Ivermectina agrava as enchentes

No Jardim Zoológico de Londres uma estátua ou escultura em escala 60 vezes maior que o natural homenageia alguém que merece muito mais essa honraria do que alguns políticos que já andaram por aí. Trata-se do simpático e popular besouro da família dos Escarabeídeos, mais conhecido como rola-bosta.

Os rola-bostas se alimentam e se reproduzem tendo como matéria-prima o cocô dos animais. Algumas espécies fazem isso no próprio local onde seu manjar cai, outras, mais famosas, constroem uma bola com esse material, muito mais pesada que seu próprio corpo que empurram e rolam com muito esforço e em longas distâncias, qual precioso tesouro, até o local de seu ninho, onde a enterram, depositando ali seus ovos.

Não é à toa que os rola-bostas merecem aquela estátua no Zoo de Londres. Esses besouros são os principais recicladores desse tipo de matéria orgânica na natureza. São os únicos capazes de remover as fezes que o gado deixa em grande quantidade nas pastagens. Garantem que os arredores de algumas aldeias indígenas na floresta não seja uma fedentina só devido ao acúmulo de fezes.

Por serem excelentes adubadores de solo e controladores de pragas, os pecuaristas sabem que quanto mais rola-bostas no pasto, melhor para o gado e para as outras espécies criadas em pastagens.

Somente no Brasil existem mais de 700 espécies de rola-bostas. Sem eles, não seria economicamente viável a produção de carne e leite em pastagens, nos ensina Walter Mesquita Filho, Doutor em Entomologia pela respeitadíssima ESALQ de São Paulo.

Quando a população de ovelhas e gado chegou a algumas dezenas de milhões de cabeças na Austrália, os fazendeiros se depararam com o grande problema do acúmulo de fezes nas pastagens. Onde tem fezes e, geralmente, num raio de um metro ao redor delas, o gado não pasta e o rendimento dos fazendeiros despenca drasticamente.

Além disso, onde não tem quem destrua, espalhe e decomponha o material fecal no solo, os parasitas fazem a festa e passam a atacar o rebanho. Não existindo rola-bostas nativos na Austrália, os fazendeiros resolveram importar espécies da Europa e da África, a um custo total de 200 milhões de dólares, divididos em duas etapas de 100 milhões cada. O mesmo fez o México, os Estados Unidos, a Rússia e outros países.

Para tratar e prevenir parasitas internos e externos, como lombrigas, carrapatos e piolhos do gado, dos cavalos e outros bichos, usa-se ivermectina, remédio alçado à fama em meio à polêmica acontecida no Brasil durante a epidemia de Covid-19. Os rola-bostas são muito sensíveis à ivermectina que é expelida do corpo dos animais pelas fezes, justo o prato preferido deles para alimentação e reprodução.

Afetados pela ivermectina, nossos simpáticos Escarabeídeos passaram a morrer e ficar mais raros e/ou de tamanho menor aqui no Brasil. Isso implicou prejuízo da qualidade das pastagens pelo acúmulo de fezes e pelo aumento de problemas causados pela mosca-dos-chifres, mosca-dos-estábulos e outros, que, em condições normais, são controlados pelos rola-bostas.

O problema ficou tão sério que o próprio Brasil importou uma espécie de rola-bosta africano, pretensamente mais resistente à ivermectina que as espécies nativas, e aí surgiu outro problema. Como isso não foi bem estudado, suspeita-se que a espécie africana esteja sendo responsável também pela diminuição das espécies nativas, causando mais um (MAIS UM!!!) desequilíbrio ecológico.

Ao levar os restos fecais para maiores profundezas do solo como poucos outros bichos fazem, além de promoverem a fertilização, os rola-bostas cavam milhões de galerias de acesso que contribuem para a aeração e ampliam enormemente a infiltração de água das chuvas nos solos. Água que penetra no solo é água que deixa de escorrer pela superfície e fica armazenada, portanto, diminuindo o volume que escoa e provoca enchentes!

A ivermectina, apesar de eficiente controlador de parasitas, tem efeitos colaterais diretos pelos danos que causa aos rola-bostas e só por isso há quem ache que esse fármaco mais prejudica que ajuda na pecuária. Se somarmos a isso a eliminação dos eficientes construtores de galerias no solo, temos um motivo a mais para nos preocupar.

A relação ivermectina – rola-bosta – controle biológico de pragas – enchentes, aqui resumida, também serve de exemplo das miríades de fatores a se considerar na gestão da paisagem, visando o efetivo controle das cheias. Revela que existe conhecimento científico acumulado suficiente para tal.

Parece que nossos legisladores e tomadores públicos de decisões, diante de tudo o que está acontecendo de mudanças climáticas, continuam a insistir em dar as costas para o conhecimento científico e técnico acumulado.

Se eles fossem médicos ao invés de gestores públicos, estariam também ignorando esses avanços científicos e exercendo a medicina ainda com base nas cartilhas dos gregos Hipócrates – o pai da Medicina e Galeno, que viveram cerca de três e dois séculos antes de Cristo?

Iumaã Bacca posa ao lado do merecido monumento aos besouros da família dos Escarabeídeos, conhecidos popularmente no Brasil como rola-bostas e a bola construída com seu precioso material, no Zoológico de Londres, nesta imagem buscada não no fundo, mas, da parte mais de cima do Baú Ambiental. Foto Lauro E. Bacca, em 15/12/2012.


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