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Conheça a história de Beto, o cego que é dono de um bar no bairro Garcia

Maurício Roberto Dias, o Beto Cego, é nascido e criado na rua Antônio Zendron, no Garcia

“Ô Beto, me dá uma gelada aí”.

A passos lentos, mas mãos ágeis, o dono do bar pega uma garrafa da segunda prateleira do freezer atrás do balcão. O relógio marca pouco mais de quatro horas da tarde de uma terça-feira nublada de 2019, mas o lugar parece levar o cliente a anos atrás, a uma cidade de interior.

O cheiro forte da madeira indica que o Bar do Beto é antigo. Ele confirma a suspeita. Aos 53 anos, administra o negócio que era do pai. Porém, algo o diferencia da maioria dos proprietários de botecos de Blumenau: ele não enxerga.

Beto Cego, como é conhecido, é Maurício Roberto Dias, nascido e criado na rua Antônio Zendron, no Garcia, no imóvel onde funciona também o estabelecimento. Aos cinco anos, enquanto brincava com um prego preso a um elástico, deixou o tecido escapar da mão. O objeto perfurou o olho esquerdo.

Já em 2012, um glaucoma comprometeu por completo o olho direito, tirando-lhe, então, toda visão. No entanto, acostumado com a rotina do trabalho e por conhecer tão bem a residência que o pai construiu na década de 1960, a deficiência não o impediu de continuar. É casado há mais de 30 anos, pai de duas mulheres e avô de um menino de seis anos.

“Do olho esquerdo sou cego. Do direito não enxergo nada”, brinca Beto.

Confiança

Beto passou a cuidar do bar depois que os pais morreram, há mais de uma década. Quatro anos depois de assumir o negócio perdeu a única visão que tinha. Antes disso havia trabalhado em empresas da região.

“O Beto gosta de falar da vida dos outros. É o famoso ‘fifi’. É por isso que nesse bar não tem monotonia. Aqui tem cerveja barata e não tem confusão”, conta o recém-aposentado Taciano José Melo, de 52 anos, entre um gole e outro da cerveja que acabara de pedir.

“Dizem que quando eu morrer e for cremado só para queimar a minha língua vai uns 15 metros de lenha”, complementa, gargalhando, o dono do boteco.

Bianca Bertoli

A conversa é interrompida por um entregador de bebidas. Ele entra, deixa um fardo de refrigerantes dentro do armário sob o balcão, em um local indicado por Beto. O comerciante guarda cada tipo e marca de bebida em lugares fixos para conseguir repor na geladeira sem precisar de ajuda.

O mesmo ocorre com o dinheiro. As notas separadas por valor na gaveta são entregues ao fornecedor sem dificuldade. No momento de devolver o troco, é preciso avisar a quantia, para que Beto possa distinguir cada nota e moeda. Nesses momentos, a honestidade e confiança prevalecem.

“Sempre tem mais de uma pessoa que dá uma olhada quando a outra paga, mas todo mundo paga certinho, ninguém passa a perna no Beto”, garante o freguês.

Bianca Bertoli

Para quem chega em busca de um trago de cachaça, Beto pega a garrafa e o consumidor enche o copo. “Self-service“, resume.

Clientes amigos

Melo, como a maioria dos clientes, mora no Garcia e frequenta o bar há quase 20 anos. Toda a semana passa por ali para beber e jogar conversa fora. Assim como Juliano Junkes, que quase toda sexta-feira depois do trabalho vai ao bar com os amigos.

Às sextas e sábados normalmente ocorre uma “roda de viola”. Quem sabe tocar pega um dos dois violões pendurados em uma das paredes e puxa as canções, que depois de algumas garrafas de cerveja ganham diversos intérpretes.

Fotos: Bianca Bertoli

Nessas ocasiões, quando o movimento é maior e há quem fique em pé ou nas mesas espalhadas pela calçada, a esposa de Beto, Zenaide Dias, ajuda no atendimento. As portas são abertas todos os dias por volta das 8h até logo após o meio-dia. Depois, são reabertas das 16h até o último ir embora. Há exceção aos sábados e domingos.

“Sábado é sagrado: dia de tarde dançante no Centenário (Sociedade Recreativa)!”, explica, animado, Beto. Apenas neste sábado, 7, será diferente. Beto completa 54 anos e promoverá um churrasco com música e, claro, bebida gelada.

Bianca Bertoli

“O Bar do Beto Cego é patrimônio histórico do Zendron”, afirma Junkes.

Para os frequentadores, Beto é uma figura folclórica da região, mais uma que integra o Reino do Garcia.

“O Garcia é uma fábrica de doido. Não existe outro lugar no mundo que tenha mais louco por metro quadrado que nem aqui”, diz, aos risos, Beto.