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Barragem Norte em José Boiteux: entenda conflito entre indígenas e governo

Justiça Federal determinou que o estado cumpra uma série de medidas para garantir a segurança da comunidade

Devido às fortes chuvas que atingem Santa Catarina desde a última semana, o governador de Santa Catarina, Jorginho Melo (PL), determinou o fechamento da Barragem Norte em José Boiteux neste sábado, 7, o que gerou um conflito entre o governo e a comunidade indígena que mora na região.

Indígenas fizeram uma barricada para impedir chegada das forças de segurança para fechar a barragem.

O motivo do conflito é que existe uma série de medidas a serem tomadas antes do fechamento da barragem, a fim de evitar muitos prejuízos à comunidade, que sofre com inundação de áreas com plantação e moradia, além de ficarem ilhados.

Porém, os indígenas alegam que o governo estadual não estaria cumprindo com essas exigências. Na manhã deste domingo, 8, o comandante-geral da Polícia Militar, coronel Aurélio Pelozato da Rosa, afirmou que houve negociação do governador com o cacique Setembrino Camlem para acordar alguns direitos. Após a decisão, os indígenas que estavam no local deixaram os profissionais entrarem na área.

Durante a operação das forças de segurança pela manhã, três indígenas ficaram feridos após Polícia Militar usar bala de borracha. O coronel afirma que a situação ocorreu porque o grupo estaria na casa das máquinas e teria tentado desarmar os policiais. O comandante diz que o cacique foi informado e que os responsáveis seriam punidos. As comportas serão fechadas neste domingo.

Também neste domingo, equipes do 23º Batalhão de Infantaria de Blumenau foram até José Boiteux levar mantimentos para os indígenas que moram próximo à Barragem Norte.

Decisão judicial

Na noite deste sábado, a Justiça Federal acolheu um pedido do Ministério Público Federal (MPF) para que o governo de Santa Catarina adote uma série de medidas devido ao fechamento da barragem.

São elas:

1. Desobstrução e melhoria das estradas;
2. Equipe de atendimento de saúde em postos 24 horas;
3. Três barcos para atendimento da comunidade;
4. Ônibus para atendimento da comunidade até a cidade;
5. Água potável na aldeia;
6. Fornecimento de cestas básicas.

Além disso, também ficou acordado que após as comportas serem fechadas algumas casas ficarão submersas e por esse motivo o governo deverá construir novas casas para essas famílias, em local seguro e longe do nível do rio.

História

Um Estudo do Componente Indígena (ECI), realizado pela empresa Terra Ambiental – Consultoria em Meio Ambiente, conta que o processo de construção da Barragem Norte iniciou em 1976, sendo finalizado na década de 90, e “desconsiderou a presença dos povos indígenas ali presentes e a falta de um estudo de impacto ambiental anterior às obras repercute até hoje na comunidade”.

Uma pesquisa sobre a Barragem Norte e sua influência nas comunidades indíges, realizada em 2017 por Marcia Fusinato Barbosa Athayde e Pedro Martins, explica que o maciço da barragem foi erguido próximo aos limites da terra indígena Xokleng/Laklãnõ.

“Seu lago de contenção atinge as terras de várzea que antes da obra eram habitadas pelos povos Xokleng e Kaingang, pelo grupo Cafuzo inserido na área no final da década de 1940 e pelo grupo Mbya-Guarani lá instalado no início dos anos de 1950. Também atinge terras agricultáveis situadas às margens do Rio Dollmann, as quais eram utilizadas por descendentes de colonos instalados no lugar desde meados da segunda década do século XX”, explicam os pesquisadores.

Conforme a pesquisa, a implantação da Barragem Norte ocasionou no deslocamento dessas comunidades. “Boa parte dos indígenas migraram para fora da área e os que permaneceram tiveram suas moradias deslocadas para as encostas ao longo do rio. O grupo Cafuzo foi relocalizado em outra área do município e os moradores de Barra do Rio Dollmann dispersaram-se, alguns localizaram-se nos limites da área de segurança da barragem, mas a maior parte migrou para outras cidades”, contam.

