressionante as cheias e enxurradas:

Esses dados mostram claramente que a vazão do rio Tamanduateí, na capital paulista, aumenta consideravelmente, mesmo quando se comparam chuvas de mesmo volume e intensidade, em épocas históricas diferentes ao longo de quase um século. Observa-se que, de 1893 até os dias de hoje, a água que a mesma intensidade de chuva faz chegar a este córrego quase que foi multiplicada por dez!

Nesses quase 100 anos o que não faltaram foram obras de retificação, canalizações, aumentos de capacidades de vazão e desassoreamentos na grande São Paulo. No entanto, mesmo com todas essas obras, basta uma chuvarada forte de verão e centenas de pontos de alagamento acontecem pela cidade afora, em que pesem todas essas obras.

Como já mencionamos algumas vezes nas últimas semanas, não é o caso de acabar nem com São Paulo nem com nenhuma de nossas cidades, nem mesmo com as áreas rurais. É caso, isso sim, de termos sabedoria e procurar fazer a coisa certa: preservação e áreas naturais onde é possível manter essas áreas naturais, e ocupação humana inteligente de formas a minimizar ao máximo as consequências do que costumamos chamar, eufemisticamente, de progresso.

Embora seja quase impossível reproduzir na cidade o equilíbrio hidrológico de uma floresta, muita coisa pode ser feita. Áreas verdes e boa arborização urbana, plantada com técnicas de transferência de águas para os solos já ajudam bastante. Implantação de cisternas em edifícios e casas contribuiriam significativamente para equacionar o problema.

Essa mesma água armazenada nas edificações pode ser utilizada para lavar calçadas e para outros usos que não exigem água potável nos períodos de falta de chuva. Pavimentação de ruas que promovam infiltração de água e sarjetas permeáveis, além de muitas outras medidas ajudam a solucionar esse problema. Enfim, já há algum tempo se conhece esses tipos de alternativas.

Alguma coisa já melhorou, mas, ainda, é muito pouco. Precisamos deixar de insistir no erro de progredir e passar a agir mais de acordo com a natureza. Precisamos melhorar muito mais e, quanto mais cedo começarmos, melhor.

Sob o olhar do fiscal da então pioneira AEMA – Assessoria Especial de Meio Ambiente, Marcos Gofferjé, o rasgar clandestino de uma estrada madeireira na Nova Rússia foi embargado e interrompido. Trinta anos depois as consequências fizeram-se acontecer no grande deslizamento que destruiu totalmente algumas propriedades e fez o rio Garcia mudar de curso, na altura da “Ilha do Sossego” em Blumenau. Foto Lauro E. Bacca, em 15/06/1979.


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