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Blumenauense busca superar doença degenerativa com a equitação adaptada

Graziel Uhlmann foi diagnosticado com esclerose múltipla há cinco anos e se encontrou no paradesporto

Aos 30 anos, Graziel Uhlmann era um cidadão blumenauense comum. Morador da Itoupava Central, ele trabalhava como projetista elétrico e logo se tornou pai de primeira viagem. Quando o filho, Gabriel, estava com seis meses, Graziel acabou sendo demitido e a preocupação em manter a família estável foi grande.

Durante este período difícil, ele começou a perceber algumas dificuldades de locomoção e dores para andar, porém presumiu que se tratava de falta de exercício físico. Depois de muita insistência da esposa, Rosa de Lima Uhlmann, Graziel aceitou ir ao médico. Mas os possíveis diagnósticos só assustaram ainda mais a família.

Dois médicos acreditavam que Graziel podia sofrer de ataxia cerebelar, uma doença que prejudica os movimentos devido a danos no cérebro, nos nervos ou nos músculos.

Entretanto, exames mais aprofundados confirmaram: Graziel possui esclerose múltipla. A doença crônica afeta a coordenação motora e a visão, além de trazer dor e fadiga para alguns.

“No início foi muito difícil lidar com a doença, sabendo que ela era degenerativa e tínhamos um bebê para cuidar. Ele ficou muito assustado”, conta Rosa.

Graziel com a esposa Rosa e o filho Gabriel. Foto: Alice Kienen

Por ter uma condição silenciosa em comparação a outros pacientes, Graziel demorou a descobrir que havia algo de errado com seu sistema imunológico. Até o diagnóstico, ele já estava com 34 lesões, o que comprometeu os movimentos, a visão e até mesmo a fala.

Com o desenvolvimento das lesões ele precisou se aposentar por invalidez, porém no início não queria cuidar do corpo. Apesar de a esclerose múltipla não ter cura, exercícios físicos podem ajudar a combater os sintomas e retardar a progressão da doença.

Foi com a insistência de Rosa que Graziel começou a fazer natação e fisioterapia e percebeu uma melhora no dia a dia. Entretanto, manter as aulas apenas com o salário de Rosa e a aposentadoria dele ficou apertado. Foi aí que, graças à indicação de um professor do programa, o casal conheceu o Paradesporto de Blumenau.

A partir da associação, Graziel passou a ter acesso a natação gratuitamente e pôde conhecer outros alunos que, assim como ele, estavam buscando melhorar os quadros de suas doenças. Hoje, aos 37, o blumenauense encontrou nos cavalos uma forma de se deslocar sem dificuldades.

Equitação adaptada

Foi em setembro de 2017 que Graziel ficou sabendo que uma nova modalidade seria lançada em Blumenau: a equitação adaptada. O esporte, que é tanto terapêutico quanto educacional, atende 20 alunos da cidade que possuem deficiências físicas, como paralisia cerebral, distrofia muscular, vítimas de traumatismo craniano, síndromes e, é claro, esclerose múltipla.

O principal objetivo é melhorar o equilíbrio dos alunos. Montar a cavalo já trabalha este fator, que também ajuda a desenvolver a força muscular e a coordenação motora ao conduzir o animal.

“Iniciamos com alguns exercícios básicos e educativos adaptados pra condição funcional do aluno, mas com o objetivo de depois de algumas aulas a pessoa conduzir o cavalo sozinha”, explica a pedagoga especialista em equoterapia, Silvia Pereguda Luciani.

Graziel e a professora Sessuana. Foto: Alice Kienen

A modalidade conta com cinco professores, sendo necessários três em cada aula para auxiliar o aluno e guiar o cavalo e as atividades, que duram cerca de meia hora. Além da montaria, os alunos também auxiliam em todo o processo de preparo do animal.

“É importante que eles tenham esse vínculo com o animal e o contato com o universo da equitação. Os exercícios são bastante cansativos, e o esforço é ainda maior por conta da deficiência. Assim, eles exercitam pedagogicamente as teorias também, trabalhando a musculatura e o cérebro o tempo todo”, defende Silvia

Com uma lista de espera de mais de 80 alunos, Graziel foi um dos selecionados para fazer uma aula semanal de equitação adaptada. Entretanto, precisou enfrentar um grande desafio: ele não gostava de cavalos.