O Estudo do Componente Indígena (ECI) informa que a comunidade indígena foi atingida por uma primeira grande enchente causada pela Barragem Norte em 1978. “A enchente foi responsável por destruir boa parte da estrutura, cultivos e criações existentes à margem do Rio Hercílio. Segundo os indígenas, no dia após a inundação iniciou-se um processo de improvisação de moradias, com lonas, madeira e palha. Em 1983, houve outra grande enchente que destruiu o que havia restante das casas, estruturas, plantações e criações indígenas nas margens do rio”, conta o estudo.

Já que o reservatório atingiu terras habitadas pelos indígenas, as famílias cobram a reparação de danos.

Conforme o estudo, em 2015 houve um acordo entre a Defesa Civil de Santa Catarina, a Funai, o Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC), as comunidades indígenas e a Secretaria de Patrimônio da União. Esse acordo previa a atualização da matriz de impactos da barragem sob as comunidades e a realização de obras e medidas de mitigação destes impactos. Daí que surgiu o Estudo da Componente Indígena.

Plano de contingência

Existe um plano de contingência a ser seguido, apresentado pela Defesa Civil de Santa Catarina no início deste ano.

O objetivo é garantir segurança à comunidade indígena nos momentos em que a maior barragem de contenção de cheias em Santa Catarina precisa ser utilizada para conter inundações em municípios do Vale do Itajaí, principalmente Blumenau.

A operação da barragem em período de cheias impacta principalmente os acessos de deslocamento da comunidade indígena, que ficam interditados devido à inundação. Isso faz com que eles precisem utilizar caminhos secundários, o que dificulta o deslocamento e aumenta a quilometragem, além de ocasionar risco devido as vias com baixo fator de segurança.

Execução do plano

A execução do plano de contingência tem algumas fases. A primeira etapa consiste em avisar os indígenas sobre o estado de atenção e dar início ao plano.

Nível laranja – 269 metros

É preciso notificar a comunidade indígena sobre a existência das condições ideais para ocorrência de mais chuvas e intensificar o monitoramento. Também é necessário instalar posto de comando na Prefeitura de José Boiteux.

Já é preciso colocar em prática os critérios para fornecimento de cesta básica, que deve ser ofertada pela Defesa Civil estadual.

Com um acesso interditado, também é necessário dispor de um micro-ônibus para a rota 1 de transporte aos indígenas.

Além disso, uma viatura da Sesai deve ficar de plantão no posto de saúde próximo da barragem para atendimentos emergenciais, com a intenção de agilizar o atendimento, pois terá que utilizar a rota de fuga.

Nível vermelho – 275 metros

No nível vermelho (cota 275 metros), os dois principais acessos já estão interditados por inundação. Com isso, é ativada a rota 2 de transporte.

Nível vermelho – 295 metros

Nesta etapa, se prevê uma possível evacuação das famílias para casa de amigos, familiares ou abrigos temporários da Defesa Civil.

Nível vermelho – 298 metros

Além da evacuação, nesta etapa vê-se a possibilidade de fornecimento de água potável conforme necessidade.

Nível vermelho – 300 metros

Segue a orientação para evacuação das famílias.

Nível vermelho – 302,8 metros

Nessas condições, é quando a barragem começa a verter. Nesta etapa, todas as ações de resposta às famílias já devem ter sido ativadas e encaminhadas à Defesa Civil.

Estrutura da barragem de José Boiteux

A Barragem Norte é uma estrutura de enrocamento com núcleo de argila que teve sua construção iniciada em 1976 e entregue no início da década de 1990, com objetivo de minimização de cheias nas cidades a jusante, principalmente em Blumenau.

O barramento tem cerca de 60 metros de altura máxima e capacidade para armazenamento de mais de 357 milhões de m³ de água (357 hm³).

A barragem é composta do barramento principal, galerias de descarga de fundo sem controle, duas tulipas contendo comportas gaveta de controle e um vertedouro com soleira livre com cerca de 300 m, projetado para um tempo de recorrência de uma cheia decamilenar.

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