Blumenauense que morreu de Covid-19 pode ter sido vítima de reinfecção
Mulher de 59 anos passou três meses sem sintomas antes de ir para a UTI com um segundo resultado positivo
Com o início do mês de setembro, o Brasil completa pouco mais de seis meses enfrentando a pandemia de Covid-19. Por se tratar de um vírus novo, muitos fatos ainda estão sendo descobertos ou confirmados pelos cientistas. Entretanto, uma certeza já existe: ter sido infectado pelo vírus uma vez não torna a pessoa imune à doença.
Casos de reinfecção ao redor do mundo já foram registrados pela comunidade médica. Porém, pela dificuldade de comprová-lo, muitas pessoas acabam contraindo o vírus novamente sem poder atestar.
Este pode ter sido o caso Leocadia da Silva, de 59 anos. A blumenauense faleceu na última sexta-feira, 28, quatro meses após receber o primeiro resultado positivo para Covid-19 e ter sido considerada um caso recuperado.
Os primeiros sintomas começaram por volta do feriado de Tiradentes, celebrado em 21 de abril. Febre por três dias, cansaço e dor de garganta. Pelo fato de Leocadia ser diabética, a família logo levou ela à Vila Germânica para atendimento.
“No dia ela teve um episódio de vômito e muita tontura. Chegando lá já detectaram que ela tinha algo no pulmão e fomos direto para o Hospital Santo Antônio. Fizeram uma bateria de exames, incluindo para Covid. Como não havia nada grave, ela ficou em isolamento e todos os dias a Saúde ligava para saber como ela estava”, conta a filha Caroline Rafaela da Silva.
Após 14 dias isolada no quarto, a blumenauense foi considerada curada. Ela não apresentava mais sintomas. A família chegou a levá-la para realizar outros exames, por conta da artrite e da artrose. Ela também tomou a vacina para H1N1, já que a diabetes tornava até mesmo uma gripe difícil para ela.
Leocadia e o marido, que já tem mais de 60 anos e é hipertenso, continuaram em isolamento. Entretanto, eles moram com um dos filhos, que é casado e tem uma filha de um ano. Em meados de julho, a nora testou positivo para Covid-19, seguida do filho.
Cerca de uma semana depois, a senhora voltou a ter sintomas. Mas dessa vez eles vieram mais fortes. A febre veio acompanhada de muita dor no corpo, na garganta, no ouvido e na cabeça. Receosa em ser entubada, Leocadia evitou ao máximo ir para o hospital.
“Ela foi bastante resistente. Queríamos que ela tivesse ido antes, porque não estava se sentindo bem. Quando ela chegou lá, na madrugada do dia 3 de agosto, ela estava com 80% do pulmão comprometido. Ficou só um dia no oxigênio antes de ir para UTI”, relata a filha.
Apesar de não ter resistido à doença, a família acredita que o atendimento prestado pela Saúde do município foi excelente. Mesmo em coma, os médicos do Hospital Santo Antônio realizavam videochamadas para que a família pudesse ver a paciente.
“Não existe imunidade duradoura”
Para o infectologista Amaury Mielle, falta consciência da população e do poder público quantos aos riscos de reinfecção. Muitos acreditam que, após contraírem a doença, estão protegidos dela.
“É muita pretensão nossa achar que esse vírus vai dar imunidade duradoura, porque nenhum outro coronavírus dá. Estudos acompanhando os anticorpos mostram que eles desaparecem com o tempo. Apenas a vacina vai resolver”, explica.
Ainda assim, cientificamente falando, uma nova exposição ao Sars-CoV-2 deveria ser mais branda do que a primeira. Afinal, o corpo já conhece o vírus e possui anticorpos. Entretanto, este não foi o caso de Leocadia.
“Normalmente quando o pulmão é comprometido, como aconteceu com ela, é por conta de uma exposição a uma carga viral maior. Como a diabetes é considerada uma imunodeficiência, a imunidade fica mais delicada”, pondera.
“Recuperado do quê?”
O imunologista se declara contra o termo “recuperado” para os pacientes que conseguiram sobreviver ao vírus. Para ele, os sintomas que muitas vezes continuam mesmo após a “cura”, continuam afetando a vida da pessoa.
“Muitas pessoas desenvolvem a síndrome pós-Covid. Não recuperam paladar, têm lapso de memória, dificuldade de concentração, dores na cabeça e no corpo. Recuperado do quê? E o problema maior é que ninguém estuda esses casos no Brasil”, reflete.
Como não é possível verificar se o vírus que infectou Leocadia pela primeira vez não é o mesmo que se manifestou no mês passado, é impossível afirmar com certeza que ela foi reinfectada.
O procedimento da Prefeitura de Blumenau também não comprova a recuperação por meio de um novo teste negativo, o que reforçaria que esta seria uma nova infecção. Ainda assim, o médico acredita que essa é a explicação mais plausível.
“Como o Brasil já está enfrentando a pandemia há seis meses, vamos ver cada vez mais casos como esse. As pessoas precisam ser alertadas que elas continuam no grupo de risco mesmo depois de pegar o vírus. Você não tem passaporte de imunidade”, alerta o especialista.