Conheça as tradicionais cachaçarias artesanais de Gaspar e como contribuíram para o crescimento da cidade

Cachaçaria DuPipe, Moendão e Engenho do Nono revelam segredos sobre a produção da bebida e contam a história de seus estabelecimentos

Muito além de uma bebida, a cachaça significa revisitar as heranças dos antepassados das famílias gasparenses. Produzir artesanalmente, desde a colheita da cana-de-açúcar até a destilação do álcool, é manter viva uma história e preservar uma tradição.

Neste 18 de março, aniversário de 89 anos da cidade, a reportagem do O Município Blumenau destaca algumas cachaçarias originais de Gaspar que produzem a bebida artesanalmente e levam o nome de Santa Catarina para diversos cantos do mundo devido à qualidade de seus produtos. 

Desde aquelas que produzem em grande escala até as menores, todas possuem o dom de fazer cachaça no sangue e lutam para espalhar o gosto único e especial que aprenderam com os pais, avós e bisavós.

O início da cachaça gasparense

Pipe, como prefere ser chamado, é o proprietário da Cachaçaria DuPipe e um grande entusiasta da produção de cachaças artesanais em Gaspar. Ele explica que tudo começou com as famílias gasparenses produtoras de açúcar e melado.

Mais tarde, surgiu o interesse de utilizar a cana-de-açúcar para produzir também a bebida alcoólica. De acordo com Pipe, na época, a cachaça se tornou uma das principais responsáveis pelas movimentações econômicas da cidade, o que consequentemente impulsionou o crescimento do município.

“De três famílias que existia aqui uma produzia a cachaça, e isso foi trazendo um rendimento para a região, que fez com que os filhos começassem a estudar. Até que começou a atividade industrial. Mas, tirando as madeireiras, quem mais sustentava a base principal financeira da nossa região eram as cachaças”, afirma.

Pipe, proprietário da cachaçaria DuPipe. Foto: Kamile Bernardes/O Município Blumenau

Cachaçaria Dupipe

Com o objetivo de fazer algo que gosta e ainda ganhar um lucro extra, Pipe dedica seu tempo desde 2006 para aperfeiçoar o gosto das bebidas que produz artesanalmente. Afinal, como ele mesmo defende: “todas as cachaças possuem um gosto diferenciado, não existe cachaça igual”.

A história de Pipe com a cachaça é uma herança sanguínea. Em 1938, o avô dele, Sebastião Schmitz, começou a produzir e vender cachaça para os mercados. Porém, os descendentes não quiseram dar continuidade e as cachaçarias da família fecharam por falta de mão de obra.

Cachaçaria DuPipe. Foto: Kamile Bernardes/O Município Blumenau

Contudo, diferente de seus antepassados, Pipe retomou às cachaças sem nenhum interesse em fazer isso se tornar algo efetivamente comercial. A maior preocupação dele é justamente manter o nível de qualidade das bebidas. 

“Eu não vendo para mercado, boteco, não tenho interesse nenhum em crescer, meu negócio é manter isso aqui em um nível de qualidade excelente”.

Cachaça DuPipe. Foto: Kamile Bernardes/O Município Blumenau

Amizades ao redor do mundo

Uma das coisas mais valiosas em seu trabalho segundo Pipe, são as amizades que faz. Ele conta que recebe pessoas de diversos locais do mundo e transforma os clientes em amigos.

“Aqui eu tenho um lugar que ganho um dinheiro e faço grandes amizades. Isso é uma das coisas mais legais, porque o teu cliente vira um amigo. Eles vêm direto aqui, a gente conversa, discute”, compartilha.

Conheça o interior da cachaçaria

Os segredos DuPipe

Para ele, tudo interfere no gosto final da bebida. Por isso, um dos maiores apegos de Pipe durante a produção das cachaças são os detalhes. Ele destaca, por exemplo, a utilização de frutas naturais para fazer os licores, ao invés de essências.

“O ser humano está consumindo muito açúcar, então as pessoas estão partindo para as bebidas mais doces, frutadas, por isso, os licores vendem muito”, relata.

Parte de produção de licores na cachaçaria DuPipe. Foto: Kamile Bernardes/O Município Blumenau

Além disso, Pipe também destaca que, em sua produção, o fogo é colocado diretamente embaixo do alambique, na contramão do uso de caldeiras.

“Aí já acontece a primeira diferença de sabor. Assim como galinha caipira no fogão a lenha e no fogão a gás. Ninguém fala sobre isso, mas aquecimentos diferentes, sabores diferentes”, explica.

