Comenta-se que no longo período da Idade Média, também conhecida como idade das trevas, uma violenta tempestade com raios causou sérios transtornos e prejuízos a certo vilarejo. Alguém viu uma mulher vestindo meias na porta da sua casa logo antes da calamidade, ela foi acusada de bruxaria e responsável pelo acontecido, acabando por isso, e só por isso, sendo queimada viva na fogueira da “Santa” Inquisição.

Em pleno século XXI ainda existe quem veja bruxas por aí. Foi assim na área ambiental quando uma árvore que não existia por aqui, de origem africana, conhecida como espatódea, foi a bruxa da vez, acusada de ter um néctar tóxico nas suas belas flores vermelhas que mata incautos insetos que, sem saber do perigo dessa desconhecida espécie, ousavam buscar néctar nas suas flores.

Tal fato suscitou uma verdadeira caça às bruxas, no caso, a árvore afrodescendente, que mereceu até lei estadual proibindo seu plantio (até aí, tudo bem), mas também aquelas que já existiam sofreram verdadeira perseguição de extermínio em muitos lugares.

Algo absolutamente desproporcional, considerando que aplicação de agrotóxicos nas lavouras e jardins matam milhões de vezes mais insetos que as espatódeas e nem por isso houve condenação e proibição dos agrotóxicos que existem por aí.

Também as luzes das cidades e rodovias atraem e causam muito mais mortes de insetos que as flores de espatódeas e ninguém nunca se incomodou com isso.

A atual bruxa da vez são as bromélias, condenadas à erradicação de todos os jardins e arredores de casas, acusadas de serem hospedeiras das larvas do mosquito Aedes aegypti, famoso transmissor da dengue, chicungunha e prováveis outros males.

Trata-se de uma condenação igualmente sumária e desproporcional, considerando que existem alternativas à simples exterminação dessas belas plantas de nossos jardins e proximidades de casas. Típica atitude irracional, considerando que as cisternas de água formadas nas bases das folhas das bromélias estão longe de ser o principal criadouro do mosquito da dengue. Mais um caso de caça às bruxas.

As Bromeliáceas são uma família de plantas típica das Américas. Fora daqui existe uma única espécie na África. As cisterninhas de água acumulada entre suas folhas, nos ensina o eminente botânico paranaense Cristiano Medri, exercem um importante papel ecológico no meio ambiente.

Na natureza, a água das bromélias constitui também importante fonte de dessedentação de inúmeras aves e mamíferos em períodos de estiagem.

Com o acúmulo de folhas e outros resíduos vegetais e orgânicos nas “piscininhas” das bromélias, forma-se ali um verdadeiro caldo biológico, quase sempre impróprio ao desenvolvimento das larvas do Aedes aegypti. Nesses caldos biológicos desenvolve-se uma incrível variedade de formas de vida, inclusive de predadores de larvas de mosquitos.

Até mesmo uma espécie minúscula de crustáceo (grupo dos caranquejos e similares) vive nas águas de bromélias que ocorrem mais próximas do mar aqui em Santa Catarina e batizado de Elpidium bromeliarium pelo nosso naturalista maior, Fritz Müller!

Há quem diga que os agentes da saúde, quando não exigem a extirpação completa das bromélias, sugerem que a água dessas plantas seja escoada semanalmente, visando impedir o desenvolvimento do mosquito nosso inimigo. Acontece que, em isso sendo feito, não dá tempo de formar o caldo biológico cheio de matéria orgânica e aí mesmo é que pode se facilitar o desenvolvimento das larvas do Aedes.

Mesmo assim, se de fato as bromélias fossem o local preferencial de reprodução do mosquito (e não é!) e se não houvesse outra alternativa, eu concordaria com a eliminação das bromélias, mas essa alternativa existe e dá muito menos trabalho do que despejar semanalmente a água acumulada nessas plantas.

Assim como a população é orientada a impedir qualquer local que possa reter água parada, não custaria também orientar as pessoas que tenham bromélias suspeitas de serem hospedeiras do Aedes, a manter as cisternas das plantas sempre cheias, não de areia, que seria muito pesada para a planta, mas, de cepilho ou serragem, suficiente para fazer qualquer “mosquita” desistir de ali depositar seus ovos, conforme comprovado por estudos feitos por pesquisadores da USP – Universidade de São Paulo.

Sempre existem alternativas que não a “solução final” e irracional de caça às bruxas, como são as soluções fortemente influenciadas pela nossa nefasta cultura de que a natureza é nossa inimiga que deve ser combatida e permanentemente subjugada, atitude típica de nossa mentalidade antropocêntrica (vide coluna de 26/02/2024), que tantos males têm causado à natureza e a nós mesmos.

Assim como ninguém manda erradicar e destruir pratinhos de vasos de plantas que possam acumular água, também não precisamos erradicar e destruir as bromélias que são importantes plantas para o equilíbrio ecológico. Concordo com Cristiano Medri: exterminar bromélias por causa da epidemia de dengue é um verdadeiro e evitável desastre ecológico.

Até a edição do Decreto Presidencial 750, de fevereiro de 1993, o desmatamento corria solto em toda a região de ocorrência da Mata Atlântica brasileira. Locais já anteriormente desmatados e onde a floresta voltou em forma de capoeira ou capoeirão, deixando a terra descansar, voltavam a ser desmatados, mesmo em encostas impróprias para produção agropecuária, caso desta imagem obtida nas cabeceiras do rio Tubarão, em 1974. Cenas hoje, felizmente, cada vez mais raras, pelo menos no domínio da Mata Atlântica brasileira. Foto L. E. Bacca, em 27/12/1974.


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