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A soltura do chefe do PCC e o avesso do direito

Em ciência jurídica não se costuma trabalhar com conceitos absolutos, tais como certo ou errado. Assim, mesmo quando uma decisão judicial é reformada através de um recurso a rigor, não cabe apontar uma delas como correta e outra errada. O que há, simplesmente, é uma sobreposição hierárquica, de modo que a decisão da instância posterior […]

Em ciência jurídica não se costuma trabalhar com conceitos absolutos, tais como certo ou errado. Assim, mesmo quando uma decisão judicial é reformada através de um recurso a rigor, não cabe apontar uma delas como correta e outra errada. O que há, simplesmente, é uma sobreposição hierárquica, de modo que a decisão da instância posterior prevaleça à da anterior.

Para os iniciados nas letras jurídicas isso é absolutamente compreensível, normal e mesmo desejável. Primeiro, porque uma Justiça feita por humanos não tem a pretensão de ser infalível. Segundo, porque o direito não se encontra situado no campo das ciências exatas, já que tem como causa um fenômeno político e um fim social. Sua aplicação é essencialmente argumentativa. À medida que se manejam os recursos, e se sobrepõem as instâncias, os debates tendem a se refinar, melhorando a qualidade dos argumentos.

Dito isso, é preciso rejeitar qualquer ideia de relativismo, ou seja, de que em direito tudo pode e tudo é possível. Não é verdade que seja assim, a menos que se busque a desordem, o direito da força e, consequentemente, a sua retirada do campo das ciências.

O Brasil fez uma opção constitucional clara pelo que se chama Estado Democrático de Direito. Ou seja, por uma ordem jurídica que deve ser criada em base plural, via legisladores democraticamente eleitos, aplicada por um sistema de justiça integrado e escalonado por várias instâncias e colegiados de juízes, e destinada, imperativamente, a todos os cidadãos.

O caso dessa semana, de concessão de liberdade via habeas corpus em favor de chefe de conhecida e perigosa organização criminosa, de fato causa apreensão. Não pelo acerto ou desacerto da decisão em si, mas porque concedida monocraticamente sobre dispositivo recém-ingressado na ordem jurídica, e sobre o qual ainda não se formou uma interpretação estável nos órgãos colegiados da corte em que fora concedida, qual seja, o Supremo Tribunal Federal.

Costuma-se dizer que a democracia tem um preço, o que é compreensível. Mas nesse caso específico o mais adequado fosse esse preço pago pelo preso, o que seria traduzido em, simplesmente, aguardar por mais alguns dias ou até mesmo semanas a manifestação colegiada do órgão julgador, ou do próprio juiz da causa.

Num Estado Democrático não há espaço para direitos individuais absolutos. A prevalência é do interesse coletivo, aqui traduzido pela segurança pública. Que esse caso emblemático sirva para o aperfeiçoamento das instituições democráticas de nosso país, a cujo debate toda a sociedade precisa se envolver e participar. E aqui cabe, providencialmente, o tema relativo às condições jurídicas para concessão de liberdade, em matéria penal, pela via monocrática, no âmbito dos tribunais judiciários.


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