“Com fome você não vive”, conta catarinense que escolhe entre comprar comida e pagar contas
Nutricionista explica prejuízos causados por má alimentação causada por extrema pobreza
“A fome dói. Com fome você não vive, não dorme, não tem paz. Se o estômago ronca, dói a cabeça”. É assim que Zilda Alves, de 48 anos, moradora do bairro Paranaguamirim, zona Sul de Joinville, explica a dificuldade de não saber se terá o que comer todos os dias.
Desempregada há um ano, após ser demitida, ela diz não conseguir voltar ao mercado de trabalho por conta de dores na perna direita, causada pela diabete. Com Zilda, em uma casa de madeira, sem forro e chão de barro, moram dois netos e duas filhas.
Uma das suas crias é Diana Calistro, de 24 anos. Empregada como auxiliar de limpeza, a jovem é a única que consegue levar renda para a família: R$ 1,8 mil por mês. Em agosto, com o dinheiro insuficiente, as cinco pessoas se viram em um dilema: comprar comida ou pagar a conta de água. Com o estômago exigindo ser saciado, as torneiras secaram.
As refeições, apesar de realizadas, não são adequadas. Pela manhã, a alimentação é formada por bolinhos de massa ou ovos com farinha. O mesmo se repete no café da tarde. Já no almoço, carne é raridade. “Quase sempre é feijão, arroz, repolho e, quando dá, linguiça”, conta, enquanto um dos filhos caminha pela casa gritando “fome, fome, fome”.
Apesar de ter o básico, alguns produtos desapareceram da geladeira e armários. “Falta leite, bolacha, legumes e saladas”, lamenta.
Elas explicam que a situação piorou nos últimos meses. Antes, havia botijão de gás reserva e duas caixas de leite na geladeira. Atualmente, o fogão é a lenha e as opções de comida são escassas. “Nunca tinha faltado nada. Agora, principalmente a carne, não comemos como antes”, explica.
Entre os dias mais dolorosos, foram os que não haviam alimentos para as crianças. “Tive que sair pedindo emprestado. Mês passado não tinha pão, as crianças sem nada para comer”, compartilha Diana.
Para Zilda, o principal desejo é a realização de ter o prato e a barriga cheios. “Queria poder sentar na mesa e me alimentar direito, dormir e saber que teremos comida no dia seguinte”, reflete.
Receber salário também não faz parte do seu cardápio. “Eu sei o que é ter a sensação de chegar dia 6 e não ter pagamento para comprar comida”, complementa, com o olhar distante.
Comida “contadinha”
Aos 71 anos, a ex-catadora de reciclados, Filomena da Silva, também moradora do Paranaguamirim, vive com R$ 900 mensais, quantia que recebe após a morte de seu marido. Com o dinheiro, ela precisa compra comida, pagar R$ 200 de luz, R$ 100 de água e a parcela da casa, uma moradia simples, também de madeira e com poucos móveis dentro. “Não sei como as contas são tão altas, não temos nada aqui”, questiona.
Sob o mesmo teto moram oito pessoas, divididas em adultos e crianças, filhos e netos. Entre elas, uma menina, que fará 1 ano em setembro, adotada por uma das filhas, após a mãe do bebê falecer. A neta não pode comer alimentos com glúten, sendo assim, a situação se torna ainda mais difícil. “É tudo mais caro. Já tive que pedir para uma vizinha fazer o pão especial dela, senão não teria o que ela comer”, conta.
A idosa reclama que vai ao mercado com R$ 100 e compra poucas coisas. “Só arroz, feijão e, às vezes, um pedacinho de carne”, diz. As doações, que a salvam, nem sempre chegam. “Nunca fiquei sem comer, mas é sempre contadinho”, complementa.
A situação, segundo ela, está mais difícil neste ano. “Piorou muito. Tudo está caro. A comida, o remédio. Eu tenho asma, sem dinheiro para a ‘bombinha’ eu já não estaria mais aqui”, explica.
Filomena diz que a atual quantidade que come é baixa. “Deveria ter mais, mas comemos pouco para não faltar para amanhã”, lamenta. Além da quantia pequena, a variedade é minúscula. Sem saladas, frutas e verduras no menu, explicar a situação para as crianças é um obstáculo. “Elas comem na escola e dizem que gostam, faz muita falta ter isso no prato, mas não temos dinheiro para comprar”, justifica.
Sentada na cabeceira da mesa, a idosa resume seu sentimento diário, enquanto lágrimas pingam sobre o móvel: “a fome me causa medo”, finaliza.
Fome: um prato indesejado
Fraqueza, doenças e desempenho ruim em diferentes âmbitos da vida. Passar fome ou não ter uma alimentação adequada pode causar prejuízos profundos nas pessoas. É o que diz a nutricionista Verônica Petry. De acordo com ela, a primeira consequência da falta de nutrientes é o enfraquecimento do sistema imune, que pode gerar problemas gástricos, pneumonia, atrasos na saúde mental, alterações sociais e, em crianças, problemas no crescimento.
Comer poucas variedades, além de feijão, macarrão e arroz, por exemplo, também é um problema. “Os micronutrientes ficam baixos sem frutas. Sem a vitamina B12, que vem das carnes, é possível perder a memória a longo prazo. Já a B9 faz parte dos processos de criar DNA, nutre o cérebro. A falta de ferro gera anemia”, aponta.
Em agosto, Verônica viralizou nas redes sociais após publicar que atendeu uma criança, de 10 anos, moradora de Joinville, que afirmou só comer arroz e feijão para evitar que a mãe gastasse dinheiro comprando carne, já que o preço está caro.
A nutricionista explica que, após atender pacientes nesta situação, a sensação é de choque e tristeza. “Tento mostrar para a família que não é normal e nem culpa delas. Mostro o quão é importante e fundamental é uma nutrição adequada”, salienta.
Para ela, a fome é um problema público. “A cidade vai decaindo em qualidade de ensino, trabalho e lazer. Faz com que a sociedade pare de produzir”, ressalta.