Como uma clínica blumenauense se tornou referência mundial em cirurgias para pessoas trans
Dupla ficou conhecida internacionalmente após realizar a primeira redesignação sexual em gêmeas
Por muitos anos, quem pensava em cirurgias de transição de gênero logo lembrava da Tailândia. O país foi um dos primeiros a ficar conhecido pela especialização, mas a atuação de dois médicos brasileiros está fazendo com que Blumenau esteja cada vez mais no mapa das operações transformadoras.
A readequação genital é apenas um dos procedimentos oferecidos pela dupla responsável pela Transgender Center Brazil. Próteses de silicone, mastectomia masculinizadora e harmonização facial estão entre eles. Mas uma cirurgia rara também é oferecida pelo cirurgião José Martins: a feminilização facial.
“A cirurgia requer conhecimentos das áreas de Medicina e Odontologia e apenas quatro profissionais do mundo temos essa dupla formação. Essa junção da minha formação é que conseguiu me posicionar dentro do mercado internacional. Sempre trabalhei com cirurgias transformadoras. Fazia operações de trauma facial, deformidades faciais, tumores… E nenhuma é cirurgia é mais transformadora do que a de transição de gênero”, comenta.
A clínica blumenauense foi notícia internacional nas últimas semanas após uma operação inédita: duas irmãs gêmeas passaram pela transição juntas, pelas mãos dos médicos da Transgender. Sofia Albuquerck e Mayla Phoebe de Rezende, de 19 anos, receberam alta na última sexta-feira, 26.
Autor do livro Transgêneros, Orientações médicas para uma transição segura, Martins comanda a clínica ao lado do médico Claudio Eduardo. O primeiro é natural do interior de São Paulo e o segundo de um município do estado do Rio de Janeiro.
“Estou em Blumenau há 16 anos e ele há 14. Já atuávamos como médicos aqui na cidade, com sua própria clínica, por isso resolvemos ficar. Quando nos juntamos em 2015 e fomos para os Estados Unidos fazer nosso estágio, resolvemos fechar as clínicas que tínhamos e fundar a Transgender Center Brazil”, relata Martins.
No início, boa parte das operações eram feitas em São Paulo. Por ainda não serem conhecidos pelo procedimento, eles precisaram provar para os pacientes e profissionais suas habilidades. Logo, a procura pela clínica em Blumenau se consolidou. Atualmente, já operou mais de 400 pessoas.
“Como Blumenau é uma cidade de cultura alemã e italiana e hoje 80% dos nossos pacientes vêm da Europa e Estados Unidos, é muito seguro e barato para elas operarem aqui. O ambiente não é muito diferente, então acabou sendo muito bom para gente ficar na cidade de Blumenau”, opina.
Cirurgia não define identidade
O médico explica que, diferente do que muitas pessoas imaginam, a operação não é necessária para que uma pessoa trans se sinta confortável com seu corpo. Enquanto algumas passam pelo processo completo de cirurgia facial, corporal e genital, outras optam por apenas algum deles. O tratamento também pode ser acompanhado de terapia psicológica e hormonal.
“O que leva a paciente a ser operada é a disforia de gênero. Um mal-estar, estresse, tristeza que a paciente sente quando percebe que a maneira como ela se entende não é a maneira como ela se expressa fisicamente. A disforia de gênero não pode ser considerada uma doença, mas é uma alteração importante na pessoa trans”, detalha.
Martins ainda ressalta que a maior parte das operações realizadas são no rosto ou no corpo (como próteses de silicone nos seios ou nas nádegas), e não necessariamente na genitália. Segundo ele, entre 3 e 5% das mulheres trans passam pela cirurgia.
O que faz com que muitos pacientes não passem pela redesignação é a atividade sexual. Como a identidade de gênero não tem relação com a orientação sexual, elas preferem manter os órgãos naturais. “Pessoas transexuais podem ser heterossexuais, homossexuais, bissexuais ou assexuais”, reforça.
Apesar de já ter operado muitas garotas de programa, especialmente morando na Europa, a clínica recebe todo tipo de público. Martins cita que já atendeu médicas, dentistas, advogadas, bibliotecárias e desembargadoras. Muitas chegam no consultório acompanhadas dos maridos.
Mas os homens trans também procuram a clínica. Uma das operações possíveis é a remoção dos ovários. De acordo com o ginecologista da clínica, Thor Schmidt, isso possibilita que os pacientes reduzam a dose hormonal ao longo do tempo e evitem complicações no tratamento. O médico também atende mulheres trans redesignadas.
“Buscamos oferecer apoio e suporte aos pacientes que nos procuram, por isso montamos uma equipe engajada na causa e respeito a esse grupo de pessoas, baseado numa formação médica sólida e pautada nas orientações mundiais da WPATH (Associação Mundial para a Saúde de Transgêneros)”, conclui Martins.