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César Wolff: “No regime democrático não há espaço para surpresas”

Colunista critica decisão do ministro Marco Aurélio, que determinou a soltura de todos os presos condenados em segunda instância

O STF e a Integridade do Direito

Na véspera do encerramento do chamado ano judiciário, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, concedeu liminar em ação declaratória de constitucionalidade determinando “a libertação daqueles que tenham sido presos, ante exame de apelação”, ou seja, antes de esgotados todos os recursos processualmente cabíveis.

A decisão foi suspensa horas mais tarde pelo ministro Dias Toffoli, sob o fundamento de caber à Presidência da Corte “velar pela intangibilidade dos julgados do Tribunal Pleno”. Isto porque os 11 ministros já haviam se debruçado sobre a matéria em outubro, quando, por maioria de votos, pedidos liminares e similares foram indeferidos em duas outras ações diretas, uma delas aforada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

O ministro Marco Aurélio tem posicionamento conhecido e defensável sobre a matéria. Está convencido de que no Brasil, por força do texto literal da Constituição da República e salvo hipóteses excepcionais de prisão preventiva, o cumprimento da prisão só pode ocorrer após o trânsito em julgado da ação penal, isto é, após o último recurso ser julgado.

Esse também é o entendimento do Conselho Federal da OAB, de grande parte dos juristas e até mesmo de vários ministros do STF. Só há um detalhe fundamental. A maioria dos ministros da própria Suprema Corte se pronunciou favorável à prisão antes mesmo do trânsito em julgado.

Divergir é da essência do sistema de justiça. Aliás, é pelo debate, e por sua dialeticidade, que a própria Ciência Jurídica evolui. Impedir o debate é o que há de pior para o Estado Democrático de Direito.

Ao impor sua própria convicção àquela adotada pelo colegiado do Supremo Tribunal Federal e, mais ainda, ao cumprimento por todo o país, o ministro Marco Aurélio evita olimpicamente o debate maduro de questão polêmica e constitucional, e assim desprestigia a Justiça.

Tenta-se, como num passe de mágica, transformar voto vencido em vencedor. E
ao fazê-lo, gera toda forma de insegurança, especialmente porque opera contra a integridade do Direito, valor caro a uma sociedade que pretende classificar-se como desenvolvida.

Infelizmente, essa decisão parece não ser algo tão isolado no Brasil. Não é incomum que autoridades em geral, e até parlamentos, adotem medidas surpreendentes, em verdadeira fuga ao debate e em exercício arbitrário do poder que concentram.

Viver numa democracia é complexo. Respeitar a opinião alheia um exercício. E governar de forma moderada e equilibrada um grande desafio. No regime democrático, data vênia, não há espaço para surpresas.