Burnout: especialistas relatam aumento de casos de esgotamento profissional em Blumenau
Pesquisa também demonstra como empresas estão lidando com a questão
O nome “burnout” passou a fazer parte do vocabulário brasileiro recentemente – inclusive só entrou na Classificação Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial da Saúde neste ano. Em português, também é conhecida como síndrome do esgotamento profissional.
No primeiro dia do ano de 2022 a condição passou a ser considerada uma doença ocupacional. Ou seja, direitos trabalhistas e previdenciários são assegurados aos trabalhadores afetados pela síndrome, desencadeada pelo estresse crônico no trabalho.
Isto ocorreu durante o período de pandemia, quando a rotina de muitas pessoas virou de cabeça para baixo. No ano passado, a busca no Google por testes que detectassem a síndrome aumentou em mais de 400% de acordo com a plataforma de pesquisas Google Trends.
O termo burnout foi cunhado na década de 1970, pelo psicanalista alemão Herbert Freudenberge. Após 12 horas atendendo pacientes com problemas graves, ele acabou de cama por conta do esgotamento mental. Foi quando ele percebeu que sua vida girava em torno do trabalho.
Quem está mais propenso?
A psicóloga Caroline Busarello Brüning explica que, apesar de diversos fatores no trabalho – como estresse, alta demanda, acúmulo de funções, pressão ou excesso de cobrança – estarem diretamente relacionados ao burnout, há muitos componentes pessoais que também influenciam.
“Pessoas muito idealistas, inflexíveis, rancorosas e que tendem a ser muito perfeccionistas são as mais propensas a cair no burnout. Assim como quem tem tolerância mais baixa ao estresse, é mais ansioso e preocupado. Elas se cobram muito, acham que precisam trabalhar mais horas que todo mundo. E aí surge essa sensação de que você nada, nada nada… E morre na praia. Porque nem sempre são reconhecidas”, exemplifica.
Algumas profissões também tendem a ser mais afetadas, por lidarem com cargas maiores de estresse. Especialmente trabalhos carregados de carga negativa e que possuem jornadas mais longas. A profissional cita algumas:
- profissionais da saúde
- policiais
- jornalistas
- professores
- telemarketing
“Dormir pouco ou muito mal também pode agravar. Assim como levar muito trabalho para casa. Essa ideia irreal de dedicação ao trabalho, reforçada por aquele papo de coach de ‘trabalhe enquanto eles dormem’. Como se só o trabalho fosse importante”, alerta.
Impacto da pandemia
Psicóloga no Hospital Misericórdia, referência em saúde mental em Blumenau, Tatiana Otilia Pereira atende não apenas os pacientes da instituição, mas também outros profissionais de saúde que atuam nela. Antes disso, a própria já foi Técnica em Enfermagem do Trabalho, portanto conhece a realidade das equipes.
Com a experiência do acúmulo de funções, horas trabalhadas e até diferentes empregos que muitos profissionais de saúde vivenciaram nos últimos anos por conta da pandemia, ela observou essa questão se agravar dentro do hospital.
“A maioria dos profissionais da saúde recebe salários baixos, então quando a demanda aumentou e eles tiveram oportunidade de ter um segundo emprego, acabaram não colocando na balança se dariam conta daquilo. Muitas vezes o dinheiro é uma necessidade. A maioria deles estava sem folga nem aos fins de semana”, explica.
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No hospital que a profissional atende, na Vila Itoupava, todos os funcionários têm direito a atendimento psicológico – desde a equipe médica e de enfermagem, até da cozinha e limpeza. Entretanto, poucos aproveitam, já que veem como mais uma ocupação na agenda.
“Muitas vezes os profissionais de saúde são os que menos cuidam de si mesmos. Eles se cobram muito, mas ainda são pessoas que precisam se ‘dar ao luxo’ de se permitir um acompanhamento psicológico, fazer exames de sangue e tirar um tempo para si”, aconselha.
Fora dos hospitais, muitas pessoas levaram trabalho para casa. Sem hora para bater ponto, sem convivência fora do espaço familiar e com estresse acumulado da pandemia. Dessa forma, ficaram ainda mais esgotadas, o que refletiu no trabalho. “Se antes já tínhamos casos de burnout na cidade, agora se tornou uma epidemia“, alerta Tatiana.
Cultura propicia doença
A psicóloga Caroline reforça a importância de entendermos que o culto ao trabalho excessivo faz parte da nossa sociedade. Muitos têm dificuldade de perceber que estão entrando no estado do burnout, preferindo recorrer à medicação para suportar a pressão.
“Nossa sociedade considera louvável quem trabalha até adoecer, sem respeitar seus limites. Quem quer tirar um atestado por estar exausto, é visto como golpista. As pessoas glorificam o sacrifício. Até a noção de ‘tempo livre’ se perdeu, hoje nós usamos este tempo para resolver outras coisas. Não sabemos mais nos desligar e relaxar”, critica.
A psicóloga Tatiana comenta que mesmo fora dos consultórios, onde os casos estão claramente aumentando, é possível notar o agravamento da doença. “Se você conversa com familiares ou vizinhos, muitos falam como estão trabalhando demais e não aguentam mais a pressão. Isso se deve ao fato de que olham pro trabalho de uma forma muito rígida, sem respeitar o tempo de descansar, sair, viajar”, exemplifica.