“A primeira aula foi um desespero, porque é quando testam a afinidade com o animal. Ele olhou bem sério e falou alto ‘não gosto de cavalo’! Eu já liguei pra minha mãe dizendo ‘pronto, perdemos essa oportunidade’, mas depois das três aulas de teste e mais uma aula extra para garantir, ele entrou para o programa”, comemora Rosa.

Mal sabia ele que no início desse ano conquistaria o primeiro lugar no 1º Paraenduro Equestre Catarinense. Ele se destacou na prova de cinco quilômetros e trouxe um troféu para Blumenau junto de Gabriel Lopes da Silva, que ficou em segundo lugar na mesma prova. Graziel lembra do momento da vitória com emoção.

“Foi muito bom. Um sentimento de emoção que eu nunca tinha vivenciado. Chamarem o meu nome e saber que eu tive um rendimento melhor do que os outros”, conta.

Graziel no pódio ao lado da equipe. Logo abaixo está a amiga e professora Sessuana e, ao lado dela, a professora Silvia. Foto: Paradesporto de Blumenau

A esposa, Rosa, reforça: “Em nenhum momento achei que ele fosse ganhar, só queríamos participar e ver como era. Quando chamaram o nome dele, ele chorou. Ele vai te dizer que foi poeira de cupim que caiu no olho dele, mas sei que ele chorou”, brinca.

O nacional acontece em setembro e Graziel vai ao polo de equitação três dias por semana para garantir o treinamento antes da competição. Em cima do cavalo, ele consegue esquecer as dificuldades e se locomover naturalmente.

“No cavalo eu me sinto igual aos outros. Porque eu consigo andar e correr com o cavalo como uma pessoa sem deficiência. Isso demanda conhecimento de comando, mas eu me igualo a outra pessoa em cima do cavalo”, celebra.

Ele destaca que a atividade ainda é um desafio, pois combinar diferentes movimentos ficou mais difícil com o agravamento da doença. Mas ele ainda consegue fazer diversos exercícios de equilíbrio e movimento em cima do animal.

Graziel se exercitando no cavalo, acompanhado da professora Silvia. Foto: Alice Kienen

“Com esclerose é difícil de fazer mais de um movimento ao mesmo tempo, ou então sincronizar movimentos com a fala. Agora eu estou aqui falando com você, segurando o Gabriel, de olho no que ele tá jogando no celular e prestando atenção no olhar que minha mulher tá me mandando”, brinca.

Rosa também destaca que, diferente de uma clínica de fisioterapia, o ambiente do paradesporto é muito mais acolhedor. “Somos todos uma grande família”, reflete. E a equipe também entende isso, pois prioriza a participação de toda a família no processo.

“É importante pontuar que as aulas vão muito além do ambiente aqui, o benefício é estendido pra família. A Rosa e o Gabriel estão sempre aqui junto. Eles tinham medo do cavalo também, hoje a Rosa já montou e o Gabriel sempre pede pra dar comida pra eles”, explica Sessuana Magalhães da Rosa, professora da modalidade e amiga de infância de Graziel, que reencontrou no paradesporto.

Agosto Laranja

O mês nacional de conscientização da esclerose múltipla é agosto por conta do dia 30, quando é celebrado o dia nacional da doença. A data foi escolhida em homenagem ao aniversário de Ana Maria Levy, fundadora da Associação Brasileira de Esclerose Múltipla.

O objetivo do Agosto Laranja é divulgar a doença e contribuir para o diagnóstico precoce, o tratamento adequado e a melhora na qualidade de vida dos pacientes. Apesar de ser rara, a esclerose múltipla afeta cerca de 35 mil pessoas no Brasil e 2,5 milhões no mundo todo. Diferente do que a maioria imagina, o grupo mas afetado são os jovens adultos, entre 20 e 40 anos.

A doença não tem cura, mas terapias e exercícios como a equitação trazem uma melhora na mobilidade e na confiança do paciente. Graziel já aceitou que vai ter que lidar com a doença para o resto da vida, mas a família tenta focar no presente.

“Tem que viver um dia de cada vez, porque se for pensar no futuro você não vive”, desabafa Rosa.

Graziel controla o animal sozinho com maestria. Foto: Alice Kienen