“A interpretação da Constituição num cenário de mútua desconfiança institucional”
Colunista discute sobre as recentes ações do STF
Não é bom para o país que sua Suprema Corte, sob ataque, procure nos meandros da interpretação constitucional a sua autoproteção. O ideal seria que o Estado a defendesse. Que a nação a defendesse. Que os políticos a defendessem. Mas não é o que está acontecendo.
Com maioria de votos, o Supremo Tribunal Federal está a concluir o julgamento de uma ação ajuizada pelo partido Rede Sustentabilidade e que busca anular o inquérito das fake news, também conhecido como inquérito do fim do mundo. A investigação, como bem anotou o voto divergente do ministro Marco Aurélio de Mello, foi instaurada pela própria vítima; o STF.
Não é o caso de se discutir o acerto ou desacerto desse julgamento, até porque, como anotou Mello, seja como for, caberia ao Supremo Tribunal Federal, até mesmo, errar por último.
Então, certa ou errada do ponto de vista jurídico, o fato é que a avocação da condução de uma investigação penal diretamente pelo órgão de cúpula do Poder Judiciário é um ato deveras revelador do momento turbulento que atravessamos.
Na base dessa decisão, digamos, incomum, está a desconfiança do Supremo Tribunal Federal nas demais instituições constitucionais. Nomeadamente, na Procuradoria-Geral da República e na Polícia Federal.
Do que se extrai dos votos lançados, ministros do Supremo Tribunal Federal não se acham devidamente seguros pela atividade dos órgãos de repreensão ao crime. E ao que tudo indica, no ponto, têm razão.
Mas o que dizer então em relação ao sentimento de insegurança que assola diariamente o cidadão brasileiro? As transgressões no âmbito penal se multiplicam nesse país e muitas vezes prescrevem nos escaninhos da própria Justiça.
E muito contribui para esse tipo sentimento o caráter absoluto que a própria Corte Constitucional conferiu, por maioria de votos, é verdade, à chamada presunção de inocência. Essa que impede a prisão antes do julgamento do último recurso, exatamente, pelo Supremo Tribunal Federal.
A democracia é sim um regime complexo, pois pressupõe não só a limitação do poder, como o seu compartilhamento. Não há supremacia constitucional deferida a nenhum órgão do estado isoladamente. O poder do estado, que a rigor é do povo, só pode ser exercido nos termos e nos limites da constituição. E até onde a prudência ensina, que investiga não julga, com o devido e acatamento respeito.