Sintomas do burnout
Para a psicóloga Tatiana, existem três pilares para identificar o burnout. Entretanto, para percebê-los, é necessário estar atento ao corpo e à mente. O que muitas vezes não acontece num dia a dia corrido. São eles:
- Exaustão emocional: percebida pelo estresse extremo, desgaste emocional e físico em geral;
- Despersonalização: quando o profissional se distancia afetivamente do trabalho e das pessoas, perdendo a empatia e se tornando indiferente e frios;
- Redução da realização profissional: a pessoa não se sente mais satisfeita com o cargo, com a atividade que desenvolve, perdendo interesse no trabalho.
“A pessoa perde forças e total interesse pela profissão e não consegue mais seguir adiante. Muitas vezes só pensar em ir dormir para trabalhar no dia seguinte já causa sofrimento”, detalha.
Para entender melhor esses pontos, a psicóloga Caroline detalha alguns sintomas que podem ser percebidos durante a síndrome de burnout – ou quando a pessoa está próxima de atingir o pico:
- Crises de ansiedade ou pânico, que podem ser confundidas com um infarto;
- Cansaço mental e físico excessivos, fazendo com que a pessoa tenha mais dificuldade de se concentrar e cumprir as tarefas – o que pode levar à irritabilidade e agressividade;
- Sono excessivo durante o dia e insônia à noite;
- Perda ou ganho de apetite;
- Lapso de memória;
- Dificuldade de concentração;
- Baixa auto estima;
- Desânimo e apatia;
- Dor de cabeça e no corpo – especialmente em áreas de muita tensão, como nas costas, pescoço e lombar;
- Negatividade constante;
- Pressão alta;
- Isolamento social;
- Deficiência no sistema imunológico;
“O burnout acontece aos poucos. Primeiro as situações geram ansiedade, até que esse estresse se torna crônico. A pessoa acaba descontando em algo, como bebida, comida ou jogo. Às vezes até o próprio trabalho se torna uma fuga, um vício, e a pessoa não respeita seus limites. Chegando ao ponto de não conseguir nem pensar no trabalho”, explica.
Problema preocupa empresas
Após ouvir 774 recrutadores e profissionais com formação superior, a 19ª edição do Índice de Confiança Robert Half divulgou que 49% dos recrutadores acreditam que os profissionais estão mais propensos a sofrer de burnout no segundo semestre de 2022.
De acordo com a pesquisa, as cinco maiores preocupações dos recrutadores são:
- cargas de trabalho mais pesadas (58%)
- falta de equilíbrio entre vida profissional e trabalho (58%)
- mais pressão para obter resultados (55%)
- incertezas quanto ao rumo da pandemia (52%)
- alta demanda de trabalho concentrada em equipes reduzidas (51%)
Porém, o estudo também demonstrou que 80% das empresas buscam mudar esse cenário, adotando medidas para equilibrar melhor a vida profissional e pessoal dos colaboradores. As cinco principais ações realizadas pelas empresas são:
- permitir maior flexibilidade de horário (55%)
- manter uma comunicação regular (51%)
- melhorar o acesso aos benefícios de saúde e bem-estar (35%)
- aprimorar programas de reconhecimento de funcionários (27%)
- dar mais apoio aos pais e mães que trabalham (20%)
Quando perguntados sobre o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional no último ano, 42% dos empregados afirmaram que houve um aumento na qualidade de vida.
Em um levantamento global com 1.500 executivos no Brasil, Bélgica, França, Reino Unido e Alemanha, os executivos brasileiros mostraram ser os mais preocupados com o equilíbrio entre vida profissional e pessoal dos colaboradores.
Preocupação deve refletir em ação
Ambas psicólogas concordam que é função das empresas dar atenção à saúde mental dos colaboradores. Se há alguns anos isso era visto como “bobagem”, ou responsabilidade do próprio funcionário, atualmente é inegável o impacto do ambiente de trabalho neste aspecto da vida de cada um.
“A pessoa precisa estar bem psicologicamente para desenvolver um trabalho legal e desempenhar sua função corretamente. Isso inclusive evita a rotatividade, que prejudica tanto os empregadores. A empresa precisa tratar o trabalhador como humano e ajudá-lo como for possível”, justifica Tatiana.
A profissional enfatiza o perigo do presenteísmo. Quando o funcionário está presente fisicamente na empresa, mas sua mente está em outro lugar. Condição que pode prejudicar mais a empresa do que a ausência do trabalhador.
“A pessoa acaba cometendo erros, não fazendo o trabalho de forma efetiva, não desenvolvendo as atividades, ou desenvolvendo mal feita. Hoje em dia isso é muito comum e muitas empresas não estão cientes disso”, alerta Tatiana.
Caroline cita atividades como gerenciamento inteligente e saudável de tempo – ou seja, trabalhar apenas durante o tempo necessário. Além de estimular um ambiente de competição saudável, sem vender a ideia de que é necessário se desgastar para se destacar.
“Eu já vi muitas pessoas precisando mesmo de um atestado ou afastamento porque estão sobrecarregadas, dando muito mais do que deveriam e sem reconhecimento. Nem todo mundo é capaz de reconhecer quando passou do limite. Tem pessoas que se orgulham de trabalhar em feriados e fim de semana, passar anos sem tirar férias ou serem as primeiras a chegar e últimas a sair. E às vezes nem o chefe sabe que essa pessoa está acumulando serviços”, comenta.
Até mesmo dar atenção para pontos como a hidratação, a alimentação e o sono dos funcionários são atitudes que as empresas podem tomar para evitar casos de burnout nas equipes.
“Eu sempre penso: do que adianta eu trabalhar a mais se depois eu vou precisar gastar esse dinheiro com exame médico, remédios, internação e terapia? Tem que colocar na balança para ver se vale a pena. Precisamos trabalhar para viver, não viver para trabalhar“, conclui Tatiana.