Alambique da cachaçaria DuPipe. Foto: Kamile Bernardes/O Município Blumenau

Moendão Cachaçaria

No ano de 1890,José Francisco Schmitt começou a produzir cachaça em seu alambique. Agora, já na quarta geração da família a trabalhar com a bebida, Carlos Schmitt e seus filhos, Adriano, Cíntia e Luan, levam o nome da Moendão Cachaçaria para o mundo.

Moendão Cachaçaria. Foto: Kamile Bernardes/O Município Blumenau

No começo do Moendão, a sede, localizada na rodovia Jorge Lacerda, no bairro Poço Grande, era apenas um rancho pequeno, onde existia uma loja desde 1988. A família trazia as cachaças do antigo alambique de seu José para vender ali, até que Carlos decidiu vender uma lambreta que tinha e, com o dinheiro, comprou um estoque de barris para iniciar a produção efetiva no local.

Área de produção das cachaças na Moendão Cachaçaria. Foto: Kamile Bernardes/O Município Blumenau

A produção da cachaça

O processo de produção da cachaça inicia na plantação, cultivo e colheita da cana-de-açúcar. No engenho, eles moem a cana. E, por fim, na sede, acontecem os processos de fermentação e a destilação, através do alambique de cobre. Ali, o caldo de cana fermentado é aquecido e o vapor fará a transformação da cachaça.

A família destaca que o alambique é aquecido com fornalha ecológica. Além disso, a área de produção é toda fechada com vidros, pois na parte da fermentação é necessário tomar cuidado, porque qualquer coisa pode contaminar a bebida e fazer com que a empresa tenha que destinar toda a produção do dia para o lixo. 

“O produtor não pode nem passar perfume, para não contaminar. Na época de produção só quem tá produzindo entra ali”, explica Cíntia.

O alambique da Moendão faz 300 litros por batelada e fica cerca de 5 horas destilando. Durante a safra, eles costumam fazer duas bateladas por dia, ou seja 600 litros diários de cachaça.

Confira vídeo do local de produção

O coração da cachaça

Na Moendão, os produtores, quando estão destilando, realizam a separação da cabeça, coração e cauda da cachaça.

A cabeça é a primeira fração da cachaça. Tem cerca de 75% de álcool e possui metanol, que é prejudicial e cancerígeno. Por isso, a empresa não utiliza para comercialização. O coração é a parte do meio, boa para o consumo. E a cauda é o final da destilação, com um teor alcoólico menor, de 20%. Por correr muitas impurezas do alambique nesta última parte, ela também é separada. Apenas a fração do meio, o coração, é utilizado para beber.

No entanto, eles não jogam a cabeça e a cauda da cachaça fora. Muito pelo contrário, deixam separado e na última destilação do ano, pegam esse material e destilam novamente, para reutilizar como  álcool 70%, para a limpeza da lanchonete, e álcool combustível.

Em vídeo, Adriano, que é especialista na parte de produção, explica com detalhes como funciona o processo no alambique. Confira:

Envelhecimento das cachaças

Após todas essas etapas, vem uma parte crucial para o sabor das cachaças: o blend. Ou seja, a mistura de cachaças envelhecidas diferentes, para dar um toque especial na bebida. Na Moendão, Carlos é o responsável pelos blends e envelhecimento das cachaças.

A cachaçaria possui vários barris de envelhecimento. Conta com cachaças envelhecidas em carvalho francês a partir de 1 ano e meio até 10 anos. A última é a “Cachaça do Patriarca”, uma homenagem para o avô e, por isso, uma das que tem maior valor sentimental para a família.

“Sempre que sai uma cachaça nova que ele tira do barril, a gente se reúne, senta junto, experimenta para ver se a cachaça está gostosa. E assim o pai vai fazendo blends até chegar num ponto em que todo mundo fala que a cachaça está legal para começar a vender”, compartilha Cíntia.

Família Schmitt, donos da Moendão Cachaçaria. Foto: Kamile Bernardes/O Município Blumenau

Prêmios

A Moendão soma aproximadamente 14 medalhas conquistadas pelo sabor de suas cachaças. No ano de 2020, eles foram destaque nacional e considerados a melhor cachaça do Brasil na Expocachaça, que acontece em Minas Gerais.

“Minas Gerais é o berço da cachaça, possui muito cultivo e tradição. Mas Santa Catarina foi lá, desvendou os mineiros e ganhou como a melhor cachaça. Isso é muito importante para o nosso ramo, tem cachaças boas aqui também”, defende Carlos.

Diversas caachaças produzidas pela Moendão. Foto: Kamile Bernardes/O Município Blumenau

Além da Expocachaça, a Moendão também envia suas bebidas para participarem do Concurso Mundial de Bruxelas, na Bélgica. Na competição, eles já colecionam cinco prêmios.

