O Decreto municipal 8734, de 22 de julho de 2008, delimitava três áreas de terras conhecidas por “Morro do Jerônimo”, “Morro do Arthur” e “Wigando Wild”, localizadas no bairro Progresso em Blumenau, como zonas de especial de interesse social (ZEIS), para fins de regularização fundiária.

Cumpria-se com esse decreto um ritual abominável, tão presente na política brasileira. Deixam-se as pessoas entregues à própria sorte e tolera-se uma, duas, milhares de ocupações de solo irregulares, num primeiro ato de irresponsabilidade eleitoreira e, depois de formado o curral eleitoral, corre-se atrás, tentando regularizar o irregular, num segundo ato de criminosa irresponsabilidade eleitoreira que grassa em nosso país.

Não é de hoje que os moradores desses aludidos loteamentos são “acariciados” pelas autoridades. Há uns 30 anos a prefeitura construiu uma ponte de concreto para melhorar o acesso ao “morro do Artur”, para atender uma área de ocupação 100% irregular. Dinheiro público que deveria ser melhor aplicado na prevenção dessas ocupações ou, falhada essa prevenção, na relocação das pessoas para locais mais seguros e adequados.

Exatos quatro meses e um dia depois do decreto municipal 8734, mais precisamente no dia 23 de novembro de 2008, acontece o evento geoclimático extremo conhecido como tragédia do Morro do Baú e que atingiu também duramente Blumenau e o bairro Progresso. E o “avião” que se tentava homologar para voo com o decreto 8734 foi um dos que “caiu”.

Os lugares conhecidos como Morro do Artur, Jerônimo Correia e Wigando Wild, entre tantas e tantas outras ocupações irregulares desse lado oculto da Blumenau que se intitula capital do “Vale Europeu”, estão entre os mais problemáticos, do ponto de vista da segurança geológica do município.

A cada episódio de chuva mais forte todos os moradores ficam de orelha em pé e não foram poucos os episódios de deslizamentos de encostas ou quedas de barreiras e mesmo de mortes ali ocorridas. Entre estas, certa vez, um cidadão recusou-se a aceitar o apelo da defesa Civil, teimou em permanecer no local e pagou com a própria vida e a vida do filho, soterrados por um desabamento de encosta. No Jerônimo Correia há casos em que a ambulância sequer consegue chegar em algumas moradias para socorro médico emergencial.

Por que escrevemos hoje sobre esses exemplos de ocupação irregular? É que em todas as eleições têm candidatos divulgando que vão lutar pela regularização de loteamentos irregulares, não tem outro jeito mesmo, mas, há alguns dias ouviu-se um candidato prometendo “dar dignidade e cidadania às pessoas, regularizando ruas de placas amarelas”, só que esse candidato citou especificamente o loteamento Jerônimo Correia.

Ora, ocupações como essas três aqui mencionadas, constam entre as mais problemáticas do município, do ponto de vista de segurança geológica. Segundo mapas da Defesa Civil de Blumenau, são exatamente esses os principais casos indicados para interdição e evacuação, ou seja, cuja mais adequada solução será o RELOCAMENTO de todos os seus moradores, dada a complexa situação desses locais.

Agravante extra para esses loteamentos clandestinos aqui mencionados é sua proximidade com o Parque Nacional da Serra do Itajaí, impactando direta e indiretamente essa importante Unidade de Conservação da Natureza de nossa região. Então, além do risco geológico que, por si só já bastava, há, ainda, o risco Ecológico.

Se antes da tragédia de novembro de 2008 as ocupações irregulares já eram inadmissíveis, agora, depois de tudo o que aconteceu e diante das previsões climáticas de que os eventos extremos tendem a se intensificar e ficar mais frequentes, aliás, mudanças climáticas que já estão em pleno curso, não há mais escolha a fazer a não ser:

Evacuar o quanto antes, relocando para lugares mais dignos de moradia, todos os moradores de áreas de risco, não apenas em Blumenau, mas, em todas as nossas cidades.
Começar pelas situações de maior gravidade. No caso de Blumenau, exatamente pelos morros do Artur, Jerônimo Correia e Wild. Custará caro? Sim, será caro. Mais barato teria sido impedir essas ocupações. Agora, não tem mais remédio;

Para evitar o crescimento dessa cruel bola de neve humanitária e financeira, estancar e impedir todo e qualquer novo loteamento irregular ou clandestino, nova moradia ou qualquer outra construção, sem o devido licenciamento, mormente em áreas de preservação permanente, de risco geológico ou similares.

Ou será que o próximo prefeito vai homologar mais “aeronaves” sem condição nenhuma de decolagem? A “aeronave” Artur-Jerônimo-Wild já está lotada de “passageiros”. Por ser insegura, não pode decolar. Que se transfiram então os passageiros para outras aeronaves, ou seja loteamentos seguros e legalizáveis. Isso é dar dignidade verdadeira aos cidadãos. O contrário é demagogia pura, para não dizer, criminosa.

Barragem Sul, em construção em Ituporanga, 1974. Em plena época em que o desmatamento corria solto essa obras eram anunciadas como a solução para as enchentes no Vale do Itajaí. Enquanto as barragens de concreto eram erguidas, a barragem natural representada pelas florestas sumia, os aterros destruíam (e ainda destroem!) baixadas alagáveis, importantes dissipadoras de enchentes e as retificações e canalizações continuam sendo feitas sem qualquer critério. O resultado é o que todos conhecem: sem as medidas de correta gestão ambiental, os efeitos das três barragens ficaram muito aquém dos anunciados. Foto Lauro E. Bacca, em 31/12/1974.