Casos de mães agredidas pelos próprios filhos aumentam em Blumenau

Reportagem acompanhou a Polícia Militar no atendimento a um dos casos

Do Centro a Velha Grande. Do mais pobre ao mais rico. A violência doméstica atinge lares de todas as regiões de Blumenau. Ana*, uma senhora de 81 anos, é mais uma das incontáveis vítimas que vivem na cidade. Porém, o caso dela não é igual ao da maioria, em que o agressor era o atual ou ex-companheiro. Quem machuca a idosa há anos é o filho dela. Ela é mais uma pessoa a entrar nas estatísticas de mães agredidas pelos próprios filhos.

Mãe de três mulheres e dois homens, o mais novo deles sempre foi problemático. Alcoólatra, toda a vez que bebia agredia a idosa com palavrões e ameaças. Em 2006, os xingamentos evoluíram para agressão física, resultando no primeiro boletim de ocorrência registrado pela mulher.

“Dos casos de violência de filho contra mãe, não consigo lembrar de um que nós acompanhamos que não tenha relação com uso de drogas ou álcool”, revela o policial militar Deniel Mateus Gretter.

Ele e outras três policiais comandam a Rede Catarina, programa da PM que realiza visitas a vítimas de violência que conseguiram medida protetiva. A ideia é acompanhar o cumprimento da exigência judicial, abordando, se preciso, os próprios agressores.

Desde o início da Rede, há quase dois anos, o percentual de mulheres acompanhadas por terem sido vítimas dos próprios filhos só aumenta. Em 2018, de todos os casos, 5,28% eram desta natureza. Apenas neste ano já são 9% do total. Atualmente 62 moradoras de Blumenau fazem parte do programa.

“Notamos um aumento significativo e normalmente são casos bem graves”, lamenta Gretter.

Laço eterno

Ana, como qualquer outra mãe, não queria prejudicar o caçula. Aguentou muito calada, mas, com o apoio de uma das filhas e uma assistente social do município, conseguiu na Justiça uma medida protetiva contra o homem de 48 anos.

Desde o ano passado, sofre com o afastamento. Chegou a deixar o filho voltar a casa, mas após novas violências, em junho deste ano, ele teve de sair novamente, sob o risco de acabar preso caso descumprisse a ordem.

Bianca Bertoli

Ela recebe o apoio dos soldados Gretter, Ana Regina Arenhart, Beatriz Marchi e tenente Karla Beatriz Medeiros, que a acompanham pela Rede Catarina. Porém, em visita realizada por Ana e Gretter em uma tarde de setembro, a frustração tomou conta dos policiais ao chegarem ao imóvel, na região central do município. Dona Ana novamente perdoou o filho, que está de volta.

“Esses casos são sempre muito complexos de resolver porque são carregados de sentimento. É muito mais fácil você se afastar de um marido agressor. Com um filho você tem um laço eterno”, explica Gretter.

Os agentes entram, sentam no sofá da sala da residência da idosa e questionam como foram as últimas semanas. Ao serem informados da novidade, olham um para o outro e tentam entender como tudo aconteceu.

“Eu preciso lembrar a senhora de tudo que ele fez todas as vezes que voltou? Das ameças de morte, injúrias, agressões? Ele não pode morar aqui de novo, dona Ana”, diz, com cuidado, mas firmeza, Gretter.

A mulher está irredutível. Acredita que o filho parou de beber e que foi despejado da quitinete que ela pagara com parte do salário mínimo que recebe todo mês. A história não surpreende a dupla, pois se repete em alguns lares, até que o pior aconteça: a reincidência.

Reincidência

A reincidência, que ocorre quando a vítima perdoa o autor, volta a se relacionar com ele e acaba agredida mais uma vez, é pequena entre os casos monitorados pela Rede Catarina. No ano passado, isso ocorreu com cerca de 4% das 379 mulheres atendidas.

“A gente nunca parou para analisar isso e pensava que o número seria maior”, diz, satisfeito, o policial.

Bortoli pondera que é preciso levar em conta as histórias que não chegam às autoridades:

“Quando há medida protetiva é porque a situação já chegou no limite. Muitas vezes não há novos boletins, mas isso não significa que a violência cessou, só que esteja se manifestando de forma mais branda”, explica.

Ele é também um dos coordenadores dos três grupos de homens autores de violência que se reúnem devido ao Programa de Prevenção e Combate à Violência Doméstica e Infrafamiliar. Normalmente com a medida protetiva o juiz exige que o homem faça esse acompanhamento com psicólogos e assistentes sociais do município. É o caso do filho de Ana.

Ele precisa comparecer às reuniões e, diferente do que ocorre lá (conversas sobre violência e relacionamentos), conta à mãe que recebe apoio para parar de beber. Foi assim que ela se convenceu que ele mudara e aceitou o seu retorno.

Relacionamentos nocivos e álcool

“O álcool não é a causa, é um potencializador. A violência está em todas as relações, instituída nas pessoas”.

As palavras foram ditas por Bortoli quando ele falou, em reportagem, sobre sua dissertação de mestrado. O trabalho mostrou que em Blumenau, de um grupo de 125 homens que agrediram as companheiras entre 2004 e 2012, 73% eram dependentes químicos ou estavam sob efeito de alguma substância no momento da agressão.

Entre as 750 mulheres atendidas pela Rede Catarina até meados de setembro, 24% delas relataram que os agressores faziam uso abusivo de drogas ou álcool. Cerca de 53% são vítimas de 20 a 40 anos, enquanto 42% têm mais de 40.

“Entre as protegidas há todos os tipos de histórias, desde aquelas que vinham sendo agredidas ao longo dos anos até as que na primeira violência sofrida registraram boletim e conseguiram a medida protetiva”, detalha Gretter.

Os agressores são, na maioria, maridos, namorados ou ex-companheiros, somando 82% dos casos. Os filhos que batem ou comentem violência psicológica contra as próprias mães representam 6,5% do total de mulheres acompanhadas até o momento.

Ciclos de violência

O caso da idosa não se encerra por completo, apesar de ela ter manifestado interesse em suspender a medida protetiva. Os policiais registraram boletim de ocorrência sobre o retorno do homem e a visitarão sempre que possível, já que há chances, como visto em outras vezes, de uma reincidência acontecer.

“Normalmente nós deixamos de acompanhar uma protegida quando percebemos que o homem parou de incomodar. Se a medida protetiva vence (em 90 dias) e ele não volta após isso, deixamos de fazer as visitas”, explica Gretter.

Os policiais fazem parte do fim de histórias tristes, mas que ganham uma nova página com apoio de pessoas próximas e representantes do estado. Os números de violência doméstica estão cada vez maiores em Blumenau, mas parte disso, acredita Gretter, é consequência da coragem que mulheres estão tendo em denunciar e identificar as situações:

“A violência doméstica sempre existiu, são poucos casos novos. Normalmente são casos antigos que a mulher agora consegue identificar é violência”, conclui.

*O nome da vítima foi alterado para não identificá-la.

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