“Santa Catarina e Gaspar estão sendo muito conhecidos por fazer boas cachaças. A gente tem uma associação, Acapacq, que tem todos os associados, produtores de Santa Catarina, e juntos estamos tentando conquistar todo o Brasil, para reconhecerem que Santa Catarina tem cachaças boas de fato”, finaliza Cíntia.

Cachaça da Moendão, com vários títulos da Expocachaça. Foto: Kamile Bernardes/O Município Blumenau

Engenho do Nono 

O Engenho do Nono fica localizado na rua Carlos Coradini, no Alto Gasparinho. Atualmente o forte do local é o restaurante, porém, a história, como entrega o nome, começou com o engenho de açúcar. Em 1918, o casal chamado Hulberto e Adelaide Marquetti construíram o engenho no mesmo local onde ele permanece até hoje, e iniciaram ali a produção das cachaças, que se tornou a fonte de renda deles.

Engenho do Nono. Foto: Kamile Bernardes/O Município Blumenau

Posteriormente, o engenho passou para os cuidados do filho do casal, Gerasmo Maquetti e a esposa dele, Maria Inês. Assim, iniciou-se uma tradição familiar. Mais tarde, em 1995, a propriedade ficou nas mãos do neto de Hulberto, Gelesio Cezar e da esposa Neusa. No caso, os pais de Gilmar e Vandeir Cezar, que são os atuais cuidadores do patrimônio desde 2005, junto com as respectivas companheiras, Jéssica e Angela. 

“É uma história de família e tradição. Me lembro de quando eu era pequenininho, 3 anos de idade, o pai e o nono vinham fazer cachaça de madrugada e eu vinha toda a vida atrás deles. Eu fui me acostumando direto junto com eles. É uma paixão pra mim o engenho e a cachaça, é uma terapia”, compartilha Gilmar César, conhecido como Marinho.

Receita do bisnono

O Engenho do Nono tem uma produção menor, faz cerca de 4 ou 5 mil litros por ano. As cachaças são produzidas e comercializadas no mesmo local. O carro-chefe é o licor de jabuticaba. No entanto, a cachaça nova, procurada para fazer caipirinhas, e as cachaças saborizadas de canela, banana e coco também fazem sucesso.

Conforme Marinho, o diferencial do estabelecimento é que, além de a cachaça ser produzida totalmente artesanal, ainda é feita com as mesma receitas dos antepassados. “É a mesma receita que o nono e o bisnono faziam na época, não mudou nada”, garante.

Cachaças e licoresproduzidos no Engenho do Nono. Foto: Kamile Bernardes/O Município Blumenau

Como funciona o engenho

O engenho ainda funciona igual na época dos antepassados da família. A cana-de-açúcar é colhida de agosto até novembro, época em que está madura e, posteriormente, moída na roda d’água. “A moenda ainda é da época deles, o concho, os tonéis”, revela Marinho.

O caldo extraído da cana-de-açúcar, conhecido como garapa, vai para as caixas para que ocorra a fermentação, que leva cerca de 15 a 16h. Após isso, é colocado no alambique para a destilação. 

Alambique do Engenho do Nono. Foto: Kamile Bernardes/O Município Blumenau

Ele afirma que o processo completo leva em torno de dois dias: “hoje de manhã eu corto a cana, de tarde eu moo, e amanhã de tarde, se acabar a fermentação, eu já consigo destilar”.

A luta pela tradição

Marinho relata que em determinado momento os irmãos mantinham o Engenho apenas como um hobby, uma vez que não estava mais servindo como sustento. No entanto, eles não queriam deixar a tradição familiar morrer, por isso, tiveram a ideia de montar um restaurante.

Em um sábado à noite no ano de 2011, ao lado da casa de Marinho, eles deram início ao empreendimento. Cerca de trinta pessoas foram na inauguração e, a partir disso, o Engenho do Nono conseguiu resistir às dificuldades.

Restaurante Engenho do Nono. Foto: Kamile Bernardes/O Município Blumenau

Marinho conta que, antigamente, o local onde hoje é o restaurante, era praticamente todo coberto por gramado, contava apenas com o engenho aos fundos. A partir dos lucros conquistados, eles foram ampliando o espaço e montaram a atual estrutura para atender os clientes aos sábados e domingos.

“Fomos dando sequência para não deixar parar com a tradição, já que faz 104 anos (…) Por isso a ideia de fazer o restaurante, para não deixar se acabar o engenho e agregar valor. O pessoal vem almoçar aqui e pode vir conhecer o engenho, entender como funciona e experimentar um licor, uma cachaça”, explica. 


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