Como o tráfico de drogas dominou e impôs terror a uma comunidade de Blumenau
Decisão que condenou traficantes a penas de até 34 anos expôs submundo de violência no bairro da Velha
Homicídios, casa incendiada, um traficante vivendo em casa de alto padrão, um grupo organizado, com hierarquia e funções bem definidas entre os integrantes e radiocomunicadores para alertar a presença da polícia. A comunidade do morro Dona Edith, no bairro da Velha, conviveu, ao menos até abril do ano passado, sob condições de terror que lembram os morros cariocas.
A comunidade foi dominada por uma organização criminosa que tinha o tráfico de drogas como objetivo final. Segundo a acusação do Ministério Público, o bando, comandando por Geovane Pinheiro (também conhecido como “Pezão”, “Bebê”, “Malucão” ou “Bruxo”), era o responsável pela venda de entorpecentes na região.
Detalhes de como a quadrilha impôs terror ao Dona Edith estão descritos nos autos de um processo que tramita na 3ª Vara Criminal da Comarca de Blumenau. Ele é resultado da Operação Anastasis, uma investigação policial que rastreou as atividades da quadrilha e desvendou, em 2017, um submundo de tráfico e violência na Velha.
Na semana passada, o juiz substituto Josmael Rodrigo Camargo condenou Pinheiro a 34 anos de prisão. Outras seis pessoas receberam penas entre 19 e 29 anos.
O delegado da Polícia Civil Egídio Ferrari diz não ter conhecimento de outra sentença com penas tão grandes aplicadas a traficantes num mesmo processo pela Comarca de Blumenau.
Desde a prisão dos envolvidos, a comercialização de drogas perdeu força no Dona Edith. No entanto, de acordo com informações da Polícia Civil, há indícios de que a mesma organização criminosa ainda tenha controle sobre o tráfico no morro, mesmo sem ligação com facções criminosas.
Divisão do trabalho
Pinheiro, o chefe, comprava os entorpecentes e entregava aos “gerentes”, para que eles, por sua vez, distribuíssem aos “vendedores” em pontos de drogas, principalmente no morro Dona Edith. Segundo a polícia e o Ministério Público, era ele quem determinava a divisão de tarefas do grupo, planejava a operação de venda, aplicava punições ou represálias aos subordinados e moradores da região, além de tomar conta da contabilidade.
As drogas mais vendidas pelo grupo eram maconha, crack e cocaína, que vinham, segundo a investigação, do Paraguai.
Os criminosos chegaram a ter um grupo no Whatsapp, chamado “Diretoria”, onde Pinheiro dava as ordens aos “gerentes”. No grupo eles planejavam de que forma iriam atuar. Tudo o que ficava decidido no grupo era repassado pelos “gerentes” aos demais traficantes.
Acesso ao morro era controlado
No morro, a venda de drogas em quantidades maiores acontecia no topo. Segundo os autos do processo, uma das testemunhas ouvidas era cliente, e, de acordo com ele, só podia subir o morro e comprar os ilícitos depois de receber uma autorização de Pinheiro.
O chefe do grupo determinava o horário e características da pessoa que subiria para buscar, e ordenava que deixassem o carro subir. O usuário também relatou que ele apenas parava o carro e esperava alguém vir recebê-lo para entregar a encomenda. Quem comprava pequenas quantidades de droga era atendido por qualquer traficante nas ruas.
O envolvimento de adolescentes
A preocupação da organização criminosa era, sobretudo, em garantir que a polícia não fosse ao local. Para evitar batidas de surpresa, contratava vigias que observavam as entradas do morro.
Adolescentes tinham a preferência neste tipo de função. Ficavam ao pé do morro em turnos de 12 horas informando sobre cada pessoa ou veículo que se aproximasse.
Além de observar, esses adolescentes também auxiliavam na venda de drogas em pequenas quantidades. Em depoimento, moradores chegaram a relatar ter visto crianças e adolescentes carregando armas de fogo.
Casa incendiada
Segundo informações prestadas pela polícia ao Ministério Público, durante o período de investigação alguns moradores do Dona Edith chegaram a procurar a polícia para relatar a sensação de medo contínua.
Segundo o delegado, essas pessoas dificilmente iam até a delegacia pessoalmente por medo de represálias. Uma delas, inclusive, foi ameaçada e teve a casa incendiada depois de fazer contato com os agentes.
Sinais de riqueza
Geovane Pinheiro, segundo a polícia, cuidava de todos os aspectos da venda de drogas no morro, mas tudo era feito de longe, por meio de ligações telefônicas. Ele não morava no Dona Edith, e sim, de acordo com os autos de investigação, em uma casa de alto padrão no bairro Fortaleza, em Blumenau.
Outras informações descritas nos autos evidenciam que o traficante estava negociando um apartamento, provavelmente em Porto Belo, no valor de R$ 350 mil. O pagamento seria feito com drogas.
A investigação também aponta que ele é dono de um sítio e um terreno, onde provavelmente estaria depositada boa parte da droga movimentada pelo grupo. No entanto, a polícia não conseguiu encontrar esses endereços.
Homicídios
Para a Polícia Civil, homicídios ocorridos na região do morro Dona Edith foram ordenados pela organização criminosa. Nesses crimes, com frequência eram usadas armas calibre 9mm. Com a prisão dos envolvidos foram encontradas, de acordo com o relato da polícia, várias armas 9mm.
A Divisão de Investigação Criminal informou que resgatará os autos de homicídios daquela época para a comprovação balística.
Durante as investigações, a Polícia Civil fez duas apreensões de armas em um carro de Geovane Pinheiro, um VW Fox branco. Na primeira foi encontrada uma maleta com duas armas calibre 12mm. Depois de um tempo, os policiais apreenderam dentro do painel do mesmo carro diversas armas e munições.
O que diz a defesa
O advogado de Geovane Pinheiro, Claúdio Gastão da Rosa Filho, afirma que no mesmo dia em que o juiz Josmael Rodrigo Camargo sentenciou a prisão, ele também reconheceu a tese da defesa de que a apreensão de armas feita pela polícia foi ilegal. De acordo com Gastão, os agentes não possuíam mandado de busca e apreensão.
“Essas armas foram apreendidas em um carro que estava numa casa onde eles não tinham ordem judicial para entrar. Se o tribunal já reconheceu que a primeira apreensão foi ilícita, essa segunda apreensão também deveria ter sido considerada ilícita”, reafirma.
Gastão também acrescenta que o juiz não poderia ter analisado a segunda apreensão porque o fato havia sido remetido para a primeira vara, e, por isso, o processo deveria ter sido julgado por ela.
“Esse processo tem um rosário de ilegalidades que serão discutidas em recurso de apelação perante o Tribunal de Justiça”, acrescenta.