Há muitos anos soube que a Alemanha é o país onde mais se caça na Europa e, ao mesmo tempo, o que mais preserva a fauna nativa. Não sei se isso ainda é verdade, mas que está bem próximo de sê-lo, está.

Apressadinhos podem usar esse fato como argumento de que a caça amadorista não prejudica a fauna. Lógica parecida com a “lógica” do samba de João do Violão dos anos 1970, eternizada na voz de Elizeth Cardoso “tem gente que já está com um pé na cova/ nunca bebeu e isso prova/ que a bebida não faz mal”.

Na cultura e espírito comunitário alemão, o controle da caça é levado tão a sério que, se o caçador deixar de abater animais da cota para a qual ele foi licenciado, ele recebe punição. Um amigo morador naquele país, aqui chamado pelo nome fictício de Joseph, complementa com as seguintes e interessantes comentários:

“Não vejo na caça desportiva um problema aqui na Europa, pelo menos em países como na Alemanha, Áustria e Suíça, onde essa atividade se autorregula. O mesmo já não acontece em países como a Espanha e Itália”.

“Na Alemanha, ninguém se atreve a descumprir a lei, pois, sempre haverá um outro caçador que irá denunciá-lo. Então, até nas situações em que alguém equivocadamente abate um animal errado, essa pessoa se autodenuncia perante a promotoria, para antecipar-se à denúncia de outro caçador”.

“Neste caso, de auto-denuncia, a punição acaba sendo uma multa em dinheiro. Se a denúncia vem de um terceiro, abre-se um processo criminal, onde, além da multa em dinheiro, a pessoa fica “fichada” e pode perder a licença de caça e muito mais”.

“Comenta-se em tom de brincadeira por aqui que sai mais barato o cidadão matar o vizinho do que caçar fora da lei e ser pego por isso”, complementa Joseph.

Brasileiros que gostam de usar o exemplo da Alemanha para justificar a caça legal no Brasil, segundo Joseph, ou estão muito mal-informados ou alimentam deliberadamente desinformação. “Comparar os dois países sem considerar tradições e costumes culturais bem como realidades sociais e jurídicas, é como comparar o sujeito nadando numa piscina com outro nadando numa duna no deserto”.

Pareceu exagerada, caro leitor, essa comparação do Joseph? Então vamos citar um exemplo prático. Aqui no Brasil temos a trágica cultura da defesa, em vários casos, do espertinho, do fora-da-lei, do infrator e até mesmo do potencial criminoso. Quem, enquanto dirigindo, nunca recebeu sinal de luz na estrada avisando que há policiais rodoviários à espreita mais adiante?

Desculpem, eu nunca faço isso, pois, quem vai ser beneficiado com esse aviso? O motorista que respeita a sinalização? Óbvio que não. Este não precisa de alerta nenhum, pois, se está dirigindo em obediência às leis de trânsito não terá qualquer problema com os policiais rodoviários, nem com guardas de trânsito urbano, nem com equipamentos de controle de velocidade, em lugar nenhum.

O beneficiado com o aviso “amigo” do sinal de luz será o motorista irresponsável que, assim que avisado, logo tratará de pisar no freio, dando uma de bom motorista apenas e tão somente ao passar pelos policiais para, imediatamente depois, afundar novamente o pé no acelerador, correr feito um louco e, portanto, aumentando as chances de causar um acidente que pode causar graves danos materiais e até matar você ou alguém de sua família!

Há culturas que devem e merecem ser preservadas e perpassar gerações. Já a cultura da “Lei de Gérson” ou essa de avisar infratores, ou mesmo de legislações que obrigam o motorista a ser informado que “hoje tem radar nessa via pública”, são culturas que devem ser extintas, o quanto antes, se quisermos ser de fato um país de “primeiro mundo”, um país onde as leis funcionam e, acima de tudo, um país de Cidadãos com C maiúsculo, cumpridores dos seus deveres e obrigações, condição indispensável para o verdadeiro progresso e bem-estar da sociedade.

Voltando à caça amadorista, sou absolutamente contra a sua prática. Concordo com outro amigo que diz que, em pleno século 21, quem pratica o “prazer” de matar um animal silvestre, deveria ser logo encaminhado a tratamento psiquiátrico.

No entanto, devemos reconhecer que a caça, em algumas circunstâncias, pode ser necessária como, por exemplo, um meio de controle de eventual população de animal, nativo ou não, comprovadamente causador de um desequilíbrio ecológico. Mas, para que isso realmente funcione, temos que mudar drástica e urgentemente alguns aspectos nefastos de nossa cultura, sermos menos adeptos de “Gerson” e melhores cumpridores de leis e demais regramentos.

Substituímos excepcionalmente a tradicional foto do Baú Ambiental de hoje para uma pergunta que não quer calar: o que está acontecendo em Urubici, destino cada vez mais famoso e procurado por turistas do Brasil do exterior, por suas paradisíacas belezas naturais?

Primeiro veio a pressão para a flexibilização de leis que controlam o uso e ocupação do solo rural pondo em risco a harmonia da paisagem e o equilíbrio ambiental do lugar. Agora, há poucos dias, vereadores daquele município, em total descompasso com a indispensável conscientização ambiental dos tempos atuais, estão propondo a instituição do dia dos CAC’s – Colecionadores, Atiradores e CAÇADORES (grifo nosso), que passaria a integrar o calendário oficial de eventos desse município (projeto de Lei nº 12/2024, do dia 14 deste mês).

Repetindo a pergunta da semana passada, o que será que têm na cabeça desses vereadores? Querem fazer valer no município a máxima do “paraíso mal cuidado é paraíso perdido”?


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Primeira maternidade de Blumenau, Casa Johannastift ficou abandonada após enchentes: