Bombeiros voluntários de SC se mobilizam contra projeto de lei que pretende tornar corporação submissa aos bombeiros militares
Confira posicionamento das duas organizações
O Corpo de Bombeiros Voluntários de todo o Brasil estão reunidos em uma mobilização contra a aprovação do projeto de lei (PL) 4.363/2001, criado pelo Corpo de Bombeiros Militar.
O PL existe desde 2001, mas foi colocado novamente para votação e aprovado na Câmara dos Deputados no dia 14 de dezembro deste ano. Agora o texto segue para aprovação no Senado Federal. No entanto, na interpretação dos bombeiros voluntários, o texto soa como uma ameaça para eles nos seguintes artigos:
- Art. 6º Compete aos corpos de bombeiros militares, nos termos das suas atribuições
constitucionais, além de outras atribuições previstas na legislação:XIII – regulamentar, credenciar e fiscalizar as empresas de fabricação e
comercialização de produtos, bem como as escolas formadoras e profissionais, na
prestação de serviços relativos à segurança contra incêndio, pânico e emergência,
a brigadas de incêndios, e aos serviços civis e auxiliares de bombeiros (SCAB);
(GN)
- Art. 35§ 3º É vedado o uso dos nomes “POLÍCIA MILITAR”, “BRIGADA MILITAR”, “FORÇA PÚBLICA” e “BOMBEIRO”, “BOMBEIROS” e/ou “CORPO DE BOMBEIROS” por instituições ou órgãos civis de natureza Pública, vedado também o uso isolado ou adjetivado pela expressão “civil”, por pessoas privadas. (GN)
Motivos da preocupação
Evandro Vinotti é comandante estadual do Corpo de Bombeiros Voluntários e atua na cidade de Indaial. Ele explica o motivo da preocupação perante a aprovação do projeto de lei.
“Estamos preocupados porque se essa PL for aprovada, ela pode botar em cheque a existência do bombeiro voluntário no país inteiro. Ela regula, credencia, fiscaliza, limita e dá situações específicas para escolas de formações de bombeiros. Enfim, ela criará ferramentas para que os bombeiros militares do Brasil possam ir aos pouquinhos sufocando os bombeiros voluntários”, diz.
Vinotti afirma que o problema não está concentrado apenas em Santa Catarina, inclusive ressalta que a relação dos bombeiros voluntários com os militares é pacífica no estado. Porém, como o projeto de lei serve para todo o Brasil, a preocupação se intensifica.
“Eu não falo do bombeiro militar de Santa Catarina, nós temos um relacionamento muito bom, eles são ótimos e fazem um trabalho fantástico. Mas, falo ao nível Brasil, tem muitos locais que os bombeiros voluntários não conseguem se instalar porque os bombeiros militares têm resistência. Então eles têm uma associação, o Ligabom, e através dela, têm trabalhado para aprovar essa PL”, alega.
Possível erro de interpretação
O comandante do 3º Batalhão de Bombeiros Militar de Blumenau, o tenente-coronel Jorge Artur Cameu Júnior, menciona que a Ligabom (Conselho Nacional dos Corpos de Bombeiros Militares do Brasil) divulgou uma nota técnica com o intuito de esclarecer as interpretações.
A nota menciona sobre a eventual impossibilidade de atuação dos corpos de bombeiros voluntários em razão do art. 6º, XIII, e também sobre a suposta vedação ao uso de denominações como “bombeiro”, “bombeiros” ou “corpo de bombeiros”, abordadas no § 3º do art. 35.
“De acordo com a nota, esses pontos não são exatamente como estão sendo interpretados pelos bombeiros voluntários. Por exemplo, não há qualquer intenção de exterminar, de impedir a atuação deles. Eles não vão deixar de existir, mesmo que a lei seja aprovada do jeito que está”, explica o comandante Cameu.
Nota técnica do Ligabom
“Por todo o exposto, conclui-se que a aprovação do texto do PL 4.363/2001 no Senado
Federal, não inviabilizará o funcionamento dos corpos de bombeiros voluntários
existentes especialmente na região Sul do país. Isso, porque a Proposição em comento busca simplesmente regulamentar as atividades típicas de Estado, desenvolvidas por entidades privadas, disciplinando a melhor forma de atendimento à sociedade. Além disso, tem por objeto estabelecer a adequada utilização dos termos “bombeiro” e “corpo de bombeiros”, que hoje são comumente empregados de forma equivocada por alguns setores da sociedade”, diz a conclusão da nota.
Leia a nota na íntegra clicando aqui.
Opinião dos voluntários sobre a nota
O presidente da Associação dos Bombeiros Voluntários no Estado de SC (ABVESC) e secretário da Federação Nacional dos Bombeiros Voluntários (Conabov), Ivan Frederico Hudler, comenta seu ponto de vista sobre a nota.
“Essa nota técnica surgiu depois de terem votado para a lei na Câmara, até então não tínhamos conhecimento disso. (…) O fato é que a ameaça já foi feita e a nota técnica não tem valor nenhum perante à legislação. É meramente uma forma de tranquilizar e dizer que podem votar no PL”, diz.
Submissão ao Corpo de Bombeiros Militar
O tenente-coronel Cameu explica que o projeto de lei ainda pode sofrer alterações, no entanto, neste momento, não irá implicar em nada diferente da situação atual dos bombeiros voluntários.
De acordo com ele, o projeto de lei prevê uma padronização nacional que respalde diversas ações da Polícia e do Corpo de Bombeiros Militares. No entanto, menciona que existe uma expectativa de que os bombeiros voluntários passem a ser de responsabilidade dos militares.
“Os bombeiros oficiais de cada estado são os militares. Então há uma expectativa de que esses entes também sejam responsáveis pelos bombeiros privados, voluntários e municipais, já que o modelo nacional, pela constituição federal, são dos corpos de bombeiros dos estados, todos militares”, afirma.
Contudo, ele reitera que isso é um posicionamento nacional da Ligabom e dos comandantes gerais, mas que não necessariamente traduz as intenções o CBMSC, o qual segundo ele, prioriza um trabalho de integração.
O presidente da ABVESC reitera que a submissão pode ser uma ameaça para os bombeiros voluntários: “há um risco de, com o tempo, extinguir os bombeiros voluntários, porque se existe uma subordinação, podemos simplesmente ser extintos, porque o controlador pode achar que este modelo não é mais necessário”.
Relação harmônica
Cameu assegura que não há nenhuma pretensão de atrapalhar o funcionamento dos bombeiros voluntários, e assim como o comandante Vinotti, comenta sobre os avanços na construção de uma relação harmônica e pacífica entre voluntários e militares nos últimos anos.
“Viemos trabalhando bastante para buscar essa aproximação. Reconhecemos o trabalho deles, inclusive em municípios que ainda não tem bombeiros militares. Se a comunidade tiver interesse em construir bombeiros voluntários, da nossa parte não há objeção, porque sabemos que vários municípios não contam com o serviço. Caso não tenhamos condições e os bombeiros voluntários queiram prestar, perfeito. Quem ganha é a comunidade, é ela que precisa ser assistida”, reitera.
Luta contra a aprovação no Senado
O presidente da ABVESC afirma que quando o PL foi aprovado na Câmara dos Deputados, os bombeiros voluntários iniciaram uma mobilização. Eles emitiram uma nota de repúdio e entraram em contato com deputados e senadores.
Diante da situação, o senador Esperidião Amin emitiu um requerimento, dizendo que os artigos eram ameaçadores para os bombeiros voluntários e pedindo para que o Senado retornasse ambos para análise na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ).
“Então no ano que vem, esse PL volta para o CCJ, para a Câmara de Discussão, para analisar essas duas inserções. Se tiver a supressão deles ou alguma alteração, volta para a Câmara para votar de novo” explica o presidente da ABVESC.
A história dos bombeiros voluntários em SC
A cidade de Joinville foi a primeira brasileira a ter um Corpo de Bombeiros Voluntários, o CBVJ. Desde 1892, ou seja, há 130 anos o município conta com o trabalho destes profissionais, que depois se espalharam para todo o país. Os bombeiros militares chegaram a Santa Catarina em 1926.
“O texto do relator ignora completamente uma tradição de 130 anos em Santa Catarina, que é o berço dos bombeiros voluntários no país. Em SC e Joinville temos a maior e primeira corporação de bombeiros do Brasil. Os bombeiros voluntários são uma herança da cultura alemã, que nossos imigrantes instalaram”, defende Hudler, presidente da ABVESC.
A importância do trabalho
Rudinei Pinsegher, é comandante dos Bombeiros Voluntários de Ibirama, onde atua desde 2009. Ele explica e demonstra, a partir de números, a importância do trabalho realizado por eles para a população catarinense.
“Nós, bombeiros voluntários, existimos porque o estado não consegue suprir a necessidade de se ter um quartel em cada município. Os voluntários em SC são responsáveis por atender de forma direta uma população de aproximadamente 1.500.000 habitantes, realizando aproximadamente 300 atendimentos diários”, alega.
Quanto ao projeto de lei, Pinsegher argumenta: “vai inviabilizar o serviço, pois caberá única e exclusivamente ao bombeiro militar controlar, regulamentar, credenciar todos os tipos de serviços da área bomberil. Se formos impedidos ou restringidos de trabalhar, diversas pessoas perderão suas vidas e seus patrimônios”.
O presidente da ABVESC expressa sua opinião sobre a iniciativa dos bombeiros militares e ressalta os benefícios que os bombeiros voluntários apresentam para os municípios.
“Bons exemplos e bons resultados precisam ser valorizados e não combatidos. O Brasil tem mais de 5 mil municípios e 80% deles não tem bombeiros. Então combater os voluntários, que tem custo baixo, eficiência altíssima e aceitação da população, isso só pode ser entendido como corporativista, benefício próprio”, finaliza Hudler.
Consulta pública
Está sendo realizada uma consulta pública no site do Senado Federal, onde a população pode votar se concorda ou não com o projeto de lei. Quem quiser contribuir com os bombeiros voluntários, pode votar NÃO. Para aqueles que concordarem com a aprovação do PL, podem votar SIM. A opinião pode ser manifestada através deste link.
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